“Jabutis” aprovados em MP criam disputa entre Embratur e entidades do Sistema S

Em tom de calamidade, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo garante: “Se não aprovarmos o projeto, não tem turista internacional no Brasil a partir do ano que vem”
Em tom de calamidade, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo garante: “Se não aprovarmos o projeto, não tem turista internacional no Brasil a partir do ano que vem”

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Brasília – Dois “jabutis”, na forma dos artigos 11 e 12 do texto da Medida Provisória nº 1.147/2023, editado no governo de Jair Bolsonaro (PL) e aprovado na semana passada pelos deputados, estão dando o que falar no Senado. Transformada em Projeto de Lei de Conversão (PLV nº 9/2023) com a inclusão dos artigos, a matéria onde está pautado para votação nesta terça-feira (9), sob clima de forte pressão das partes antagônicas interessadas na disputa milionária do valor de quase maior bilhão de reais.

O termo jabuti, quando empregado no contexto da política, é atribuído a emendas parlamentares sem ligação direta ao texto do objeto da Medida Provisória no qual foi inserido. Foi o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães (MDB-SP), o primeiro a utilizar o jargão. Segundo ele, “jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente, ou foi mão de gente”. A fala se refere aos temas que destoam do texto da proposta original contida numa medida provisória.

A foto registra o líder do governo na Câmara, e relator da MP, dep. Fed. José Guimarães (PT-CE), no momento exato em que ele defende a aprovação dos “jabutis”que ele mesmo criou

Portanto, “a mão” que colocou os jabutis no PLV nº 9/2023, tem digital, CPF, nome e sobrenome. Trata-se do líder do governo na Câmara dos Deputados e relator da MP, deputado federal José Guimarães (PT-CE), conhecido nacionalmente por outras estripulias.

Com uma base heterogênea na Câmara, a medida provisória em questão foi aprovada na sessão deliberativa do dia 25 de abril. As duas emendas inseridas por Guimarães definiram a fonte de financiamento da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), responsável pela promoção internacional do turismo no Brasil.

A emenda estabeleceu que 5% dos recursos do Serviço Social do Comércio (Sesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), entidades que compõem o Sistema S, vão compor o orçamento da agência para 2024. O valor estimado desse montante é de R$ 447 milhões. O texto seguiu para análise do Senado e deixou furiosos vários senadores ligados ao comércio e à indústria.

A partir daí, a confusão aumentou com a reação da Confederação Nacional do Comércio (CNC), guarda-chuva do Sesc e do Senac. A entidade criou em sua página na internet um hotsite com uma mensagem que promove a adesão a um abaixo-assinado contra a destinação de recursos Sesc e do Senac para a agência.

Até o Senado Verifica – serviço da Secretaria de Comunicação Social destinado à checagem da veracidade de informações sobre o Senado Federal para o combate a fake news – foi acionado e carimbou o conteúdo do hotsite da CNC como impreciso.

Publicado desde o início do mês nas redes sociais, o post pede mobilização para “sensibilizar o Senado para não aprovar o corte de 5% do projeto de lei que pode fechar mais de 100 unidades do Sesc e do Senac em todo o país”. Essa informação é imprecisa, pois não esclarece que o envio de verbas para a Embratur está previsto no texto alterado durante a votação da Medida Provisória (MP) 1.147/2022 na Câmara dos Deputados e pode levar ao entendimento de que um novo projeto de lei foi apresentado com a finalidade de fazer cortes e fechar unidades dos dois serviços, proposta que não existe.

MP 1.147/2022

A MP 1.147/2022 altera a Lei nº 14.148, de 2021, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e reduz a 0% as alíquotas da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) incidentes sobre as receitas decorrentes da atividade de transporte aéreo regular de passageiros entre 1º de janeiro de 2023 e 31 de dezembro de 2026.

Durante a análise na Câmara, o relator inseriu os dois artigos polêmicos, entre outros, que estabelecem a transferência de recursos para custeio da Embratur e promoção do turismo internacional no Brasil.

O texto aprovado pelos deputados ainda será votado pelo Senado. Isso acontece com toda medida provisória que sofre alteração: a Casa revisora (Senado ou Câmara, dependendo de quem fez a mudança) vota o que foi alterado pela outra Casa.

A inclusão dos artigos tem gerado discordância no Senado. Já foram apresentados nove requerimentos para que os dispositivos sejam desconsiderados. Senadores alegam que o assunto é diferente do originalmente tratado na MP – a redução de alíquotas da Contribuição para PIS e Pasep e da Cofins para auxiliar a retomada do setor de eventos e a atividade do transporte aéreo regular de passageiros.

O prazo para análise da medida termina em 30 de maio. Se não for votada até lá, perde a validade.

Esclarecimento

Após a publicação de matéria pela Agência Senado destacando a análise do Senado Verifica, a CNC enviou nota esclarecendo que “todas as informações publicadas nos perfis das redes sociais, bem como os materiais informativos encaminhados à imprensa, apontam corretamente que são os artigos 11 e 12 do PLV 09/2023 que propõem o desvio de 5% dos recursos das duas instituições para a Embratur”.

