Programa de inclusão de energia elétrica de Lula e Bolsonaro apresentam dificuldades de implantação

Projetos criados para universalizar a energia elétrica em regiões isoladas da Amazônia diferem nos custos e na efetividade
Lancha de pequeno porte transporta placas solares fotovoltaicas até a casa de uma família ribeirinha no Arquipélago do Marajó, como parte do programa Mais Luz para a Amazônia

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Brasília – Nem Lula (PT) nem Bolsonaro (PL). O desafio de levar energia elétrica para povos ribeirinhos e comunidades isoladas na Amazônia são radicalmente diferentes, mas as duas propostas de governo dos líderes de intenções de votos nas pesquisas são superados por uma Organização Não Governamental (ONG) que vai muito além de apenas tirar do escuro uma população esquecida pelos governos.

Em duas reportagens especiais, o Blog do Zé Dudu revela que o projeto do candidato do PT é uma volta ao passado, ao prometer que o extinto, caro e de pouca efetividade Programa “Luz Para Todos”, será reativado caso o petista seja sagrado o vencedor das eleições desse ano.

O desalento não é diferente quando o atual presidente, Jair Bolsonaro, insiste com a continuidade do Programa “Mais Luz para a Amazônia”, que teve o prazo ampliado de 2026 para 2030 e não consegue engrenar no país.

Correndo por fora, uma ONG com atuação global, a Litro de Luz, prova que bons projetos podem ser executados sem maiores problemas para “tirar das trevas” brasileiros que vivem na escuridão na maior floresta tropical do mundo.

Luz para Todos

No último ciclo de implantação do programa defendido pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o Tribunal de Contas da União (TCU) informou que constatou falhas na execução do programa “Luz para Todos”, que tem como meta realizar mais de 60 mil ligações domiciliares em obras de eletrificação rural e compreende o montante de cerca de R$ 435 milhões. Os problemas mais encontrados durante as fiscalizações foram a inadequação ou inexistência de critérios de aceitabilidade de preços unitários, possibilidade de execução de serviços em quantidade e em locais divergentes dos previstos em edital e existência de atrasos na execução das obras.

O órgão de controle externo do governo federal e auxilia o Congresso Nacional na missão de acompanhar a execução orçamentária e financeira do país realizou auditorias em 120 municípios nos estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima. Segundo o tribunal, praticamente todas as obras auditadas estavam atrasadas em relação ao previsto. As principais causas dos atrasos seriam a dificuldade de acesso aos locais de trabalho, escassez de material e mão de obra insuficiente. Essas dificuldades de execução foram motivo de sucessivas prorrogações do programa “Luz para todos”, que tinha como meta inicial a universalização do atendimento de energia elétrica no meio rural até 2009, e foi estendido até 2014.

A fiscalização na Eletrobras Distribuição Piauí S.A., por exemplo, apontou a existência de atrasos nas obras e serviços, a perda potencial ou efetiva de serviços realizados, paralelamente a não execução de serviços essenciais à integridade da obra, além da ausência de termo aditivo para formalizar alterações das condições inicialmente pactuadas.

Após a auditoria, o tribunal determinou à companhia, entre outras medidas, que elabore estudo com a finalidade de identificar as causas das falhas nos dispositivos de proteção, como em chaves fusíveis e para-raios danificados, e encaminhe ao TCU os laudos, as conclusões e o plano de ação proposto para minimizar as falhas evidenciadas.

Em outro caso, os serviços prestados pela empresa contratada pela Amazonas Distribuidora de Energia S/A também foram avaliados pelo tribunal, que apontou a não comprovação da execução dos serviços contratados, fuga à licitação por meio de inclusão de objeto estranho ao licitado e projeto executivo sem aprovação pela autoridade competente. O contrato, que ultrapassou o valor de R$ 20,5 milhões, diz respeito às obras de eletrificação em seis municípios do Amazonas.

