Senadores pressionam e votação da reforma tributária é adiada para novembro

Dois grupos travam disputa nos bastidores e cresce a tese para deixar a votação para o ano que vem
Senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da reforma tributária no Senado, recebe jornalistas para anunciar mais um adiamento da apresentação de seu relatório

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Sob pressão de dois grupos antagônicos e, embora tenha convocado um pelotão de assessores que estão processando as mais de 310 emendas à Proposta de Emenda Constitucional (PEC n° 45/2019), que estabelece a primeira etapa da reforma tributária no país, o relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB), adiou a apresentação do relatório para o dia 24, postergando a votação entre 7 e 9 de novembro, acendendo uma luz amarela no 3° andar do Palácio do Planalto.

Como Blog do Zé Dudu publicou (aqui), com base em 310 emendas à proposta, apresentadas pelos parlamentares até a quarta-feira da semana passada, aponta que, desse total, 46% elevariam os tributos.

O senador e ex-governador do Amazonas, Eduardo Braga, recebeu a imprensa para prestar explicações, logo após ter concluído uma reunião fechada com os governadores dos três estados da região Sul.

Inicialmente, Braga disse que pretende apresentar seu relatório em 24 de outubro e que a votação do projeto deve ser concluída até 9 de novembro. De acordo com Braga, esse calendário foi negociado e aprovado entre os presidentes do Senado e da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

‘’Houve uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, e ficou acertado o dia 24 para apresentação e leitura do relatório na CCJ. Como tem feriado, acaba votando no dia 7 na CCJ e vai para plenário 7, 8 ou 9 [de novembro] para votar’’, informou o relator.

Braga enfrenta, de um lado, dificuldades para acomodar as pressões de senadores que defendem setores e atividades em busca de benefícios com tributação reduzida.

De outro lado, há um grupo de senadores que prefere discutir mais a proposta e deixar a votação para o ano que vem. Entre eles, o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Vanderlan Cardoso (PSD-GO).

Quando a PEC da reforma tributária chegou ao Senado, após uma votação com folga na Câmara, no início de julho, a expectativa era de que a tramitação seria mais rápida. O último cronograma previa a apresentação do relatório na próxima semana, no dia 20 de outubro.

Ao anunciar o novo calendário, Braga deu, pela primeira vez, sinais mais concretos de algumas das mudanças que fará no texto, mas segue mantendo em segredo se pretende cortar ou aumentar a lista de setores e atividades beneficiados com alíquota reduzida para os dois tributos que serão criados: a CBS (do governo federal) e o IBS (de Estados e municípios). Essa é a principal incógnita das negociações da reforma tributária.

Já foram apresentadas até terça-feira (10) 388 emendas ao texto. Mas o número vai aumentar, porque os senadores da CAE vão apresentar mais sugestões. Braga disse que, antes de apresentar o relatório, vai se reunir com o relator da proposta na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Há uma preocupação do relator em buscar consenso com os deputados com os pontos mais sensíveis porque, com as mudanças, a PEC terá de voltar para nova votação na Câmara, colocando em risco a aprovação da matéria neste ano, como defende um grupo, cada vez maior, de congressistas, no próprio Senado, assim como, na Câmara dos Deputados.

Entre as principais mudanças já sinalizadas pelo relator está o esvaziamento do poder de deliberação do Conselho Federativo, órgão previsto no texto da Câmara.

Braga minimizou o atraso da entrega do parecer. “Votar uma emenda (à Constituição) dessa complexidade recebida em agosto no início de novembro, creio que é uma demonstração de prioridade e compromisso com a reforma tributária”, disse.

Governadores dos três estado do Sul, e um do Centro-Oeste, participam de reunião com o relator da reforma tributária no Senado

Pressão de todos os lados

Além dos grupos antagônicos no Senado e na Câmara, o que é de praxe, o relator se vê em meio a pressões de praticamente todos os setores da economia e do poder executivo. O governo federal, os governadores e ainda, os prefeitos dos 5.568 prefeitos do Brasil, mais dois distritos (Fernando de Noronha e Distrito Federal) uma vez que ninguém quer sair perdendo após a reforma ser aprovada.

