Agência que fiscaliza barragens de mineradoras vive situação de “indigência institucional”

Diretor-Geral da ANM, relatou na Comissão de Minas e Energia da Câmara, situação do órgão que sucedeu DNPM
Na foto, da esquerda para a direita, os deputados federais Keniston Braga (MDB-PA) e Joaquim Passarinho (PL-PA), diretor-geral da Agência Nacional de Mineração, Mauro Henrique Moreira Sousa e o deputado estadual Wescley Thomaz (PSC-PA)

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Brasília – Ao assumir, há quatro meses, a Agência Nacional de Mineração (ANM), o advogado Mauro Henrique Moreira Sousa, servidor concursado que trabalhou 17 anos no Ministério das Minas e Energia, relatou aos membros da Comissão de Minas e Energia (CME), em audiência pública nesta terça-feira (18), uma realidade que ajuda a explicar como o órgão opera sem estrutura financeira e humana, embora haja previsão constitucional e orçamentária para que isso não ocorra.

Em um longo relato aos deputados autores dos dois requerimentos que propuseram a audiência, os deputados paraenses Joaquim Passarinho (PL-PA) e Keniston Braga (MDB-PA), a audiência contou com a presença de 26 deputados federais, do senador Zequinha Marinho (PL-PA) e do deputado estadual Wescley Thomaz (PSC-PA), representando a Comissão de Mineração da Assembleia Legislativa do Pará, e que participou como palestrante na audiência.

Mauro Henrique Moreira Sousa explicou que a ANM se encontra em estado de “indigência institucional”, grande parte porque o governo contingencia os recursos a ela destinado.

Quadro insuficiente, salário inferior em 60% ao equivalente pago pelas demais agências, desmonte dos escritórios regionais e obsolescência dos softwares utilizados para tocar a rotina da agência, a ANM não consegue, mesmo que queira, cumprir seu papel governamental.

“Apenas 6% do acervo da ANM está digitalizado. No atual ritmo, somente daqui a seis anos será possível concluir esse trabalho”, revelou Mauro Sousa.

Diante da realidade, as consequências são óbvias: desastres como os ocorridos nos rompimentos das represas de rejeito da mineração de ferro nas minas de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, só não se multiplicaram por puro milagre.

“O número de fiscais é insuficiente. Em algumas especialidades, temos apenas cinco servidores para cobrir todo o Brasil”, atestou o diretor-geral.

Os processos de legalização de pedidos de outorga ultrapassam 10 mil, apenas na área de Itaituba, no Pará, base eleitoral do deputado estadual Wescley Thomaz.

O ouro e outros minérios são explorados ilegalmente em qualquer lugar, não apenas na Amazônia, mas também no Nordeste. Não há quem o impeça.

Algumas vezes os mineradores e garimpeiros ilegais tomam prejuízos, mas nada que se compare aos lucros.

Para se ter ideia do descalabro da situação, em apenas um leilão, ocorrido em 24 de fevereiro deste ano, por meio da Superintendência de Ordenamento Mineral e Disponibilidade de Áreas (SOD), da ANM, foram arrematados 75 (setenta e cinco) lotes do minério cassiterita apreendidos numa operação com apoio da Polícia Federal, com resultado financeiro de R$ 12.068.300,00 (doze milhões, sessenta e oito mil e trezentos reais). Os recursos foram encaminhados em favor da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Nenhum centavo ficou com a depauperada ANM.

O descaminho e contrabando de manganês não é sequer quantificado, mas ultrapassa com folga, centenas de milhões todos os anos. O governo sabe, mas não tem estrutura para coibi-lo.

Muitos garimpeiros e pequenos mineradores buscam, sem sucesso a legalização de sua atividade. Na semana passada, sexta-feira (14), cinco mil garimpeiros e pequenos mineradores, se acotovelaram em Itaituba, numa audiência pública, para discutir a regularização da atividade.

