Governo federal acelera programa de privatizações

Meta de arrecadação chega a R$ 1 trilhão. Processo já começou em meio a resistências e Pará poderá experimentar uma revolução na sua precária infraestrutura

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Brasília – O ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe irão finalizar nos próximos dias o programa de privatizações do governo Jair Bolsonaro, que tem como meta arrecadar aos cofres públicos R$ 1 trilhão. “É hora de acelerar a venda de estatais e concentrar os esforços do governo em áreas como saúde, educação e segurança pública”, adiantou o ministro. “É uma promessa do então candidato Bolsonaro: mais Brasil, menos Brasília”, reforçou.

O pouco que se sabe do programa de privatização é que será o maior do gênero no mundo. O anúncio tem a ideia de seguir o bem-sucedido modelo adotado para a Reforma da Previdência, com a realização de uma grande entrevista coletiva em Brasília.

A ideia é que o secretário especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, e seus principais assessores façam uma apresentação do programa aos jornalistas dos principais veículos de comunicação e respondam às dúvidas durante o tempo que for necessário, de preferência com transmissão em rede nacional por algum canal de TV, como ocorreu com o projeto de Reforma da Previdência, aprovado em 1º turno na Câmara dos Deputados.

Apesar de a privatização parecer algo distante do dia a dia da população, enquanto a Reforma da Previdência mexe diretamente com o bolso e as expectativas do brasileiro, tudo indica que as dificuldades para o governo tocar o programa serão iguais ou maiores do que as que ele está enfrentando com a mudança nas aposentadorias, mesmo levando em conta que a privatização também deverá reduzir os gastos públicos, além de permitir ao governo se concentrar nas áreas de educação, saúde e segurança e de contribuir para a diminuição da corrupção e do tráfico de influência.

A percepção no Ministério da Economia é de que, embora a resistência à privatização tenha diminuído nos últimos anos, uma parcela da sociedade e do Congresso ainda se opõe ao programa.

Metas

O programa de privatização que está sendo finalizado pela equipe do ministro Paulo Guedes é ambicioso. Se for concretizado, ainda que parcialmente, promete mudar o perfil da economia do País e retomar os investimentos governamentais estagnados desde 2014. Com o caixa que será reforçado, recuperar a deteriorada infraestrutura do Brasil, um dos gargalos para a retomada do crescimento econômico, é uma das metas.

A previsão de arrecadação de R$ 1 trilhão com a venda de estatais se mostra otimista frente às estimativas de analistas do mercado que indicam que o programa poderá render até R$ 450 bilhões.

O resultado inclui 132 participações acionárias diretas ou indiretas da União, com potencial para negociação pulverizada no mercado ou em bloco, e os valores mínimos de outorga da cessão onerosa de áreas do pré-sal e de duas rodadas de licitações de petróleo e gás natural, ferrovias e aeroportos, que devem ocorrer ainda neste ano.

O levantamento leva em conta operações de privatização, desinvestimento, abertura de capital e venda de participações minoritárias de estatais e suas subsidiárias, especialmente após o Supremo Tribunal Federal autorizar a venda de empresas coligadas as estatais.

As regras para a venda de estatais propriamente ditas têm que ter o aval do Congresso Nacional. No cálculo também está sendo considerada a venda das participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), via BNDESPar, seu braço de investimento, em empresas de capital aberto e fechado, cujo valor total de mercado atualizado é de R$ 143,7 bilhões.

Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, excluídos em princípio do programa de desestatização do governo Bolsonaro, não entram na conta. Como os valores mínimos de outorga para concessões de serviços públicos no segundo semestre e nos próximos anos não estão definidos, elas também não entraram no cálculo. O mesmo aconteceu com os imóveis públicos que o governo pretende repassar para fundos imobiliários, com valor calculado em R$ 30 bilhões pelo Ministério da Economia.

