PF prende em flagrante deputado que ofendeu ministros do STF

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) é reincidente e um dos investigados no inquérito das fake news
Deputado foi alvo de busca e apreensão no ano passado

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Brasília – Cumprindo determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) prendeu em flagrante, na noite da terça-feira (16), em sua casa em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), após o parlamentar publicar em suas redes sociais um vídeo no qual proferia ataques e ofensas aos ministros da corte e defendendo a volta do AI-5, o que é inconstitucional.

O deputado é um dos investigados no inquérito dos atos antidemocráticos, que apura a organização e realização de manifestações com ataques ao Legislativo e ao Judiciário, e também no inquérito das fake news, que apura ataques aos ministros da corte.

No vídeo o parlamentar fluminense narrou, em tempo real, a sua própria prisão: “Polícia federal na minha casa neste exato momento com ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes.”

A prisão ocorreu por flagrante delito por crime inafiançável e foi determinada de ofício pelo ministro dentro do inquérito das fake news — ou seja, sem pedido da PF ou da Procuradoria-Geral da República (PGR).

No documento onde expediu a ordem de prisão, o ministro Alexandre de Moraes escreveu: “As condutas criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos”, escreveu Moraes na decisão.

No vídeo o deputado faz apologia a agressões físicas contra os ministros e defendeu a “destituição” deles sem o devido processo legal. Segundo a Constituição, a abertura de um processo de impeachment de um ministro de Corte Superior só pode ser iniciada na outra Casa: o Senado Federal.

O ministro classificou como “gravíssimas” as declarações do deputado. “Não só atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito”, escreveu. Moraes também determinou que a plataforma YouTube bloqueie imediatamente o vídeo publicado pelo deputado.

Na decisão, Moraes descreve que as condutas do parlamentar podem configurar crimes contra a honra do Poder Judiciário e outros crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, como “tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União” ou “fazer em público propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”, subvertendo a ordem democrática.

Nos bastidores do Supremo, o clima era de revolta com as declarações do parlamentar. Por isso, o ministro Alexandre de Moraes agiu para dar uma rápida resposta ao caso.

Discurso de ódio

Um dos trechos mais agressivos do vídeo publicado pelo parlamentar é quando ele diz que gostaria de ver ministros da corte “na rua levando uma surra.”

Disse o deputado: “Por várias e várias vezes já te imaginei (Fachin) levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você, na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”, afirmou Silveira.

O parlamentar já havia sido alvo de quebras de sigilo bancário e de busca e apreensão neste mesmo inquérito. Ele gravou o vídeo para sair em defesa do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército.

Villas Bôas fez uma manifestação nas redes sociais em 2018 antes do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula no STF citando que o Exército tinha “repúdio à impunidade”, o que foi visto como uma pressão nos ministros. Em um livro recém-lançado, o ex-comandante relatou que a manifestação foi discutida com o Alto Comando do Exército antes de ser publicada naquela ocasião. Em nota divulgada ontem, Fachin classificou a manifestação de Villas Bôas de “intolerável e inaceitável” pressão das Forças Armadas no Judiciário. Daniel Silveira, no vídeo, provoca Fachin a “prender” o general.

“Vá lá, prende o Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende o Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas. Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças”, disse em um dos trechos.

No vídeo, o parlamentar faz ataques nominais aos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes. Chega a fazer elogios ao presidente Luiz Fux, dizendo que respeita seu conhecimento jurídico, mas o inclui nas críticas genéricas que fez sobre os onze ministros.

“Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas Bôas rapidão, só pra gente ver um negocinho. Se tu não tem coragem (sic), porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso que não tem mesmo. Na verdade, ele gosta do culhão roxo. Gilmar Mendes… Barroso, o que é que ele gosta: culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes… (faz gesto esfregando os dedos para simbolizar dinheiro) é isso que tu gosta né Gilmarzão? A gente sabe”, disse.

O deputado também mencionou o AI-5, o Ato Institucional mais duro instituído pela repressão militar nos anos de chumbo, em 13 de dezembro de 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus, e instalou a censura nos meios de comunicação. A partir da medida, a repressão do regime militar recrudesceu.

“O AI-5, que é o mais duro de todos como vocês insistem em dizer, aquele que cassou três ministros da Suprema Corte, você lembra? Cassou senadores, deputados federais, estaduais… foi uma depuração. com um recadinho muito claro: se fizer besteirinha, a gente volta”, afirmou Silveira.

STF julgará prisão

O plenário do STF deve julgar nesta quarta-feira (17) a prisão de Daniel Silveira. Os ministros do Supremo entendem que a Câmara dos Deputados não pode deixar o episódio passar em branco. A tendência é que a prisão de Silveira seja referendada pela maioria da Corte, após o parlamentar atacar praticamente todos os ministros em vídeo — exceto o presidente, Luiz Fux.

Manifestações

A procuradora da República Thaméa Danelon fez três postagens em sua conta no Twitter sobre o episódio.

No primeiro post a procuradora escreveu: “Os parlamentares só podem ser presos em duas situações: para cumprir condenação criminal transitada em julgado ou em flagrante de crime inafiançável (como ocorreu, por ex., com o ex Senador Delcidio do Amaral).”

Danelon prossegue dizendo que: “Por outro lado, os membros do Congresso Nacional têm imunidade parlamentar por suas opiniões, palavras e votos.”

Concluiu as postagens lembrando que: “Por outro lado, os membros do Congresso Nacional têm imunidade parlamentar por suas opiniões, palavras e votos.”

Arhur Lira se manifesta

Conforme previsto na Constituição, em caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, o processo deverá ser enviado dentro de 24 horas para a Câmara, a quem caberá resolver sobre a detenção do deputado. Logo depois de assinar a decisão, Moraes entrou em contato com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por telefone.

O presidente da Câmara dos Deputados se manifestou: “Como sempre disse e acredito, a Câmara não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”, escreveu o presidente da Câmara em seu perfil no Twitter.

“Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia. Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento”, acrescentou o presidente da Câmara.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.