Segundo Nota à  Imprensa da CNC, a peça gráfica (acima) foi divulgada internamente aos colaboradores do Sistema Comércio que direciona o usuário para o site do abaixo-assinado

Segundo a nota, a citação no segundo parágrafo — “sensibilizar o Senado para não aprovar o corte de 5% do projeto de lei que pode fechar mais de 100 unidades do Sesc e do Senac em todo o país” — “baseia-se em uma peça gráfica divulgada internamente aos colaboradores do Sistema Comércio que direciona o usuário para o site do abaixo-assinado, onde há todas as informações pormenorizadas e contextualizadas a respeito dos prejuízos que a aprovação dos artigos acima citados do PLV 09/2023 pode causar ao desenvolvimento dos trabalhadores brasileiros”.

A Confederação afirma ainda que “a credibilidade do Sesc e do Senac é reconhecida pela população brasileira há mais de 70 anos e este é um ativo valorizado pelas instituições e por toda a sociedade. Em nenhuma manifestação houve qualquer menção a outro projeto, existente ou não”.

Leia a íntegra da nota da CNC.

Presidente da Embratur se manifesta

O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, se manifestou oficialmente sobre a disputa. Ele disse que acompanha de perto a discussão da medida provisória que estabeleceu uma fonte de financiamento para a instituição que representa.

“Se não aprovarmos o projeto, não tem turista internacional no Brasil a partir do ano que vem,” alertou o dirigente público. E completou: “A Embratur é fundamental para a reconstrução da imagem do Brasil lá fora e para a recuperação da economia, porque o turismo gera empregos”.

Na votação no Senado, a relatora deve ser a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB). Em primeiro lugar, o político fluminense pondera que o governo anterior não poderia ter reestruturado a Embratur sem uma fonte de financiamento.

Por meio de uma medida provisória de 2019, a Embratur deixou de ser uma autarquia ligada ao Ministério do Turismo, para transformar-se na Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, com status de serviço social autônomo – o mesmo das entidades do Sistema S.

A proposta de 2019 estabelecia que 15,75% das alíquotas das contribuições sociais pagas ao Sistema S seriam destinadas à agência. O valor estimado era de R$ 680 milhões, mas o dispositivo foi excluído da votação final da matéria, e o órgão ficou sem orçamento. Atualmente, a entidade é financiada por um contrato com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

O projeto atual de financiar a Embratur com recursos do Sesc e Senac tem respaldo, segundo Freixo, em um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre o setor de turismo. Segundo o documento, a arrecadação de cerca de R$ 20 bilhões anuais do Sistema S viabilizaria esse financiamento.

Ele esclarece que a opção por Sesc e Senac como fontes de recursos justifica-se porque ambas as entidades são ligadas ao comércio, segmento que lucra com a expansão do turismo. Segundo o mesmo estudo da FGV, cada R$ 1 aplicado no setor de turismo reverte-se em R$ 20 para o comércio.

Contudo, enfrenta-se a resistência de ambos as entidades, que alegam que a retirada de 5% de seu orçamento pode levar ao fechamento de mais de cem unidades em todo o país e que o turismo não pode ser bancado com recursos dos trabalhadores do comércio, como quer o governo do presidente Lula.

Freixo rebate: “Não é verdade que haverá fechamento de unidades do Sesc e do Senac, ou de bares e restaurantes, isso é fake news”. Ele argumenta que o turismo aquece o comércio, e com o crescimento do setor, mais gente vai comer em restaurantes e hospedar-se em hotéis. Lembra que no primeiro trimestre deste ano os turistas estrangeiros gastaram R$ 8,6 bilhões no país.

O presidente da Embratur também invoca dados do portal de transparência do Sistema S que sugerem que não haveria comprometimento de recursos das entidades. Os números revelam que, em 2022, Sesc e Senac juntos acumularam sobras orçamentárias de R$ 1,8 bilhão.

“Eu estou pedindo R$ 447 milhões, é menos que a sobra deles,” alegou. Ele citou Portugal como exemplo de como seu pleito seria razoável, uma vez que o país é do tamanho da cidade do Rio de Janeiro (com 10 milhões de habitantes), mas investe 250 milhões de euros no turismo.

“O Brasil é um país de dimensões continentais, com atrativos que vão desde o Natal em Gramado até a Amazônia,” observou. E completou: “O custo para promover esses destinos é mais elevado, e enquanto nosso orçamento será em real, nossos investimentos serão em dólar ou em euro”.

Por fim, Freixo argumenta que o Brasil deve sediar concorridos eventos internacionais nos próximos anos, como a COP30 em Belém, em 2025, e a Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2027. Para atrair turistas para esses eventos, será preciso investir em promoção, defendeu, e, antes de tudo, garantir recursos para a Embratur.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.