Em outra auditoria, o TCU fiscalizou o contrato entre a Eletrobras Distribuição Rondônia e a empresa instaladora por essa contratada, no valor aproximado de R$ 30 milhões, referente a seis cidades de Rondônia. O tribunal constatou fiscalização inadequada da obra, relacionada à existência de pagamentos por serviços não recebidos ou feito a empresas não vinculadas à obra; a inadequação no recebimento, estocagem ou guarda de equipamentos e materiais; entre outras irregularidades.

Mesmo com fartos exemplos de irregularidades, paralisação das obras e desvio de finalidade do edital, o candidato Lula confirmou em comícios no Amazonas e no Pará, no último final de semana que o programa será reativado caso seja eleito.

Mais Luz para a Amazônia

O Programa Mais Luz para a Amazônia (MLA), concebido pelo Ministério das Minas e Energia do atual governo, foi criado com o objetivo de promover o acesso à energia elétrica para a população brasileira localizada nas regiões remotas dos estados da Amazônia Legal, visando o desenvolvimento social e econômico destas comunidades.

Na intenção de metas, o programa diz que também possibilita o fomento de atividades voltadas para o aumento da renda familiar e pelo uso sustentável dos recursos naturais da região, primando pela integração de ações das várias esferas de Governo e consequente promoção da cidadania e da dignidade daquela população.

O Brasil ainda tem um milhão de pessoas desconectadas da rede de transmissão de energia elétrica. Para esse grupo, o governo federal lançou o “Mais Luz para a Amazônia”, programa que busca atender moradores de áreas isoladas nos estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

A geração precisa ser de fontes limpas — solar, eólica, hídrica ou biomassa. No entanto, é a fotovoltaica a que mais avança. O trabalho de implantação dos módulos de geração de energia cabe à distribuidora local.

Dentro do programa, a Equatorial Pará tem a meta mais ambiciosa: atender 154 mil em todo o estado. No arquipélago do Marajó, o seu desafio é dobrado. A população local é essencialmente ribeirinha. Assim, além de superar a dispersão geográfica das pessoas em grandes áreas, um desafio comum em toda a Amazônia Legal, o trabalho demanda ainda percorrer longas distâncias fluviais.

Apesar de haver vilas e algumas cidades, o normal na região é encontrar uma casinha aqui e outra ali, na beira de rios, riachos e igarapés espalhados pela região alagadiça.

No Marajó, inicialmente, estavam previstos 9.000 sistemas, sendo que 7.000 já foram instalados. Mas novas negociações ampliaram o compromisso para a instalação de um total de 25,4 mil sistemas em Breves, Portel, Oeiras do Pará, Curralinho, Melgaço e Bagre.

Gráfico. Divulgação

Os seis municípios somam 53,6 mil km2, uma área equivalente ao estado do Rio Grande do Norte, que precisa ser percorrida de barco.

A CGB Engenharia, de Pernambuco, prestador de serviço responsável pela instalação, criou uma força-tarefa flutuante com cerca de 200 trabalhadores embarcados.

Na linha de frente, seguem uma balsa, dois barcos, com alojamentos e refeitórios, e mais 20 lanchas. Esse grupo reúne os 120 profissionais responsáveis pelas estruturas metálicas que sustentam os equipamentos fotovoltaicos ao lado de cada casa. A balsa é uma mini-indústria, com estoques e linha de montagem.

Alguns quilômetros atrás, segue uma segunda balsa, que transporta as placas, as baterias e os demais insumos eletroeletrônicos, além de outro conjunto com 12 lanchas. Essa equipe, com 95 funcionários, é responsável pela parte elétrica do sistema, inclusive instalar toda a fiação na casa do consumidor.

Estão previstos alguns sistemas maiores, em escolas, por exemplo. Porém, a maior parte do trabalho é dedicada à montagem do chamado Sigfi (Sistema Individual de Geração de Energia Elétrica com Fonte Intermitente). Esse kit conta com placa fotovoltaica, inversor e baterias para armazenar a energia que será usada à noite.

Gráfico. Divulgação

Os módulos têm capacidade de 50 kWh (kilowatts-hora), o que permite ligar, por exemplo, três lâmpadas, uma TV, uma antena parabólica, uma geladeira e um ventilador.

