Deputados alteram texto do Senado e aprovam Arcabouço Fiscal; confira o que vai à sanção presidencial

O novo Regime Fiscal Sustentável é um mecanismo de controle do endividamento da União que substitui o Teto de Gastos
A Câmara dos Deputados registou um alto comparecimento (quórum), na sessão da terça-feira (22/8)

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Os deputados federais aprovaram em sessão deliberativa, na noite da terça-feira (22), o novo Regime Fiscal Sustentável, conhecido como Novo Arcabouço Fiscal (PLP nº 93/2023), mecanismo de controle fiscal do endividamento da União que substitui o Teto de Gastos. A matéria vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Regime Fiscal e a Reforma Tributária são as principais apostas do mandatário para a melhoria da economia do país em seu terceiro governo.

O governo tem pressa em sancionar a matéria a tempo de permitir que o Executivo envie, na próxima semana ,a proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, já sabendo quais serão as normas a serem seguidas. Os deputados decidiram deixar as despesas do Fundo de Valorização da Educação Básica (Fundeb) e do Fundo Constitucional do Distrito Federal fora do novo arcabouço — as duas medidas foram incluídas quando a matéria tramitou no Senado —, entretanto, os deputados incluíram as despesas com ciência e tecnologia sob o guarda-chuva do arcabouço.

Os deputados analisaram apenas as modificações feitas pelos senadores no texto, sem possibilidade de incluir novas mudanças. A exclusão do Fundeb e do Fundo do Distrito Federal teve amplo apoio, aprovada por 379 votos a 64, mas a principal demanda do governo sequer chegou a ser votada, a aprovação de emenda do Senado que a autorizava incluir cerca de R$ 32 bilhões na LOA de 2024 como “despesas condicionadas”, o que evitaria a necessidade de propor cortes agora.

O que muda com o arcabouço fiscal?

O projeto do arcabouço limita o crescimento das despesas do governo federal à inflação do ano anterior mais 70% do incremento das receitas. Os deputados, contudo, mudaram a data de aferição da inflação em relação aos planos iniciais do governo, para que o cálculo seja feito com base no aumento dos preços acumulado nos 12 meses até junh

Isso, porém, criou problema para o Executivo neste ano, porque a inflação nos 12 meses até junho foi de 3,16%, mas no acumulado do ano deve ficar em torno de 5%. A emenda foi proposta pelo líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP), e foi derrubada durante a votação na Câmara.

Diante do problema, para “corrigir” a modificação, os deputados optaram em permitir que, apenas neste primeiro ano, o governo eleve as despesas para 2024 com base na inflação estimada em dezembro. No Senado, o governo conseguiu aprovar emenda para que a LOA seja enviada já com esse adicional de R$ 32 bilhões, o que exigiria cortes se a inflação em dezembro for menor do que a esperada hoje. A Câmara rejeitou essa proposta com o argumento de que, ao incluí-la no arcabouço, poderia se abrir uma brecha permanente.

Governistas defenderam que as despesas condicionadas sejam liberadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 . “O governo poderá apresentar sua proposta orçamentária com essa previsão de despesa condicionada, que nós não queríamos, mas aceitamos pela LDO”, afirmou o relator do arcabouço, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA

O Executivo enviou em agosto mensagem modificativa à LDO com essa solicitação. Segundo o relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), não haverá tempo de votar a LDO até 31 de agosto, mas que a mensagem é suficiente para dar o aval.

“O teto [de gastos] era uma desgraça para o país”, criticou o deputado federal Airton Faleiro (PT-PA), ao encaminhar a votação da matéria representando a bancada do PT na Câmara

O deputado federal Airton Faleiro (PT-PA), encaminhando a votação pela bancada do PT na Câmara, enumerou as vantagens da aprovação da matéria, criticando o modelo anterior de controle fiscal do Teto dos Gastos. “O teto [de gastos] era uma desgraça para o país”, criticou.

Com a desistência na emenda da inflação, o grande debate no plenário foi destaque apresentado pelo PDT e pelo MDB para aprovar emenda do Senado que deixava de fora das novas regras as despesas com ciência e tecnologia. A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos (PCdoB), foi pessoalmente ao plenário pedir que a proposta fosse aprovada, mas não convenceu os parlamentares. Foram 265 votos contra e 176 favoráveis. O texto era de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL), inimigo figadal de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.