As estimativas de arrecadação com o programa de desestatização apresentam uma dispersão considerável. Guedes, por exemplo, fala na possibilidade de arrecadar R$ 1 trilhão – número “mágico” ao qual recorreu também na Reforma da Previdência – até 2022. Mais conservador, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercado, Salim Mattar, ligado a Guedes, já previu algo entre R$ 700 bilhões e R$ 800 bilhões, mas hoje trabalha com uma receita de R$ 635 bilhões, acrescentando R$ 115 bilhões de outorgas em concessões e os imóveis.

Maior do mundo

Se conseguir amealhar a metade do que apontam os levantamentos do mercado financeiro,  ou se o otimismo do governo não estiver exagerado, a era Bolsonaro já terá realizado o maior programa de desestatização em todos os tempos no Brasil e no mundo. Segundo estudo do BNDES, as 99 operações de desestatização efetuadas de 1990 a 2015 no País renderam no total US$ 54,5 bilhões.

No governo Temer, foram R$ 46,4 bilhões (cerca de US$ 12 bilhões) em 124 projetos, dos quais R$ 28 bilhões só na área de petróleo. Somando tudo que se fez até agora, dá um total de US$ 66,5 bilhões, equivalente a um terço do que a atual gestão arrecadaria no cenário mais pessimista considerado acima.

Caso os planos de Guedes se realizem, o Brasil também poderá se habilitar ao título de país com o maior programa de desestatização do mundo no período. Em número de operações, Angola, por exemplo, tem mais de 190 empresas na fila para privatização, de acordo com Mattar, e pode até superar o Brasil em número de empresas privatizadas.

Mas, em volume financeiro, não há notícia de que nenhum dos grandes países emergentes ou mesmo desenvolvidos esteja tocando um programa dessa magnitude. Mesmo no Ministério da Economia, ninguém havia se dado conta dessa possibilidade até agora.

Estado leve

Além de deixar o Estado mais leve, o objetivo com o programa de desestatização é usar os recursos para reduzir a dívida pública, hoje na faixa de R$ 3,9 trilhões (79% do PIB), e permitir uma queda sustentável dos juros, que representam o segundo maior gasto do governo – de cerca de R$ 350 bilhões em 2018 –, depois da Previdência.

Desta vez, ao contrário do que aconteceu nos anos 1990, na primeira onda de privatizações nos governos Collor, Itamar e FHC, o BNDES não deverá ter papel preponderante no financiamento das operações. De acordo com Marcelo Noronha, em recente declaração à imprensa, o vice-presidente executivo do Bradesco disse que os investidores externos estão olhando o Brasil com lupa e não deverá faltar dinheiro de fora nem daqui para bancar os negócios.

Outra questão importante que ele destaca: agora, os fundos de pensão das grandes estatais, como Petros (Petrobrás), Previ (Banco do Brasil) e Funcef (Caixa) não deverão ser fundamentais nos leilões, como ocorreu no passado. “Hoje, há uma liquidez no mercado internacional que não existia naquela época”, diz. “Com as variáveis reunidas hoje no mundo, o Brasil se tornou o país preferido dos investidores entre os mercados emergentes. Com a Reforma da Previdência feita, a tendência é o processo ganhar tração.”

Noronha diz estar analisando diversos projetos de desestatização com clientes do País e do exterior. Ele conta que conversou recentemente sobre o assunto com o presidente de uma grande empresa internacional, que revelou ter interesse em fazer negócios no Brasil. “Vou comprar ativos, estarei nos leilões”, teria dito o grande empresário. Noronha estima que possam entrar até US$ 100 bilhões de investidores estrangeiros na Bolsa neste processo.

Um impulso adicional para atrair o pessoal de fora pode ser dado com a flexibilização das regras de operação de empresas privadas nas áreas de saneamento, com o possível fim do monopólio das estatais estaduais, e de gás natural, com o fim do monopólio da Petrobrás. “O nível de interesse dos investidores por esses dois setores é enorme”, afirma Bruno Fontana, diretor do banco de investimento do Credit Suisse no Brasil. “O potencial de investimento no mercado de saneamento no País, uma vez acordado o novo marco regulatório, não tem igual no mundo hoje.”

