Governo publica raio-x das estatais

Somente em 2019, foram transferidos R$ 17,1 bilhões em subvenções para cobrir despesas das estatais; gastos com pessoal chegaram à casa dos R$ 101 bilhões

Continua depois da publicidade

Brasília – O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Ministério da Economia, estuda a viabilidade da privatização de 46 estatais sob controle direto da União. O PPI publicou um relatório inédito tornando público que somente em 2019, foram transferidos R$ 17,1 bilhões em subvenções para cobrir despesas das estatais; os gastos com pessoal chegaram à casa dos R$ 101 bilhões e o governo quer avançar no processo de privatização desse portfólio.

O Blog do Zé Dudu teve acesso ao relatório do Ministério da Economia (ME), lançado na sexta-feira (20), por meio da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, a primeira edição do Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais — espécie de raio-x das estatais. O objetivo é apresentar à sociedade uma visão abrangente dos principais elementos de governança e do desempenho das empresas, em linguagem clara e objetiva.

Com periodicidade anual, o relatório possui dados consolidados do perfil de cada empresa, além das principais informações contábeis e patrimoniais, indicadores econômicos, despesas com pessoal, benefícios de assistência à saúde e previdência complementar — até então acessíveis em bases de dados distintas. O documento permite que qualquer cidadão tenha uma visão geral do conjunto de empresas estatais federais e conheça detalhes de cada companhia.

“Esse material é um choque de transparência. Não havia nenhum relatório que consolidasse informações financeiras e de pessoal e que desse um panorama geral da realidade de cada estatal”, avalia o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados/ME, Diogo Mac Cord.

Os dados mostram, por exemplo, de que, somente em 2019, a União transferiu R$ 17,1 bilhões na forma de subvenções para cobrir despesas das 18 estatais dependentes. Sem falar nos 448 mil empregados que essas empresas possuem, representando despesa de pessoal da ordem de R$ 101 bilhões. Somente em benefícios relacionados à assistência à saúde, as estatais pagaram R$ 10 bilhões, no ano passado, compreendendo um total de 1,67 milhão de pessoas, entre funcionários, dependentes e aposentados. Os gastos com previdência complementar chegaram à casa de R$ 8,1 bilhões.

O relatório também conclui que algumas empresas chegam a pagar salários potenciais para a diretoria de até R$ 2,7 milhões por ano, consideradas as participações nos lucros e resultados. Em muitos casos, os reajustes salariais frente à inflação tiveram ganhos reais, mesmo diante da maior crise da economia brasileira.

 Já o secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Economia, Amaro Gomes, lembra que “o relatório faz parte das recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que a intenção do governo é de atender a 100% dessas exigências.”

Resistência à privatização

Como era de se esperar, a maior resistência ao plano de privatizações que está em estudo pelo governo é do corpo de funcionários dessas estatais que não querem abrir mão das “regalias” do status de servidor público federal.

A Ceitec, fabricante de chips em Porto Alegre, será a próxima estatal a ser liquidada pelo governo federal. Isso deverá começar a ser feito antes do fim de 2020. Decreto para iniciar o processo é analisado pelo Palácio do Planalto. Nos últimos três meses, foram extintas duas estatais, o que não era feito desde 2008 — por coincidência, o ano de criação da Ceitec. O secretário Especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, disse que a execução das liquidações será mais rápida do que no passado.

A extinção da estatal de tecnologia foi recomendada em junho pelo PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) do Ministério da Economia (confira aqui o documento). Mas os funcionários da empresa querem impedir o processo. Contam com apoio de congressistas, da Justiça e do TCU (Tribunal de Contas União) para mantê-la em funcionamento. O TCU acompanha o processo. Despacho da ministra Ana Arraes determina que a Acceitec (Associação de Funcionários da Ceitec) seja ouvida.

Os funcionários sugerem que em vez de ser fechada a estatal seja vendida. Mas não agora. Só em 2024 quando, esperam, dará lucro. Desde que foi criada, em 2008, a Ceitec é deficitária. Já consumiu R$ 1 bilhão dos cofres públicos em investimento e subvenções.

O argumento dos funcionários é que fechá-la agora não seria um processo isento de custos. Como é uma fábrica, teria de ser contratada uma empresa do exterior para que a linha de produção seja desmontada corretamente. Do contrário há risco de que insumos, sobretudo gases, sejam lançados incorretamente no meio ambiente.

A expectativa de custo para esse processo varia de R$ 250 milhões a R$ 300 milhões segundo Júlio Leão, porta-voz da Acceitec e engenheiro da estatal. “Mas isso é só uma estimativa. Pode chegar a bem mais do que isso”. Haverá também desembolsos com indenizações trabalhistas. A Ceitec tem 183 funcionários.

De acordo com o cenário mais otimista, na análise do próprio governo, a estatal consumirá mais R$ 50 milhões até chegar ao azul em 2023, com lucro de R$ 540 mil. Passaria para ganho de R$ 24 milhões no ano seguinte. Mas na expectativa mais pessimista continuaria com déficit de R$ 57 milhões em 2023.

Os déficits em todos os cenários são decrescentes. A estatal tem consumido menos recursos públicos a cada ano, desde 2017, quando o subsídio atingiu 75 milhões. Foi de R$ 69,8 milhões em 2018, e de R$ 66,8 milhões em 2019. Até outubro deste ano estava em R$ 47 milhões. A receita própria, já descontada desse montante, foi de R$ 9 milhões no ano passado e deve chegar a R$ 13 milhões neste ano segundo Leão. Ele disse que, mesmo no pior cenário, haverá lucro em 2028, de R$ 16 milhões.

Leão espera aumento no faturamento com a produção de kits de testes de saúde para detecção de doenças. Outro segmento que tem crescido, diz, é o de etiquetas eletrônicas, que têm grande potencial de vendas. Por conta disso, a Ceitec ficou conhecida como “A estatal do chip do boi”. Mas Leão afirma que é uma alcunha injusta, porque os brincos de identificação de bovinos representam menos de 1% do faturamento.

Sede da empresa está em terreno da Prefeitura

O maior benefício para o governo seria a interrupção dos gastos com a empresa. Mas pouco se conseguiria com a venda do patrimônio. A construção da sede da Ceitec consumiu R$ 150 milhões. Mas está em terreno da prefeitura. Foi cedido por 60 anos exclusivamente para o uso da estatal. Em caso de fechamento da empresa, terá de ser devolvido à prefeitura.

A Ceitec foi criada em 2008, no governo Lula, com o propósito de criar um conglomerado de tecnologia. A meta era algo parecido com o Vale do Silício, no Estado norte-americano da Califórnia, mas isso não aconteceu, como outras mirabolantes “visões” da era petista a frente do governo federal, como a estatal criada para o projeto do “trem bala” que ligaria São Paulo e Rio de Janeiro, consumindo uma montanha de dinheiro sem qualquer resultado. O projeto nunca saiu do papel, mas a despesas continua a ser paga com os impostos dos contribuintes.

Na defesa da continuidade da estatal, Leão afirma que a implantação da Ceitec foi um sucesso porque levou à criação de outras empresas privadas no país para atuar conjuntamente com a estatal. “Outros governos, como o de Cingapura, também investiram na produção de circuitos integrados”. Sem, no entanto, esclarecer que em Cingapura, a sinergia com o mercado é completamente da praticada em solo brasileiro.

Tags: #Economia #Privatizações #Estatais #Ministério da Economia #Governo Federal #Administração Pública


* Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília