TCU adia decisão sobre fechamento da estatal do chip de boi

Órgão de assessoramento alega que argumentos do governo para privatizar a Ceitec são frágeis e vão contra os interesses da população
Na foto, sede da Ceitec em Port Alegre (RS). A estatal foi criada em 2008 para ser uma grande fabricante nacional de chips e semicondutores; empresa sempre foi dependente do Tesouro Nacional

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Brasília – Criado em 2008 no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), mais conhecida como estatal do chip de boi, teve na quarta-feira (10) a análise do processo de extinção em processo que corre no Tribunal de Contas da União (TCU), adiada por mais trinta dias. Suspenso há um ano, o julgamento pode resultar na retomada de sua liquidação.

O pedido de vista (mais tempo de análise) foi solicitado pelo ministro Vital do Rêgo na sessão de quarta, após o ministro Walton Alencar apresentar o processo para votação. Embora a empresa sempre foi dependente do Tesouro Nacional, a crise global de escassez de chips e semicondutores, cujo principal fornecedor é Taiwan, sob ameaça de intervenção da China, que quer anexa-la definitivamente ao seu território, gera ainda mais controvérsia sobre o caso.

Ministro do TCU, Vital do Rêgo, propôs a suspensão do processo de liquidação iniciado pelo Ministério da Economia da produtora de chips e semicondutores. Foto: TCU

Vital do Rêgo foi responsável por apresentar o voto, em setembro do ano passado, que propôs a suspensão do processo de liquidação iniciado pelo Ministério da Economia da produtora de chips e semicondutores localizada no Rio Grande do Sul. Na ocasião, a posição do ministro prevaleceu por 4 votos a 3, vencido o ministro relator, Walton Alencar. “Fui voto divergente, que venceu”, apontou Rêgo ao justificar nesta quarta o pedido de vista.

Ao ouvir a solicitação do colega, Walton pediu que Rêgo fixasse um prazo para devolver o processo ao plenário, diante do tempo em que o caso já tramita na Corte. “O último ponderado julgamento sobre a questão em que novas diligências foram excetas já data bem mais de um ano. Apenas pediria a consideração do eminente revisor na fixação de prazo para que possamos nos debruçar sobre o caso”, afirmou Alencar. Dessa forma, Rêgo se comprometeu a devolver o processo em 30 dias.

No ano passado, quando a liquidação foi suspensa, Rêgo afirmou que o processo de desestatização do Ceitec deveria ser paralisado para que o governo pudesse justificar “melhor” o atendimento ao interesse público. Por isso, o TCU pediu ao Ministério da Economia que esclarecesse os motivos pelo qual queria dar fim à companhia.

O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) recomendou a extinção do Ceitec em junho de 2020, e o decreto presidencial que oficializou a decisão foi publicado em dezembro daquele ano. O processo de liquidação envolve a transferência de projetos e patentes da empresa para uma Organização Social, a ser criada.

Decisão de privatizar

Embora o plano do governo de liquidar o Ceitec não corre como esperado pelo governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL), já “bateu o martelo” ao assinar o Decreto nº 10.578 de 15 de dezembro de 2020, que dispõe sobre a dissolução societária do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. e a publicização das atividades direcionadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no setor de microeletrônica. A estatal entrou na mira de Bolsonaro, mas o presidente não conseguiu fechá-la, pois os ministros do TCU consideraram frágeis as justificativas apresentadas pelo governo para a desestatização.

Após o TCU suspender a liquidação da única fábrica de semicondutores da América Latina, parlamentares e trabalhadores da estatal reforçaram o apoio ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº 558/2020), do Senado, que susta os efeitos de liquidação da empresa.

O projeto foi apresentado pela bancada de oposição ao governo e é subscrito pelos senadores: Senador Jaques Wagner (PT-BA), Senador Jean Paul Prates (PT-RN), Senadora Zenaide Maia (PROS-RN), Senador Paulo Paim (PT-RS), Senador Humberto Costa (PT-PE), com apoio do senador Paulo Rocha (PA), líder do PT no Senado.

Reações

Houve protestos de militantes ligados ao Partido dos Trabalhadores que são radicalmente contra qualquer privatização, ao contrário, o candidato Lula defende, nas suas últimas declarações, a criação de novas estatais e de pelo menos 50 ministérios, caso seja eleito.

A suspensão do processo deu sobrevida ao projeto de PDL, que ganhou apoio, durante a audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), que se reuniu na semana passada. Parlamentares encaminharam à Mesa Diretora pedido de suporte a uma moção de apoio à aprovação projeto do Senado.

“O TCU perguntou qual o interesse público para tomar essa iniciativa? Qual o argumento para se desfazer da única empresa fabricante de semicondutores do Brasil? Quem ganha com isso? Não há interesse público para tomar essa iniciativa contra a Ceitec”, afirmou o ex-vice-governador gaúcho Miguel Rossetto, ex-ministro e um dos coordenadores da campanha de eleição de Lula no Rio Grande do Sul.

Importância do Ceitec

O Ceitec foi criado por decreto presidencial e instalado em Porto Alegre em 2008. Atua na área de semicondutores, projetando e produzindo circuitos integrados e tags de identificação por radiofrequência (RFID). Sua fábrica é capaz de fazer dispositivos eletrônicos, ópticos e microfluídicos (envolvendo fluidos em microescala). No final de março do 2019, a empresa foi incluída no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e, em junho de 2020, o Conselho do Programa (CPPI) encerrou estudos de avaliação e valoração da empresa.

O deputado estadual Zé Nunes (PT) afirmou que a Comissão vai produzir um documento, a partir da audiência pública, e tentar que o Parlamento do RS, em nome de todos os deputados, reafirme a importância do Ceitec e solicite ao Congresso Nacional a votação do PDL ainda este ano.

“Nós sabemos quanto países, como China e Estados Unidos, investem nesse segmento, como uma atividade estratégica. O Brasil precisa superar essa euforia de achar que a superação de desafios se dá exportando commodities. Não é só vendendo soja que vamos superar os desafios do país”, defendeu o esquerdista.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.