Mesmo com pedido de vista, STF forma maioria e amplia alcance de foro privilegiado

Assunto voltou a exame da Corte em julgamento de um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), suspeito de operar um esquema de “rachadinha” em seu gabinete
O ministro do STF Alexandre de Moraes participa virtualmente da sessão plenária da corte na tarde de quarta-feira, 10 de abril de 2024

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Brasília – O julgamento de um habeas corpus impetrado pela defesa do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), réu em ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por suspeita de operar um esquema de “rachadinha” (crime de concussão) quando era deputado federal, afetou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o alcance da prerrogativa de foro privilegiado. Nesta sexta-feira (12), a Corte mudou seu entendimento, formando maioria de votos para determinar a ampliação do foro privilegiado mesmo após autoridades deixarem o cargo.

A decisão permite que deputados, senadores, ministros e outras autoridades sejam investigadas pelo tribunal em crimes praticados no exercício ou que tenham relação com o cargo. O julgamento foi suspenso em seguida, devido a novo pedido de vista do ministro André Mendonça.

Ele já havia sido suspenso no final de março pelo ministro Luís Roberto Barroso, que preside a Corte Suprema, para um pedido de vista. O placar foi pausado em cinco votos favoráveis à nova tese. A retomada do caso, nesta sexta-feira, fechou a maioria, com seis votos.

Até o momento, já votaram os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Dias Toffoli, que haviam acompanhado o relator Gilmar Mendes antes do primeiro pedido de vista, e também Alexandre de Moraes, que mesmo com a suspensão antecipou seu voto para acompanhar o voto de Gilmar Mendes.

O restante dos ministros têm até o dia 19 de abril para registrarem seus votos no sistema. Ainda faltam os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Nunes Marques.

Novo entendimento

Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no julgamento, o STF decidiu que estava na hora de restringir o alcance do chamado foro por prerrogativa de função, conhecido como foro privilegiado. Desde então, inquéritos e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.

Agora, o ministro Gilmar Mendes – relator do caso – propôs que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a saída das funções. O decano do STF defendeu que, no fim do mandato, o investigado deve perder o foro se os crimes foram praticados antes de assumir o cargo ou não possuírem relação com o exercício da função.

Mesmo com a mudança em 2018, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele — de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente. Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.

Senador nega acusação

Acusado de concussão por seu ex-assessor de imprensa, o senador Zequinha Marinho nega o cometimento de crime pela prática de “rachadinha” em seu gabinete quando exercia o mandato de deputado federal. Posteriormente, o político paraense foi eleito vice-governador do Pará e depois, senador da República no pleito de 2018, com 19,74% dos votos.

A ação penal corre no Tribunal de Justiça Federal do Distrito Federal (TJDFT). A defesa diz que o processo deveria tramitar no Supremo, porque desde então Marinho exerce cargos com prerrogativa de foro. Nesse caso, a nova regra valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros.

Bolsonaro também será enquadrado

Também há o caso de Jair Bolsonaro (PL), que após deixar a presidência, em 2022, perdeu automaticamente o direito ao foro privilegiado. A mudança da prerrogativa pela Corte pode fazer com que processos contra o ex-presidente, que tramitam em instâncias inferiores, sejam julgados no STF, além de assegurar que as atuais investigações na Corte sejam questionadas por estarem na esfera errada do Judiciário. Temas como a falsificação do cartão de vacina, por exemplo, não estão relacionados ao exercício do seu mandato.

Por Val-André Mutran – de Brasília