Especialistas dizem em audiência que gestantes ainda não devem voltar ao trabalho

Obstetras e membros da Justiça do Trabalho advertiram para os riscos em audiência na Câmara dos Deputados
Retorno ao trabalho das gestantes que concluíram o ciclo das vacinas. Secretária Nacional de Políticas para Mulheres Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Cristiane Britto

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Brasília – A conclusão a que chegou a audiência pública virtual nesta terça-feira (13), promovida pela Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 da Câmara dos Deputados, que ouviu representantes da obstetrícia, da Justiça do Trabalho e do Ministério da Saúde, adverte que gestantes já imunizadas com as duas doses da vacina contra a Covid-19 não devem voltar agora ao trabalho presencial.

Eles admitiram as pressões dos empregadores e das próprias gestantes para a retomada do trabalho presencial, mas recomendaram cautela e meios de transferir os atuais encargos financeiros dos patrões para a Previdência Social.

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) mostrou dados internacionais do elevado índice de mortalidade por Covid entre gestantes e mães de recém-nascidos (puérperas). Representante da Federação, a obstetra Rosiane Mattar lembrou que um período de dez meses, entre o segundo trimestre da gravidez e o puerpério, registra as maiores porcentagens de óbitos maternos por Covid-19. De acordo com a médica, a atual cobertura vacinal do Brasil ainda não é segura para a volta do trabalho presencial das gestantes.

“Nós consideramos que não há possibilidade de elas voltarem ainda porque os trabalhos em comunidades fechadas, em outros países, têm mostrado que a doença só fica controlada quando mais de 50% da população está vacinada. Então, [enquanto isso não acontece] ela vai continuar tendo risco [da doença] e continuar tendo a possibilidade de espalhar mais o vírus,” explicou.

Rosiane Mattar preocupa-se também com a atual situação instável das gestantes adolescentes, ainda sem qualquer dose de vacina, e das grávidas que chegaram a receber uma dose de AstraZeneca, e agora aguardam o posicionamento de seus estados quanto à segunda dose ou à intercambialidade com doses de Pfizer ou Coronavac.

“Na verdade, temos um grupo de pessoas que não completaram a vacinação e um grupo de pessoas jovens que não iniciaram a vacinação. E, das que já começaram a vacinação, ainda tem muitas que não conseguiram tomar a segunda dose e ainda terão de esperar 14 dias depois”.

Segundo o Ministério da Saúde, houve 12.260 casos e 1.090 óbitos de gestantes e puérperas por Covid-19 desde o início da pandemia no Brasil. Só neste ano, foram 6.925 casos e 800 mortes. A maior parte das vítimas tinha entre 20 e 39 anos de idade e apresentava outras comorbidades, como hipertensão, diabetes e obesidade.

Integrante do grupo técnico de vigilância epidemiológica da Covid-19 do Ministério da Saúde, Priscila Alencar também recomendou cautela na volta do trabalho das gestantes. Na mesma linha, o presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Alexandre Agra Belmonte, alertou que “o estado de emergência se mantém até que 70% da população esteja imunizada”.

“O risco persiste e são inúmeros os casos de contaminação por Covid com graus variados de enfermidade, inclusive por quem já tomou as duas doses da vacina. Penso que juridicamente seria precoce o retorno, ainda mais acrescentando a questão do transporte coletivo ao qual muitas dessas gestantes vão experimentar,” disse.

O ministro do TST lembrou que a lei 14.151/2021, recentemente aprovada pelo Congresso e em vigor desde maio, garante à gestante o direito de ser afastada do trabalho presencial sem prejuízo da remuneração durante a pandemia. Belmonte avalia que faltou, na lei, a previsão de um benefício previdenciário para as gestantes em vez de repassar o custo apenas para o empregador. Organizadora do debate, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) admitiu a necessidade de ajustes quanto a esse item da legislação.

“Precisamos manter o afastamento enquanto não tivermos 50% ou mais da população vacinada com a D-2, ou seja, com uma boa cobertura vacinal. Se, no texto da lei, falhamos imaginando que isso seria complementado na regulamentação, precisamos agora acertar e garantir também a proteção do setor produtivo, com a Previdência Social fazendo o pagamento dos afastamentos dessas mulheres,” enfatizou.

A deputada manifestou preocupação com gestantes domésticas e que trabalham em setores de serviços e comércio que já exigem a volta ao trabalho presencial após a imunização. Zanotto pretende enviar ofício ao Ministério da Saúde e aos gestores do Plano Nacional de Imunização para que encaminhem à Câmara um posicionamento mais claro sobre o tema.

Por Val-André Mutran de Brasília