Divergência adia votação do PL das Fake News

Matéria estava na pauta do Senado, mas pela profundidade e importância da matéria, houve acordo para adiar a votação

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Brasília – Atendendo apelos de dezenas de senadores preocupados com a possibilidade de açodamento e falta de aprofundamento de uma melhor discussão da matéria, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, retirou o projeto de lei de combate às notícias falsas (PL 2.630/2020) da pauta de votação da terça-feira (23), adiando a votação da proposta para a sessão de quinta-feira (25). O projeto ainda não tem um texto final, que deverá ser apresentado na véspera pelo relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA).

Mesmo sendo considerado um dos projetos mais polêmicos da história do Parlamento, o presidente do Senador afirmou que a votação fará da quinta-feira “um dia histórico” para o Congresso Nacional e para a sociedade brasileira.

“Votaremos este projeto que vai nortear as mídias sociais, colocando um freio de arrumação nas agressões, ameaças, violências e ofensas que milhões de brasileiros sofrem nas redes. Estamos construindo uma proposta que possa conciliar a liberdade de expressão, mas, acima de tudo, preservar a integridade dos brasileiros”, garantiu o presidente.

A votação do PL 2.630 enfrenta resistência de parte dos parlamentares. Na terça-feira (23), o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) apresentou requerimento pedindo o adiamento da votação do projeto. Nas redes sociais, outros senadores apoiaram a ideia, argumentando que o tema precisa de mais discussão.

“Um projeto tão polêmico como esse, que interfere na vida de mais de 170 milhões de brasileiros, não pode deixar de ser amplamente discutido na Comissão de Constituição e Justiça [CCJ]”, defendeu o senador em uma postagem.

Tanto a versão original quanto as modificações já antecipadas pelo relator têm sido criticadas por especialistas em direitos na internet, por criarem riscos à liberdade de expressão, à privacidade dos usuários e à inclusão digital.

“Especialistas reforçam risco de perseguição política, entre outras brechas e falhas. Defendo amplo e desapaixonado debate antes da votação. Reafirmo que se for obrigado a votar o projeto nesta quinta, voto contra”, adiantou o senador Plínio Valério (PSDB-AM) que defendeu que o projeto só seja votado após o fim da pandemia de covid-19.

Apoio

Durante a sessão remota desta terça-feira, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que espera ver o projeto aprovado ainda nesta semana. Para ele, não existe conflito entre o policiamento das redes sociais contra atividades manipuladoras e a garantia da liberdade dos usuários.

“É perfeitamente possível garantirmos a liberdade de expressão e termos mecanismos para responsabilizar aqueles que utilizam robôs, realizam disparos em massa e impulsionamento. Na eventualidade de cometimento de crime, que se possa estabelecer um rastreamento e identificar os responsáveis”, acredita o líder da Bancada do PT no Senado.

O apoio ao PL 2.630 é evidenciado pelas emendas apresentadas a ele. Até a tarde desta terça-feira foram 85. Muitas propõem o endurecimento das medidas contidas no texto original.

Os senadores Rose de Freitas (Podemos-ES), Nelsinho Trad (PSD-MS), Dário Berger (MDB-SC) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), por exemplo, sugerem a exigência de que as contas em plataformas virtuais sejam lastreadas em documentação e foto dos seus titulares. Já Rogério Carvalho (PT-SE), Paulo Paim (PT-RS) e Jader Barbalho (MDB-PA) defendem a criação de canais de denúncias para a identificação e exclusão de conteúdos considerados fraudulentos. Jader, além disso, quer a inclusão do crime de “disseminação de desinformação” no Código Penal.

Nelsinho Trad propõe que os conteúdos removidos das redes sejam removidos também dos mecanismos de busca da internet. Por sua vez, Styvenson Valentim (Podemos-RN) defende a remoção não apenas do material considerado falso mas também da conta ou perfil responsável pela sua publicação.

Fabiano Contarato (Rede-ES) quer estender as regras do projeto a todas as redes sociais, e não apenas àquelas com mais de dois milhões de usuários (como prevê o texto atualmente). Contarato também propõe medidas de restrição à publicidade digital em portais identificados como distribuidores de fake news.

Conteúdo

O PL 2.630 estabelece regras para o uso e a operação de redes sociais e serviços de mensagem privada via internet, com o objetivo de combater a disseminação de conteúdos falsos e manipulados. Na sua versão original, ele determina que as plataformas excluam conteúdos a partir da intervenção de verificadores independentes (fact-checkers), que classificarão material como falso, manipulado ou desinformativo.

Esse é o ponto mais polêmico do projeto até agora. A regra é vista como uma forma de censura. O senador Reguffe (Podemos-DF), por exemplo, declara ser contra a medida.

O autor da iniciativa, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), já pediu a retirada desses pontos. Numa emenda ao projeto, ele afirmou que não vê risco às liberdades na sua redação original, mas solicita mudanças para eliminar os receios. A nova versão proposta por ele proíbe expressamente que as plataformas removam conteúdo sob a alegação de fake news. As intervenções ficariam restritas a contas e perfis considerados inautênticos e à distribuição de conteúdo em massa ou mediante pagamento.

O senador Angelo Coronel sinalizou que vai aceitar a solicitação. Por outro lado, entre os pontos do projeto que ele deve recrudescer está o cadastramento de usuários nas redes sociais e serviços de mensagens, que deverá trazer a exigência de identificação por documentação. Coronel também quer inc luir regras para o rastreamento da origem de mensagens consideradas danosas, exigindo o registro de todo o seu trajeto de compartilhamentos até a fonte original.

Defesa da proposta

Ao defender a matéria o senador Angelo Coronel disse que: “Toda liberdade de expressão tem um limite, não é liberdade para você mentir e atacar a honra das pessoas. Não quero quebrar sigilos, quero saber quem cometeu crimes. Não podemos permitir que se mantenham gangues digitais dentro das redes. Ou fechamos essas brechas ou vai ficar o dito pelo não dito”. Acrescentando que a Constituição Federal já veda o anonimato quando garante a livre manifestação.

Coronel reconhece como legítima a “resistência” das entidades ao projeto, mas pondera que existe um clamor popular para “proteger a sociedade” da desinformação e do assédio virtual. “Você não faz uma omelete sem quebrar os ovos. Tenho que fazer um relatório que atenda a expectativa de fazermos algo para combater as fake news. Não quero aliviar ou fazer um projeto paliativo que não vá surtir efeito. O povo não aguenta mais esses ataques que atentam contra a vida das pessoas”, concluiu.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.