Vale e IBAMA sofrem ação civil pública no Maranhão

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O Ministério Público Federal do Maranhão moveu uma Ação Civil Pública contra a mineradora Vale e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a fim de suspender a licença das obras para duplicação da Estrada de Ferros de Carajás, nas comunidades quilombolas de Monge Belo e Santa Rosa dos pretos, localizadas em Itapecuru Mirim (MA). O diagnóstico mal conduzido pela mineradora sobre impactos em comunidades contou com a omissão do IBAMA.

Segundo o Procurador da República, Alexandre Silva Soares o motivo foi o “diagnóstico mal conduzido pela mineradora sobre os impactos nas comunidades, bem como a falta de medidas de mitigação e compensação diante das interferências que sofrerão os quilombolas, sobretudo, sociais. Sendo o IBAMA omisso ao que lhe foi apresentado”.

Laudos realizados pela Fundação Cultural Palmares e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) apontavam para a necessidade de um estudo mais complexo da Vale e do IBAMA para o licenciamento da obra.

Após análise técnica da Fundação Cultural Palmares, “constatou-se lacunas no decorrer do processo de licenciamento ambiental da Estrada de Ferro de Carajás, com insuficiência de informações acerca da existência, caracterização, levantamento de dados junto às comunidade quilombolas inseridas nas áreas de referência do empreendimento”.

Segundo estudo feito pela Antropóloga do INCRA, Fernanda Lucchesi, “evidencia-se que o modo de uso da terra pelas comunidades mencionadas vai muito além do mero aproveitamento instrumental de seus recursos, constituindo-se elemento estruturante de auto-identidade desses grupos sociais. Nesse espaço é que as comunidades desenvolvem centenariamente a sua vida, reproduzida ano a ano, com o histórico da ancestralidade negra e trajetória autônoma face à escravidão”.

Porém, Soares relata que no laudo da Vale entregue ao IBAMA, “foi tecida apenas breve menção a existência de comunidades tradicionais localizadas nas adjacências das obras de tal forma que não foram previstas ou executadas ações sociais”.

Para o Procurador da República, o estudo da mineradora ainda se limitou a “indicar meros contornos de ações compensativas as comunidades quilombolas, desconhecendo grupos étnicos que compõem a população afetada”, menciona.

A Ação Civil Pública precedida de manifestação da Vale e do IBAMA obteve resposta só da mineradora até o momento, mas não satisfatória para Soares.

“A empresa não respondeu ao que diretamente foi perguntado a ela, confirmando a inexistência de medidas sociais em prol das duas comunidades quilombolas”, define o procurador.


Interesses
O interesse da Vale em conseguir logo a licença das obras tem explicação para a chefe do departamento que trata dos assuntos de titulação de terras quilombolas do INCRA, Leidyane Aron. “A titulação da terra a torna coletiva e inalienável, por isso a pressão da Vale para os inícios da obra”.

A mineradora pleiteia 40 metros de terra de ambos os lados da atual ferrovia, para a duplicação da estrada de ferro nas duas comunidades. Por isso pressiona o INCRA para republicação do estudo antropológico do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), considerando essa metragem para seu uso.

“Ambas as comunidades lutam para que suas terras sejam tituladas como terras quilombolas, já que os moradores são reconhecidos como remanescentes. No entanto, o processo de titulação sofre impugnação administrativa pela Vale na justiça, sendo um dos entraves para titulação das terras para essas famílias”, explica Aron.

A reunião
Na tarde do dia 17 de agosto, o Procurador da República Alexandre Soares, junto à defensoria pública, recebeu no prédio do Ministério Público Federal, em São Luis (MA), cerca de quinze representantes das comunidades de Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo.

No encontro, os quilombolas manifestaram descontentamento sobre uma reunião, ocorrida no dia 30 de julho, envolvendo ambas as comunidades com a Vale e a Fundação Cultural Palmares.

“Não estamos de acordo com a ata que foi feita sobre a reunião, pois tem coisas que não foram ditas e estão escritas nessa ata”, diz Raimundo Nonato dos Santos.

Jacqueline Pires Belfort, quilombola, estranhou a preparação da reunião: “tinha banheiros químicos, serviram comida para a comunidade, levaram ventiladores, computadores foram instalados para a impressão da ata…”.

Para a irmã Sandra, membro da rede Justiça nos Trilhos, que esteve na reunião, “parecia algo preparado e premeditado para que a comunidade fosse convencida sobre as obras com o mínimo de contrapartida da Vale”.

Os quilombolas ainda relataram que o teor da ata, produzida pela Fundação Cultural Palmares, era projetada em data show enquanto era elaborada, porém após a conclusão o documento não foi lido por inteiro nem propiciada oportunidade de alteração ou anuência da comunidade, sendo apenas distribuída em cópia ao final.

“A Vale interviu na elaboração da ata com sugestões acatadas, oportunidade não concedida a nós”, diz indignado o membro das comunidades Raimundo da Conceição.

Outro ponto tocado pelos quilombolas é que a ata da reunião continha concordância definitiva da comunidade, cedendo os 40 metros para a mineradora. “Mas nós não assinamos a ata, assinamos apenas a lista de presença passada no começo da reunião”, afirma Santos.

Para o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis, que esteve na reunião do dia 30 de julho nas comunidades, “a ata da reunião foi lida inteiramente e todas as pessoas que estavam na reunião tiveram todas as oportunidades de tirar dúvidas, questionar, corrigir o texto e oferecer acréscimos. Em todos os momentos a comunidade foi instada a falar e solicitar esclarecimentos”.

E rechaçou que a ata seja um documento final sobre a situação, “o nosso parecer só será elaborado e enviado ao IBAMA quando essa etapa estiver totalmente concluída. Inclusive na audiência explicamos o nosso objetivo, compromisso e responsabilidade institucional com a proteção do patrimônio cultural das comunidades quilombolas do Brasil”.

O procurador Alexandre Soares não descarta a hipótese de instaurar um inquérito policial para averiguar se a ata foi realmente forjada.

Duplicação dos problemas
Enquanto muito se fala sobre os possíveis impactos gerados pela duplicação da Estrada de Ferro de Carajás, o advogado Danilo Chammas, da rede Justiça nos Trilhos ressalta: “a Vale ainda nem mitigou o problema da implantação da primeira ferrovia”.

O representante da comunidade de Monge Belo, Santos, concorda, “O que pedimos para a Vale hoje não é nada sobre a duplicação, mas o que ela já destruiu em trinta anos na nossa comunidade”.

Entre os problemas gerados na implantação do Programa Grande Carajás às duas comunidades, Santos cita os mais nefastos: “Igarapés entupidos, o trem atrapalha o transito da comunidade para escolas, hospitais, atropelamentos constantes de pessoas e animais, mudança no modo de vida das comunidades quilombolas”.

Se estes erros ainda não foram reparados, Chammas saliente que então ocorrerá a duplicação dos problemas, “teria que rever o que essas comunidades passaram todo esse tempo e serem tomadas medidas judiciais cabíveis ao que passou e ao que está por vir”, conclui o advogado.

Por Marcio Zonta, de São Luis (MA)