“Contei os dias para essa placa chegar aqui”, diz Ocilene Costa Cavalcanti, 23. Ela cresceu em Belém e se mudou para o interior de Melgaço quando se casou com um morador local, Joelsio Oliveira da Cruz, 27.

Ela conta que gosta do sossego do lugar. Mostra os pés de açaí que plantou. Lembra com alegria que caçava — paca, tatu, veado — até o nascimento do filho, hoje com um ano. Mas fala que nunca se acostumou com a falta de energia.

“É muito difícil viver no escuro e sem uma geladeira”, afirma. “Se caçar, mesmo salgando, a carne não dura muito. Se bater um açaí, precisa comer hoje, porque amanhã vai estar azedo”, reclama.

Ocilene Costa Cavalcanti, 23, observa lâmpada recém-instalada em sua casa; meta agora é comprar uma geladeira

Os ribeirinhos de Marajó estão entre as comunidades mais pobres do país. Os 17 municípios do arquipélago estão entre os que apresentam os piores indicadores socioeconômicos, sendo que Melgaço tem o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil. O indicador está na faixa de 0,4, o mesmo de países como a Etiópia, na África, numa escala em que 1 é o topo do ranking.

Dificuldades

As dificuldades de levar um projeto de inclusão à energia elétrica na região da Amazônia não é tarefa simples. As dificuldades parecem ser intransponíveis. As equipes técnicas do Ministério das Minas e Energia dividiram essas dificuldades em etapas a serem superadas, o que não é fácil.

Por exemplo, as famílias beneficiadas com o “Mais Luz para a Amazônia” contam com o Auxílio Brasil para pagar a futura conta de energia que chegará com o novo sistema solar. Isso pode transformar a alegria num transtorno financeiro.

Para ter direito à tarifa social, ou seja, desconto na conta, os consumidores em geral, não apenas no Mais Luz para a Amazônia, devem estar inscritos no CadÚnico (Cadastro Único) ou no BPC (Benefício de Prestação Continuada).

A tarifa na Equatorial para o “Mais Luz para a Amazônia” é de R$ 44,88. Quem se enquadra na regra da tarifa social paga R$ 18,25.

O casal Lidiane de Lima Gomes, 25, e Edevaldo da Silva Costas, 38, já recebeu o sistema na sua casa, que tem apenas um cômodo, à beira do rio, a cerca de uma hora de barco da cidade de Breves. Como não estão em nenhum programa, não têm direito à tarifa social.

Eles têm cinco filhos. O mais velho está com sete anos; o caçula, com sete meses. A família planta mandioca e vende a farinha e renda da família oscila.

Vencida a distância e feita a instalação, vem o outro desafio para a distribuidora, a manutenção dos sistemas e a entrega da conta de luz.

A cada quatro meses, uma nova equipe da CGB Engenharia retorna ao lugar onde foi feita uma instalação. No local, monitora o equipamento e entrega um conjunto de contas de luz, que devem ser pagas nos quatro meses seguintes, até a chegada do novo lote. É preciso que haja alguém em casa para recepcionar a equipe.

A gerente da área de geração da Equatorial Pará, Giorgiana Pinheiro, afirma que a empresa está monitorando diferentes questões nesta fase inicial no Marajó. A distribuidora já promoveu, por exemplo, mutirões para incluir novos consumidores no CadÚnico ou no BPC. A inadimplência ainda é alta, mas não há corte do fornecimento — e ela diz acreditar que o pagamento vai se regularizar com o tempo.

“Como distribuidora, nós levamos a energia, mas a minha percepção pessoal é que, em paralelo, seria importante haver uma integração do Mais Luz para a Amazônia com uma política social mais ampla, que pudesse ajudar essas comunidades a se organizar para obter renda a partir desse acesso à energia.”

Na próxima reportagem, confira a solução da ONG Litro de Luz para o problema da falta de energia elétrica nos estados da Amazônia Legal.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.