O MDB também solicitou a criação do Comitê de Modernização Fiscal, para “aprimorar a governança das finanças federais e tornar as etapas de planejamento, execução e controle do ciclo orçamentário mais transparentes e eficientes para o financiamento de políticas públicas”. A emenda foi rejeitada por 270 votos a 153, numa outra demonstração de força de Lira.

Em termos gerais, a aprovação do arcabouço foi celebrada por petistas e governistas, mas o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) questionou em plenário a “sabotagem” ao arcabouço com a rejeição de matérias que serão necessárias para aumentar as receitas e permitir a expansão das despesas. A pressão do Centrão fez com que o governo desistisse, momentaneamente, da tributação de investimentos de brasileiros no exterior, que será tratada num futuro projeto de lei, como o Blog do Zé Dudu adiantou (leia aqui).

O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) questionou em plenário a “sabotagem” ao arcabouço com a rejeição de matérias que serão necessárias para aumentar as receitas e permitir a expansão das despesas

“A mensagem que estamos passando aqui é a seguinte: vamos aprovar o arcabouço, mas todo mundo vai ter a leitura de que implodiu a chance de atingirmos as metas colocadas no arcabouço fiscal. Esta é a posição do Parlamento. Só há uma saída depois dela, que é a revisão da meta do resultado primário do próximo ano. Então é muito grave! Estamos aprovando e implodindo o arcabouço ao mesmo tempo”, disse da Tribuna, um inflamado ex-cara pintada Lindbergh Farias.

A gritaria de Farias entrou por um ouvido e saiu no outro. A meta do governo é zerar o déficit primário no próximo ano, com uma margem de 0,25 pontos percentuais para mais ou para menos. Se não for cumprida, gatilhos de contenção de despesas serão ativados. Lira respondeu que o governo fechou acordo para tratar da tributação mais para frente. “A Câmara tem tido comportamento exemplar na condução das matérias importantes para o país”, afiançou.

Lira: desoneração será votada na próxima terça-feira (22/8)

Taxação de fundos exclusivos, offshores e trusts

Mais cedo, em entrevista coletiva aos jornalistas, o presidente da Câmara, Arthur Lira, confirmou o acordo para retirar da Medida Provisória (MP n° 1.171/2023) o dispositivo que trata da taxação de fundos exclusivos, offshores e trusts. Ele disse que não é contra taxar nenhum tipo de fundo, mas destacou que o Brasil precisa de planejamento para não haver perdas de recursos. Segundo Lira, é um cuidado importante para que não ocorra fuga de capital, como aconteceu na Argentina. Leia como foi os bastidores das negociações dessa matéria aqui.

“A única coisa que não interessa ao País é taxar e perder recursos. Houve um acordo para votar a proposta do salário mínimo com o compromisso do governo de mandar nova MP dos fundos e um projeto de lei tratando dos fundos offshores, para que em duas a três semanas possamos votar”, disse Lira.

O presidente voltou a defender o papel da Câmara na votação das propostas econômicas do governo que interessam ao País. Segundo ele, não há crise com o governo, mas não houve acordo para que o tema das offshores entrasse nas MPs.

Lira disse ainda que a proposta que prorroga a desoneração da folha de pagamentos para alguns setores da economia (PL 1.016/2023) será votada na próxima terça-feira (29/8). Segundo ele, será votado tanto o requerimento de urgência quanto o mérito do texto.

O presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPA), deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), e boa parte da Bancada do Pará no Congresso Nacional, independente de coloração partidária, são favoráveis que o Congresso Nacional equacione essa questão da desoneração da Folha de Pagamentos de uma forma perene, criando uma legislação que não exija a reedição de “esparadrapos” que renovem a vigência desse mecanismo que se mostrou eficiente para a geração de empregos formais no país.

O presidente da Câmara destacou ainda que os ajustes necessários estão sendo feitos para que a proposta vá para Plenário.

Alívio no mercado

O simples fato do Congresso Nacional retomar suas obrigações e retomar as votações dos projetos da agenda econômica, que são de Estado e não de Governo, aliviou na terça-feira (22/8) a escalada de prejuízos nunca antes visto na Bolsa de Valores do Brasil, que enfileirou 13 quedas consecutivas no Ibovespa, o principal índice de referência da B3, fechando em forte alta no pregão de ontem.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.