Pouco mais de quinze dias se passaram desde que uma jovem de três anos de idade foi estuprada, estrangulada e brutalmente assassinada por um mentecapto na Zona Rural de Parauapebas. O psicólogo Wagner Dias Caldeira (foto), colaborador deste Blog, envia texto que nos faz refletir sobre tais atos bárbaros e nos põe a questionar, verdadeiramente, de quem é a culpa quando tais atrocidades acontecem. Acompanhe o que diz Wagner:
“Espanto e revolta são os sentimentos que nos assaltam sempre que ficamos sabendo de violências contra crianças, como a praticada contra uma menina de apenas três anos recentemente na zona rural de Parauapebas. Aqui não cabem os detalhes, mas trata-se um crime premeditado, planejado e executado com a mais pura crueldade. Tanto quanto o absurdo do crime, incomodam também as perguntas que derivam dele:
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Por que alguém faz isso?
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Qual punição essa pessoa deveria sofrer?
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Onde estavam os pais?
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Onde estava a polícia?
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Seria possível evitar tal tragédia?
A maior parte dessas perguntas, se não ficam sem respostas, têm respostas vagas e imprecisas. No entanto, são perguntas que devemos tentar responder. No caso em questão: o pai estava trabalhando e o assassino sabia disso; ele esperou a hora certa pra abordar a criança; a mãe ouviu o grito da filha mas não a achou porque no dia faltou energia; a polícia não evitou o assassinato e abuso sexual mas prendeu o assassino no mesmo dia.
Com essas perguntas mal respondidas e essas poucas respostas podemos partir pra algumas reflexões.
Imediatamente tendemos a procurar um diagnóstico para o criminoso (é do ser humano, encontrar um nome alivia o nosso ódio e nossa ansiedade). Rápido chegamos à conclusão que se trata de um caso de pedofilia (atração sexual por crianças) e sociopatia (ou psicopatia ou transtorno de personalidade antissocial, caracterizado pelo descaso pelos direitos e sentimentos de outros seres vivos). Os dois diagnósticos cabem bem às características apresentadas pelo criminoso: a frieza, a violência, a total falta de remorso na confissão do crime e o fato de ter sido cometido contra uma criança de apenas 3 anos.
Será que apenas a explicação psiquiátrica é capaz de dar conta do nosso espanto diante do trágico contido na história? A mim não. Interessa-me saber se aquela área tem rondas policiais frequentes. Queria saber também a explicação dada pela fornecedora de energia pra que, naquela noite, não houvesse luz naquela comunidade e porque esses crimes, com tanta frequência, ficam impunes.
Outro aspecto interessante é a reação aguda da sociedade diante desses crimes. Nós podemos explicar dizendo que a criança, muito mais que o adulto, é um ser indefeso e inocente e que, por esse motivo, nós ficamos chocados muito mais do que quando a violência é cometida contra um adulto.
Mas tem outra coisa. Talvez em nenhum momento da história do ocidente as crianças tenham ficado tanto tempo longe dos pais. A necessidade de trabalhar para dar conta de um consumismo cada dia mais insustentável, as longas jornadas de trabalho, os postos de emprego cada vez mais distantes da casa do trabalhador. Todos esses, e mais tantos outros motivos, contribuem pra que as crianças passem tanto tempo sozinhas ou com estranhos. Ao que me parece, esse abandono forçado, essa negligência necessária está criando um enorme sentimento de culpa que os pais tentam mitigar com presentes e com a satisfação irrestrita de todos os desejos infantis ou, por outro lado, com falta de escuta e até mesmo com a violência quando surgem as primeiras tentativas, por parte da criança, de provocar os pais a assumirem seus papéis de protetores e guias numa vida continuamente desafiadora.
A culpa pelo abandono – é apenas a minha opinião – contribui em demasia pro nosso espanto diante da violência contra crianças. O pensamento que se esconde por trás do pavor é: e se fosse meu filho? Será que estou sendo protetor o suficiente pra evitar que isso aconteça? A resposta, se você é trabalhador nos dias de hoje, via de regra é não.
Pra terminar – e também pra diminuir um pouco do mal estar causado pelos dois últimos parágrafos do meu texto – gostaria de falar de alguns posicionamento políticos que podemos tomar e que estão sempre ao nosso alcance.
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Importante pensar que as violências que podem ser cometidas contra crianças não são só as físicas e sexuais; que o trabalho infantil também é uma violência, que a negligência também é, que falta de atenção e carinho pode ter consequências catastróficas na vida de seu filho.
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Necessário também conhecer os órgãos de proteção da infância e adolescência: apoiar o trabalho do conselho tutelar e participar do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDCAP)
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Participar também da vida escolar: vida intelectual e afetiva são interdependentes. Visite a escola do seu filho, proponha, pergunte sobre seu rendimento, ponha-se à disposição.
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Cuidar da família é essencial, pra isso existem trabalhos interessantes em igrejas, existem também os Centros de Referência de Assistência Social. Alguns órgãos da saúde também ajudam em casos de alcoolismo no seio familiar. Devemos lembrar ainda dos órgãos da prefeitura que agem dentro das situações de violência, como a Centro de Referência para Mulheres e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
Ou seja, educação e proteção de crianças e adolescentes nunca devem ser atribuídas apenas aos pais ou à escola, precisa ser, antes de tudo, uma ação cidadã.”
Wagner Dias Caldeira, Psicólogo. Com contribuição de Sara Giusti.
3 comentários em “Psicólogo Wagner Caldeira: por que morrem as crianças?”
estou tão longe ,mais isto me comove muito, o bastante para não ficar sem resposta.
aguardo notícias
Está faltando amor no coração do povo, ou seja “Jesus”, pois Deus é o verdadeiro amor.Por isso é biblíco dizermos: que no fim o amor de muitos esfriaria.os pais não se preoculpam mais em ensinar seus filhos dentro dos preceitos biblíco.não tem um compromisso verdadeiro com Deus ,vivem em um mundo da normalidade .Pois é somente isso que a mídia tem divulgado.Deveriam mostrar que vivemos em um mundo de anormalidades onde o AMOR ao seu próximo não existe e precisamos resgatar este verdadeiro amor, aí sim seria tudo tão diferente o nosso futuro seria outro com toda certesa.
Muito esclarecedor e reflexivo o texto do meu colega Wagner Caldeira.
Agradeço à ele por citar a minha colaboração, que foi um tanto quanto timida – na verdade, nós conversamos sobre o tema e fomos pontuando algumas questões.
Enquanto psicóloga, uma coisa que sempre me incomoda, tanto quando vem das pessoas do meu convivio, quanto quando vem de reporteres e pessoas da mídia: “Me diga, a senhora que é psicologa, o que se passa na cabeça de um monstro desses?”
Ah, meu caro, primeiramente eu tento responder a isso com algo de cunho técnico, que, claro, não resolve o problema para meu interlocutor. Depois, já meio irritada, eu costumo dizer: “Olha, não dá pra saber. A não ser que você seja um deles”
Exageros a parte, é isso mesmo: um pedofilo, um psicopata, um sociopata e tudo o mais que existe na nosografia psiquiátrica não dão conta a questão. É algo perturbador e extremamente intríseco ao ser humano, seja que rótulo queiramos usar. E por isso mesmo, a coisa não é tão simples e não pode ser tratada de qualquer jeito pela mídia.
Aproveito aqui para reforçar a importante questão do fortalecimento de vinculos familiares e comunitários, e dos laçõs sociais que nos apoiam. Sem eles, toda a violância é possivel.
Sara Giusti