Prefeitura de Curionópolis é única do Pará a apresentar retração na receita

Blog alertou várias vezes para fato de que as contas do município não iriam fechar caso medidas fiscais dolorosas não fossem tomadas. Não deu outra: prefeitura fechou com rombo de mais de R$ 7 milhões no 4º bimestre e folha está a poucos pontos de furar teto da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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O empobrecimento de Curionópolis chegou, quem diria, à prefeitura local. E, ao que parece, chegou para ficar. Palco do garimpo mais famoso do mundo (Serra Pelada) e que chegou a ser o lugar mais pobre do Brasil com o fim do ciclo do ouro, Curionópolis conseguiu se reinventar financeiramente a partir de 2017, com a operação da mina Serra Leste, de onde a empresa multinacional Vale andava extraindo minério de ferro.

Rapidamente, Curionópolis avançou de uma receita líquida na casa de R$ 50 milhões em 2016 para aproximadamente R$ 100 milhões em 2019. Mas tudo mudou, inesperadamente, quando a Vale suspendeu as operações na mina de Serra Leste por não obter licenças para expandir a produção. E de tão viciada nos recursos da mineração, bastou que eles desaparecessem da conta para que a prefeitura entrasse em recessão técnica.

Na prestação de contas que encaminhou à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) há duas semanas, a Prefeitura de Curionópolis reportou receita corrente líquida, para o período de 12 meses corridos, de R$ 84,995 milhões, bem menos que os R$ 92,78 milhões registrados no mesmo período do ano passado. A queda é de 8,39%.

As informações levantadas com exclusividade pelo Blog do Zé Dudu revelam, também, que a Prefeitura de Curionópolis continua sendo a única do Pará, entre as 144, a apresentar retração na arrecadação. Mesmo com a pandemia de coronavírus, as demais prefeituras do estado conseguiram melhorar o faturamento em relação a 2019. Porém, Curionópolis ainda não encontrou o caminho — e está longe disso.

A tábua de salvação, o projeto Serra Leste, só deve voltar a funcionar em 2021. Todavia, até que isso aconteça, Curionópolis certamente enfrentará sérios problemas fiscais. O Blog apurou que a receita efetiva para os primeiros oito meses consolidados de 2020 foi de R$ 51,207 milhões, enquanto no mesmo período do ano passado foi de R$ 63,962 milhões. Nesse confronto direto, a retração nas receitas foi ainda maior: 24,9%.

Folha descontrolada e rombo

O pior ainda está por vir. Sem se ater ao fato de que a receita se manteria num patamar preocupante este ano, a Prefeitura de Curionópolis planejou o orçamento jogando a estimativa de arrecadação lá em cima — achou que fosse faturar R$ 120,6 milhões em 2020, sendo R$ 33 milhões em royalties de mineração. Sem o Serra Leste ativo, os royalties não vieram a contento, de maneira que até outubro deste ano o máximo que a administração local conseguiu ajuntar foi a quantia de R$ 2,271 milhões até setembro, praticamente decorrente da exploração de minério de cobre pela empresa Avanco.

A prefeitura seguiu gastando muito, enquanto a receita caía vertiginosamente, e as consequências não tardaram em aparecer. No 4º bimestre deste ano, as contas fecharam com rombo fiscal de R$ 7,304 milhões, em decorrência de despesas maiores que receitas. O rombo nas contas é o sinal mais claro do estado de desorganização das coisas de uma administração.

Não bastasse isso, Curionópolis está a um triz de atropelar o teto de gastos com o funcionalismo. A mesma prefeitura que apresentou um dos menores percentuais de gastos do Pará (comprometia 39,99% da receita líquida com pessoal) no 1º quadrimestre de 2017, hoje agoniza sufocando-se com 50,99% da receita comprometidos com a folha de pagamento, que vai disparar até o final do ano, por conta do pagamento do 13º salário e rescisões de contratos temporários.

Dependência e descontrole

No final de 2019, o Blog do Zé Dudu havia previsto tudo isso, diante da paralisação de Serra Leste. E a reportagem com a advertência sobre a falta de dinheiro — que se concretizou — muito certamente chegou ao conhecimento do atual gestor, Adonei Aguiar. Com dinheiro em falta, a Prefeitura de Curionópolis tornou-se uma grande bomba fiscal que aguarda a misericórdia da Vale.

O exemplo de dependência extrema de uma atividade muito vulnerável a adversidades e intempéries políticas, econômicas e ambientais, como é a mineração, serve também a Parauapebas e a Canaã dos Carajás, onde o grau de dependência é ainda maior e mais grave. Numa hipótese terrível de a Vale parar por um ano na Serra Norte de Carajás, a Prefeitura de Parauapebas perde algo em torno de R$ 1,3 bilhão (em royalties, impostos e taxas) de sua atual receita bruta de R$ 1,8 bilhão.

No caso de Curionópolis, que no momento é crítico, 2021 também não será fácil. Mesmo que os royalties retornem por meio da Serra Leste, o município já começará o ano perdendo uma fatia importante do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que captará no ano que vem os efeitos da suspensão do projeto da Vale. Seja quem for que assumir Curionópolis a partir do ano que vem, os desafios para equilibrar as finanças será gigantesco. Controlar a folha de pagamento e reverter o rombo fiscal em lucro são as medidas mais urgentes para sair da mira da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Curionópolis ressuscitou em 2020 tudo o que já passou de pior e o ano fiscal dificilmente acabará em 31 de dezembro.

FICHA DE CURIONÓPOLIS

  • Receita líquida (set/2019 a ago/2020): R$ 84.994.646,35
  • Receita líquida (set/2018 a ago/2019): R$ 92.779.585,34
  • Perda de receita líquida (2019/2020): -R$ 7.784.938,99
  • Retração: -8,39%
  • Resultado primário: -R$ 7.304.266,05 (rombo fiscal)
  • Despesa total com pessoal: R$ 42.844.649,13
  • Receita comprometida com pessoal: 50,99%