O deputado estadual Wescley Thomaz, relatou: “Não temos o que falar da ANM. A ANM esteve em Itaituba por diversas vezes tentando resolver o problema. Mas, o problema é prioridade ou a falta dela para com um setor tão importante”.

“Em 1983, foi criada uma Reserva Garimpeira na Região do Tapajós. EM 1989 o governo criou a Permissão de Lavra Garimpeira. De 1989 a 2006, na reserva garimpeira, mais de 48 mil pedidos de legalização foram protocolados na região, e também em 2006, o governo sobrepõe sobre a vasta área, sem consultar uma única pessoa, 11 Unidade de Conservação, jogando na ilegalidade milhares de trabalhadores”, denunciou o deputado.

“Em Itaituba está o maior número de áreas permissionadas para o garimpo no Brasil, com 62% do total nacional. Há cinco anos nós arrecadamos mais de R$ 350 milhões de impostos (CFEM e IOF)”, disse Thomaz.

“Se fosse transformado em ouro os impostos pagos, equivaleria a uma tonelada do mais nobre metal da Terra”, ilustrou o parlamentar, “dos quais, R$ 24 milhões deveria ir para a ANM”, completou.

“Em 2019, um Grupo de Trabalho da ANM, editou uma Nota Técnica (Portaria nº 871/19), que precisa, segundo estudo da própria agência, de R$ 37 milhões para poder dar andamento em mais de 11 mil processos parados no Tapajós”, cobrou o deputado.

“Em resumo, o garimpeiro não tem nada a haver com essa falta de prioridade do governo e infelizmente a gasolina que falta para ANM legalizar, não falta para o Ibama, não falta para o ICMBio”, criticou Wescley Thomaz.

O deputado sugeriu ingressar com uma ação, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ou seja, judicializar a questão para ver se resolve. “Porque se a legalização não funciona, não acontece, a fiscalização em áreas que podem ter a mineração também não funcionam”, desabafou o deputado estadual.

PL proíbe contingenciamento

Os deputados Joaquim Passarinho (PL-PA) e Keniston Braga (MDB-PA), já tinham conhecimento do desmonte da ANM, desde que foi criada em 2017, após a extinção do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Joaquim Passarinho, vice-presidente da CME, propôs ao presidente do colegiado, deputado Rodrigo de Castro (União-MG), que converse com o colega Rui Falcão (PT-SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para pautar a votação do Projeto de Lei (PL nº 4.054/2019), de sua autoria, que modifica a Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, para vedar a limitação de empenho e movimentação financeira das ações orçamentárias da Agência Nacional de Mineração que tenham como fonte de recursos a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

O PL já foi aprovado nas Comissões de Minas e Energia, Finanças e Tributação e está na CCJ desde o dia 17 de novembro aguardando pauta para ser votada.

Já o deputado Keniston Braga, disse que seu mandato “tem como prioridade zero a busca da regulamentação de uma mineração sustentável”.

O deputado relatou a sua experiência de ter vivido e visto com seus próprios olhos o que acontece com um município localizado próximo a uma grande projeto de mineração. “Parauapebas, será alçado ao posto de 4ª maior cidade do Pará em apenas 37 anos de fundação, devido aos impactos descomunais que ocorrem no lugar onde existe um grande projeto de mineração como é o caso. A mineradora Vale S/A explora a riqueza do subsolo da região e o crescimento dos municípios localizados no entorno dos projetos é brutal”, explicou o deputado.

Ele disse que os problemas vem junto com o crescimento, uma vez que é quase impossível acompanhar a demanda crescente por tudo: habitação, educação, saúde, saneamento e empregos para tanta gente que chega nos municípios mineradores”.

Ele cobrou do diretor-geral da ANM que solucione o atraso dos repasses da cota parte da CFEM aos municípios que têm direito de recebê-los. “Não há mais previsibilidade, não há mais data certa, os atrasos da CFEM criam dificuldades sem paralelo para o gestor de uma cidade como Parauapebas e outras similares que fazem seu planejamento de gastos contando com esse recurso”, ilustrou o deputado.

Continua…

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.