Na terça-feira (10), Eduardo Braga recebeu os governadores de Santa Catarina, Jorginho Mello; do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; do Paraná, Ratinho Júnior; e de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, para tratar da reforma tributária. Também participaram os secretários de governo desses quatro estados, que são integrantes do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul). Eles apresentaram sugestões de mudanças para o relator.

O governador e ex-senador Jorginho Mello (PL) disse que os governadores pediram a criação de um fundo constitucional para a região Sul, como os que já existem para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Por sua vez, o governador Eduardo Leite (PSDB) pediu que o critério de divisão dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional seja estabelecido pela PEC.

Fundamentos do texto da PEC antes do relatório

O relatório a ser apresentado pelo senador Eduardo Braga, será um substitutivo à matéria aprovada na Câmara dos Deputados em agosto.

A PEC 45/2019 unifica a legislação tributária, busca diminuir os impostos sobre o consumo, prevê a criação de fundos para o desenvolvimento regional e para bancar créditos do ICMS até o ano de 2032.

A proposta extingue diversos tributos sobre o consumo atualmente existentes e cria dois, um de competência federal (Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS) e outro compartilhado por estados e municípios (Imposto sobre Bens e Serviços – IBS). Também abre espaço para a criação do Imposto Seletivo (IS – o chamado imposto do pecado, que incidirá sobre produtos como bebida alcoólica e cigarro).

No nível federal, seriam extintos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); a Contribuição ao Programa de Integração Social (Contribuição do PIS/Pasep – mas permanecerá a contribuição sobre as receitas correntes, que será chamada de Contribuição para o Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Já nos níveis estadual e municipal, seriam extintos dois impostos: o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) e o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação). É prevista também a criação de um Conselho Federativo do IBS e do Fundo de Desenvolvimento Regional.

Braga informou que já recebeu mais de 388 emendas de senadores ao projeto. Ele disse que o Conselho Federativo será um comitê gestor apenas, que arrecada e distribui, nos moldes do comitê gestor do Simples Nacional.

‘’A minha visão sobre o Conselho Federativo é que ele seja um órgão gestor e um comitê administrador [do IBS], sem competência para iniciativas legislativas e sem competências para decidir questões federativas’’, afirmou o relator, adiantando possíveis mudanças no texto da PEC.

O senador acrescentou que o Fundo de Desenvolvimento Regional a ser criado será “um grande mecanismo de desenvolvimento econômico das regiões” e servirá para a redução das desigualdades econômicas e sociais. Entretanto, Braga disse que as fontes de recursos do fundo terão de ser muito bem definidas, para que haja recursos suficientes para alavancar o desenvolvimento de todas as regiões.

Veja o que deve mudar no relatório do Senado

• Comitê Gestor

Previsto para gerir e administrar o IBS com representantes dos Estados e municípios, o Conselho passará a ser chamado de Comitê Gestor, sem função deliberativa. Vai se espelhar no Comitê Gestor do Simples Nacional, modelo de tributação simplificado para micro e pequenas empresas de impostos federais, estaduais e municipais.

Segundo Braga, o comitê gestor do IBS terá a função de arrecadar e distribuir o imposto, mas não de regular – atribuição que será feita por cada Estado e município. Para o relator, esse novo modelo para o Conselho Federativo é para simplificar – e afasta disputas políticas, já que não será mais deliberativo.

“Será um órgão bem aos moldes do Simples: gestor e administrador. Funciona muito bem e não vemos questionamentos no Simples Nacional”, disse. Ele não pretende mudar a forma de composição aprovada na Câmara.

De acordo com o relator, há apoio de governadores e senadores para essa mudança no Conselho, afastando, inclusive, a necessidade de definição da governança para as votações — um dos pontos mais polêmicos do texto da Câmara, que dava mais poder aos Estados mais populosos e mais ricos.