No Brasil, os tentáculos do Estado se espalham por quase todas as áreas da economia, da extração de petróleo às comunicações e à produção de chip para rastreamento de animais; da geração de energia à construção de ferrovias e à administração de portos e aeroportos. No governo Dilma, criou-se até uma empresa para cuidar do trem-bala, cujo projeto consumiu milhões de reais, mas nunca saiu do papel, e ela continua a existir até hoje com outro nome.

Embora o ex-presidente Michel Temer tenha dado novo impulso ao programa de desestatização, que patinou durante os governos Lula e Dilma, ao promover um corte no número de estatais, de 154 para 134, o Leviatã pareceu mal sentir o golpe. O Brasil ainda é o país da América Latina com o maior número de estatais, de acordo com Mattar.

Gigantismo estatal

Uma grande resistência contra o programa de privatização deve ser liberado pelos antagonistas políticos do presidente Jair Bolsonaro.

Após os programas de privatização anteriores, 46 empresas se mantiveram sob o controle direto da União e 88, controle indireto: são 35 subsidiárias da Petrobrás, 30 da Eletrobrás, 16 do Banco do Brasil, 3 da Caixa, 3 do BNDES e 1 dos Correios. A União ainda detém 58 participações minoritárias em empresas privadas e públicas (estaduais e federais), segundo os dados oficiais.

Há dúvidas, porém, também aqui, quanto à precisão dos números. Muitos analistas suspeitam que a presença do Estado na economia seja bem mais ampla. Nem o próprio governo sabe exatamente de quantas empresas é sócio, em especial de forma indireta. O próprio Mattar disse recentemente que pretende fazer uma nova pesquisa para apurar de forma mais precisa o número de estatais em níveis federal, estadual e municipal.

Para ele, o total de estatais nas três esferas, hoje de 440, pode ser até 50% maior do que o divulgado agora. Levantamento realizado pela revista Época em 2011 apurou a existência de pelo menos 675 empresas com algum traço de participação da União, de estatais federais ou de suas subsidiárias no capital.

Hoje, embora a privatização tenha deixado de ser um palavrão no País e o cenário seja mais favorável do que há alguns anos, a venda de estatais ainda encontra resistência em parcelas da população. Pesquisas apontam resultados contraditórios, revelando uma polarização em relação ao tema, como acontece com várias outras questões atualmente. Uma sondagem feita no início do ano pela Paraná Pesquisas mostra que 53,3% dos entrevistados apoiam a venda da totalidade ou de uma parte das estatais, enquanto 41,5% se disseram contrários à privatização.

Já uma pesquisa feita pelo Datafolha na mesma época apurou que 60% rejeitam a desestatização, ao passo que 34% afirmaram que o governo deveria vender o maior número possível de empresas públicas. Entre os que disseram ser apoiadores do PSL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, 65% se declararam a favor da privatização.

No Congresso, as trincheiras dos estatistas estão bem montadas, reforçadas por parlamentares de todos os partidos. Pelo Legislativo, só deverão passar as propostas de privatização das empresas controladas diretamente pela União, conforme decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Se isso libera a venda das subsidiárias pelas empresas-mãe, amarra a privatização de empresas como a Eletrobrás, que já entrou no rol de privatizáveis do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), uma espécie de hub do governo para informações sobre privatizações e concessões. Os Correios, cuja operação recebeu o aval público de Bolsonaro antes de ele demitir o general da reserva Juarez Cunha, ex-presidente da empresa, declaradamente contra a desestatização, também terão de passar pelo mesmo processo. A discussão deve pegar fogo no segundo semestre.

