Após nomeação na Caixa, Câmara destrava pauta econômica

Matérias estavam congeladas há semanas como tática para pressionar o Planalto. Lula acabou cedendo
O relator da matéria deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), cumprimento o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE)

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Em mais uma prova de força do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), foi só o presidente Lula entregar o controle da Caixa Econômica Federal a um afilhado indicado pelo deputado, que a pauta econômica do governo destravou. Foi aprovado, na sessão de quarta-feira (25), o projeto de lei que prevê a taxação dos fundos de alta renda, tanto os exclusivos ou dos “super-ricos” no País quanto os offshore, mantidos por brasileiros no exterior, principalmente em paraísos fiscais. Foram 323 votos a favor, 119 contra e uma abstenção. Todos os destaques (tentativas de mudança no texto-base) foram rejeitados e o texto vai agora para o Senado.

O aval dos deputados à proposta foi uma vitória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que conta com essa arrecadação de impostos para tentar zerar o déficit das contas públicas no ano que vem. A previsão inicial de arrecadação em 2024 com a taxação das offshores era de R$ 7 bilhões e com a tributação dos fundos exclusivos, de R$ 13 bilhões. A equipe econômica ainda não divulgou novas estimativas com base nas alterações feitas pelo relator.

O projeto foi aprovado após semanas de adiamentos consecutivos motivados por insatisfação política da Câmara com o governo. A expectativa inicial era de que o texto fosse votado no começo do mês, antes de uma viagem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao exterior, mas os líderes partidários decidiram esperar o retorno do deputado alagoano a Brasília.

Assim como no primeiro semestre do ano, há um clima de insatisfação dos deputados com a demora do Palácio do Planalto em liberar emendas e nomear aliados para cargos-chave na máquina pública.

A aprovação da matéria, sob a batuta de Lira, ocorreu, sem coincidência, no mesmo dia da demissão da presidente da Caixa, Rita Serrano, cargo assumido pelo indicado do presidente da Câmara, Carlos Antônio Vieira Fernandes, conforme publicado pelo Blog do Zé Dudu.

‘’Para a aprovação de outros projetos, são outros quinhentos’’, debocha um deputado ouvido pela reportagem. O Centrão ainda pede, entre outros cargos nos primeiros escalões do governo, a presidência da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que tem uma licitação alvo de auditoria no Tribunal de Contas da União (TCU), mas isso é apenas uma detalho na queda de braço pelo poder: cargos e liberação de emendas.

Substitutivo aprovado sem emendas

O Projeto de Lei n° 4.173/2023, do Poder Executivo, que prevê a tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior e a antecipação de imposto em fundos fechados no Brasil, foi aprovado na forma do substitutivo apresentado pelo relator da matéria, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que incorpora a Medida Provisória n° 1.184/2023, sobre a incidência do chamado “come-cotas” nos fundos fechados. O assunto de investimentos no exterior também já foi tema de outra MP a de n° 1.171/2023.

De acordo com o projeto, a tributação dos investimentos ocorrerá sobre rendimentos de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas no exterior (offshores) e trusts.

Depois de novas negociações, Pedro Paulo passou de 6% para 8% a alíquota na opção dada ao contribuinte de antecipar a incidência do tributo sobre rendimentos de 2023 nos fundos fechados e na atualização de bens no exterior pelo valor de mercado em 31 de dezembro de 2023.

Pedro Paulo mudou ainda regras para cotistas dos fundos de investimento imobiliário (FII) e no agronegócio (Fiagro) a fim de impedir seu uso como planejamento tributário e elisão fiscal.

O relator destacou o caráter de justiça tributária com a mudança da forma de tributação desses fundos. “A justiça tributária ocorre na medida em que vamos tornar equivalente aquele modelo de cobrança entre fundos abertos e fundos fechados e exclusivos. A arrecadação prevista para o ano que vem é da ordem de R$ 20 bilhões. O total do patrimônio líquido somente dos fundos exclusivos, de apenas uma pessoa, é da ordem de R$ 1 trilhão”, disse.

Contras x favoráveis

A favor do projeto, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) defendeu a adoção de critérios de outros países. “O Brasil está atrasado em relação aos Estados Unidos, à França, à Alemanha e a quase todos os países da Europa. Nós vamos continuar nessa inércia para privilegiar os ricaços, os trilhardários? Não”, afirmou.

Contrário ao texto, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) disse que o projeto pune aquele que atinge o sucesso e que quer investir nas oportunidades mundiais. “A tributação tira um incentivo e vai até estimular para que ele se torne cidadão de outro país”, declarou.

Também contra o texto, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) criticou a abrangência da tributação. “Esta lei já estabelece tributação para quem tiver ganhos a partir de mil dólares. Isso é tributar rico? Isso é prejudicar quem está aprendendo a investir e que percebe que o que importa é ter seu dinheiro protegido, seja no Brasil ou eventualmente no exterior. Qual é o preconceito sobre isso?”, questionou.

Já a deputada Erika Kokay (PT-DF) criticou aqueles que chamou de rentistas. “Eu escutei aqui que esses que vivem de renda e que não pagam impostos estão investindo na economia. Ora, esses rentistas não têm qualquer relação com o mundo do trabalho, são desterritorializados. Aliás, grande parte desses rentistas investe fora do Brasil”, ressaltou.

Agro e imóveis

Para os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), a isenção do imposto somente será válida para aqueles com, no mínimo, 100 cotistas. Atualmente, são 50 e o texto do governo propunha 500.A intenção é reduzir a exclusividade direcionada a aplicadores de grandes somas.A isenção não será aplicada, no entanto, ao conjunto de cotistas pessoas físicas aparentadas até o segundo grau que representem 30% ou mais do total de cotas ou mesmo que tenham cotas que lhes deem direito a 30% ou mais do total de rendimentos obtidos pelo fundo.Quanto ao mínimo de cotistas, os fundos atuais terão até 30 de junho de 2024 para fazerem a adaptação até 100 participantes para contarem com a isenção. Aqueles novos terão 180 dias, contados do aporte do primeiro cliente, para se enquadrar no mínimo.Também continuarão de fora da nova regra do come-cotas os rendimentos dos fundos de investimento obtidos por bancos, seguradoras, fundos de previdência e capitalização, corretoras de títulos e valores mobiliários e câmbio ou sociedade de arrendamento mercantil, por exemplo.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.