“Se será um comitê gestor, que decisão ele vai tomar? Ele é um órgão técnico. Será um comitê administrador, sem competência para iniciativas legislativas e decisão sobre questões federativas”, explicou. Ele reforçou que as alíquotas serão decididas pelos Estados e municípios.

• Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)

O senador sinalizou que pretende aumentar o aporte que será feito pelo governo federal ao fundo. O valor ainda não está decidido. No texto da Câmara, o valor do aporte estava em R$ 40 bilhões. “O sentimento que eu colhi com todos os governadores é que eles pleiteiam um valor maior do que os R$ 40 bilhões”, disse.

Segundo ele, os governadores do Sul falam em R$ 80 bilhões e do Nordeste e Norte, em R$ 75 bilhões. “Até agora não tive uma sinalização do governo em torno disso”, disse. Para ele, o aumento do aporte pode mitigar a disputa que os Estados travam em torno da divisão.

O relator até citou um ditado popular para ilustrar esse ponto: “quando falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”. Braga reforçou que o fundo passará a ser o grande mecanismo de desenvolvimento econômico das regiões. Segundo ele, há consenso de que a forma de divisão esteja prevista na Constituição.

O relator defende tratamento diferenciado entre os Estados mais ricos e os pobres. “Todos os brasileiros merecem oportunidades. Mas não podemos tratar desiguais de forma igual”, disse. Segundo ele, é preciso ter equilíbrio para que todas as regiões possam ser beneficiadas. “É claro que aqueles que precisam mais”, afirmou.

Braga admitiu que esse é um dos pontos mais polêmicos, que divide opiniões. Segundo ele, é preciso ter como critério que será um imposto “extrafiscal”, como substituto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Ele afastou colocar no texto os produtos que seriam taxados por esse imposto, que inicialmente foi pensando para tributar produtos que causam mal à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas e combustíveis fósseis. Para ilustrar, há um lobby para sobretaxar alimentos ultraprocessados, e outro, para isentar os saudáveis. Mas muitos setores temem que o tributo possa vir a ser cobrado pelo governo para arrecadar mais, atingindo vários produtos e serviços, como energia, telecomunicações, alimentos considerados prejudiciais à saúde.

“Não temos como colocar na Constituição determinados níveis de detalhamento”, ponderou, lembrando que o IPI é fixado por decreto. Segundo ele, uma das possibilidades é que seja fixada a regra de anualidade para que o Imposto Seletivo seja cobrado. Ou seja: ele só entra em vigor no ano seguinte.

Pela proposta da Câmara, o imposto poderá ser fixado por Lei Ordinária. Mas Braga admitiu que há senadores que querem que esse ponto seja alterado para lei complementar, o que exigiria quórum mais qualificado para aprovar mudanças.

O relator sinalizou que não pretende abrir exceção para o setor de energia na reforma para não desequilibrar a arrecadação dos Estados.

“O Supremo julgou energia elétrica como essencialidade e o que aconteceu depois disso? Vários Estados aumentaram o imposto sobre energia elétrica por causa do financiamento dos Estados”, afirmou. “Se nós reduzirmos a alíquota e desequilibramos os Estados, como é que eles vão se financiar?”, questionou.

• Trava para carga tributária

O relator defendeu a fixação de uma trava para que não haja um aumento da carga tributária, mas não detalhou como ela seria fixada. No início da tramitação da reforma no Senado, ele defendeu um teto para as alíquotas do IBS e do CBS, mas essa proposta encontra resistência de governadores e prefeitos, com medo de perder arrecadação para o financiamento das políticas públicas.

“Nós queremos a trava para ter neutralidade do ponto de vista da carga tributária. E, do outro lado, temos de olhar para o setor produtivo e garantir que haja investimento, geração de emprego”, disse.

• Exceções para alíquota reduzida

O relator não detalha quais setores de atividades podem sair da lista de exceções com alíquota reduzida e regime diferenciado — ou entrar nela. “Todo mundo quer algum tipo de benefício. A conta não fecha. No final do dia, não tem almoço grátis”, afirmou.