Resistência é bandeira de luta política

Mas é, provavelmente dentro do próprio governo, que Guedes e Mattar enfrentam hoje a mais dura batalha para fazer deslanchar as privatizações propriamente ditas e extinguir as empresas consideradas dispensáveis. Os estatistas estão por todos os lados na Esplanada dos Ministérios. Mattar chegou até a se dizer “frustrado” pela lentidão do processo. “Eu não tenho controle absoluto das desestatizações”, afirmou.

Até o ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, um técnico que tem estruturado com eficiência as concessões na área, abraçou a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), aquela do trem-bala, que está até repondo vagas e contratando pessoal, e a Valec, de construção e gestão ferroviárias. Ambas estavam na lista de extermínio do Ministério da Economia. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que também estava jurada de morte, ganhou sobrevida na gestão do ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo, e ao que parece também teria deixado a UTI.

Outro que “sentou em cima” de suas estatais foi o ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Ele se recusa a privatizar ou fechar qualquer uma das empresas ligadas ao seu ministério – os Correios, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Telebrás e o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). As divergências entre Mattar e Pontes chegaram ao limite e hoje, segundo uma fonte do Ministério da Economia, eles nem se falam. De quebra, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ainda resiste à privatização da Cia. Nacional de Abastecimento (Conab).

Para não deixar o programa de privatização parar de vez, por falta de empresa para privatizar, a saída encontrada por Guedes foi acelerar as operações de vendas de subsidiárias e de participações dos bancos ligados à sua pasta – a Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES – e também contar com o apoio de seu amigo Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, para turbinar o processo no seu quintal.

E isso já começou. A BR Distribuidora não é mais controlada pela petroleira brasileira Petrobras. A estatal brasileira concluiu nestsa terça-feira (23), a oferta de vendas de ações da companhia (operação conhecida como folow on), em uma operação avaliada em cerca de R$ 9,6 bilhões no mercado, segundo fontes.

A fatia da companhia cairá de 70,3% para cerca de 37,5%. Líder em distribuição de combustíveis no País, a BR planejava desde o início do ano fazer uma oferta de novas ações no mercado. A transação foi conduzida pelos bancos JP Morgan, Bofa (Bank of America Merril Lynch), Credit Suisse, Citi, Itaú BBA e Santander.

Com o desafio de colocar a privatização em movimento no segundo semestre, mas dependendo de outros ministros para avalizar as operações, Guedes terá de contar com o apoio de Bolsonaro para superar as resistências de seus pares. Ele aposta que Bolsonaro, cuja história é marcada por posições intervencionistas e estatizantes, converteu-se de fato à sua cartilha liberal, como tem dito desde a campanha, e irá “bancar” o ambicioso programa de privatização que pretende implementar, apesar dos sinais contraditórios que ele mostra de tempos em tempos. Não vai demorar para se saber o desfecho da história.

Impacto no Pará

Está previsto no megaprograma de privatização sob o comando de Paulo Guedes, impactos substanciais na dinâmica econômica do estado do Pará, uma vez que o “gigante” do Norte está adormecido, amarrado em suas pretensões de crescimento porque tem uma das piores infraestruturas da América Latina. Telecomunicações, Parque de Geração de Energia Alternativa, portos, ferrovias, rodovias, saneamento básico. “Tudo precisa de atenção”, enumerou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. 

O Pará está incluso no roteiro do programa de desestatização que o governo federal pretende implementar nos próximos meses e anos. São vários setores e com ativos que despertam interesse de grupos econômicos nacionais e internacionais.

Descontando-se a venda de imóveis públicos federais, uma vez que ainda não se sabe se os Correios vão entrar no processo de privatização, cruzando as informações dos ministérios da Infraestrutura, Minas e Energia e Economia e da Secretaria Especial do PPI, o Pará será impactado diretamente com o programa de privatizações e concessões do governo federal nas seguintes áreas: portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, óleo e gás natural e energia.

O total, de acordo com os estudos já concluídos, alcança a cifra de R$ 26 bilhões. Esses valores são muito maiores e serão atualizados conforme os demais estudos estiverem concluídos pelas equipes dos ministérios.     

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.