Ele repetiu o que vem falando desde o início das negociações: “É preciso ter clareza em relação ao custo e benefícios desses regimes de exceções”. Questionado se poderá diminuir as exceções, Braga disse: “Isso ainda tem um grande exercício pela frente”.

• Recursos do FAT para Previdência

Braga não demonstrou entusiasmo com a proposta apresentada pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, para inserir uma emenda que permita a redução gradual dos repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a Previdência Social.

O relator disse que recebeu a manifestação do Ministério do Trabalhou e informou que fez uma primeira indagação à equipe de Marinho sobre qual a posição do Ministério da Fazenda sobre a proposta. Segundo Braga, não houve resposta ainda. “Isso é uma matéria que não está decidida. É uma matéria que sequer foi discutida com os senadores”, acrescentou.

• Zona Franca de Manaus e IPI

Sobre a possibilidade de mudanças no texto aprovado na Câmara em relação à manutenção dos incentivos fiscais para a Zona Franca de Manaus, localizada no Amazonas, onde já foi governador, o relator disse que há algumas questões que estão sendo discutidas com o Estado do Amazonas.

Ele não detalhou, mas disse que algumas delas dependem de uma definição sobre o Imposto Seletivo, tributo que seria usado para garantir a competitividade dos bens produzidos na Zona Franca de Manaus em relação aqueles fabricados no restante do País.

Braga se mostrou simpático à manutenção do IPI, imposto que vai acabar com a reforma, apenas nas operações da Zona Franca de Manaus. O relator lembrou que a PEC 110, que tramitava no Senado, mantinha o IPI até 2073 exclusivamente para os produtos da Zona Franca. “Eu acho essa equação muito mais simples”, disse. Mas ponderou que não é um ponto que esteja resolvido.

• Bicicletas, Fake News e Imposto Seletivo

O relator classificou de “Fake News” a informação de que o imposto seletivo, também chamado de “imposto do pecado”, também poderá incidir sobre outros produtos, como bicicletas.

Esse ponto é um dos mais debatidos nas redes sociais, porque a reforma prevê o uso do Imposto Seletivo para garantir competitividade dos produtos da Zona Franca de Manaus que ficariam isentos. Para ele, a manutenção do IPI apenas para as operações da Zona Franca “acabaria com a fake news” sobre as bicicletas.

O relator não pretende mudar o prazo de transição para a entrada da CBS e do IBS. Segundo ele, há um impedimento legal para que isso ocorra. “A consolidação dos benefícios fiscais (dados por Estados) até 2033. Até 2033 não podemos mudar essa base”, justificou.

Há uma demanda de empresas para que o relatório de Braga “harmonizasse” a entrada em vigor da CBS e do IBS. Pelo texto da Câmara, a transição começaria em 2026 com um CBS de apenas 1% para testar o sistema. Em 2027, a CBS entra em vigor totalmente, e a transição do IBS será entre 2029 e 2032.

• Benefícios Fiscais do Regime Automotivo

Esses incentivos já concedidos para as empresas do setor automotivo terminam em 2025, mas ficariam até 2032. Segundo ele, está sendo discutido uma regra de inovação tecnológica, transição energética, com uma série de travas. Isso está sendo conversado obviamente com as bancadas.

“Esse é um pleito da Bahia, dos senadores Otto Alencar, Jacques Wagner e Angelo Coronel. Pleito também do Estado de Pernambuco, de Goiás”, afirmou. Braga disse que os governadores do Sul também querem os mesmos benefícios para a indústria automobilística.

“O que eu defendo é que isso seja para inovação tecnológica, transição energética, descarbonização, e que tenha, obviamente, limitações e travas”, acrescentou. Na realidade, esses incentivos terminam em 2025, mas ficariam até 2032 com essa trava e aí significa igualar com todas as convalidações que existem de incentivo fiscal”, concluiu.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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