Senado aprova Lei da Qualidade do Ar e projeto vai à sanção presidencial

O ar respirado nas grandes cidades está cada vez pior
A cidade de São Paulo regrediu e voltou ao status anterior de “observação” para o quesito qualidade do ar

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A sessão deliberativa do Senado aprovou, na terça-feira (26), um dos projetos sobre um dos probemas que mais afligem os brasileiros que vivem em grandes cidades. Após dois anos de tramitação, vai à sanção presidencial o projeto de lei (PL n° 3.027/2022), que cria a Política Nacional de Qualidade do Ar.

Entre os princípios da Política Nacional de Qualidade do Ar destacam-se a prevenção, a visão sistêmica e o desenvolvimento sustentável. Entre os objetivos está assegurar a preservação da saúde pública, do bem-estar e da qualidade ambiental para as presentes e futuras gerações.

O texto aprovado cria o Sistema Nacional de Gestão da Qualidade do Ar (MonitoAr) e determina como instrumentos para a qualidade do ar o estabelecimento de limites máximos de emissão atmosférica e seu inventário; adoção de padrões de qualidade do ar e seu monitoramento; criação de planos setoriais de gestão da qualidade do ar e de controle da poluição por fontes de emissão, entre outros.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou o relator Fabiano Contarato (PT-ES), a poluição do ar representa atualmente o maior risco ambiental para a saúde humana. Cerca de 7 milhões de pessoas morrem vítimas de problemas respiratórios causados por poluentes, como a asma e o câncer de pulmão, acrescentou. Segundo o Ministério da Saúde, 6,4 milhões de cidadãos acima de 18 anos sofrem com asma no Brasil.

Conforme o texto aprovado, a União, por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), estabelecerá padrões nacionais de qualidade do ar que integrarão o Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (Pronar). Já os estados e o Distrito Federal poderão estabelecer, em regulamentos próprios, padrões de qualidade do ar em seus territórios, desde que mais restritivos que os padrões nacionais de qualidade do ar vigentes.

O monitoramento da qualidade do ar ficará sob a responsabilidade dos órgãos e instituições integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), que deverão criar uma Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar.

O inventário de emissões atmosféricas será elaborado na forma definida em regulamento e apresentado pelos estados e DF ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) no prazo de três anos a partir da publicação da lei. Já no âmbito federal, o prazo é de um ano a partir da publicação dos inventários estaduais e distrital.

Os municípios contribuirão para elaboração do inventário estadual com informações sobre a circulação de veículos em seus territórios e outras fontes de emissão. O inventário deverá conter, no mínimo, as fontes de emissão do local e sua distribuição geográfica, poluentes, metodologia de estimativa de emissões e lacunas de informações identificadas.

A União, por meio do MMA, elaborará o Plano Nacional de Gestão da Qualidade do Ar, com vigência por prazo indeterminado e perspectiva de duração de 20 anos, a ser atualizado a cada 4 anos. O plano deverá ter como conteúdo mínimo o diagnóstico, a proposição de cenários, as metas e os prazos para a execução dos programas.

Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão elaborar, no prazo máximo de dois anos após a publicação do inventário estadual ou distrital de emissões de poluentes atmosféricos, o Plano Estadual ou Distrital de Gestão da Qualidade do Ar.

“A proposição busca ainda fomentar políticas públicas de gestão da qualidade do ar como, por exemplo, políticas de apoio e fortalecimento institucional aos demais órgãos do Sisnama, responsáveis pela execução das ações locais de gestão da qualidade do ar, que envolvem o licenciamento ambiental, o monitoramento da qualidade do ar, a elaboração de inventários de emissões locais, a definição de áreas prioritárias para o controle de emissões, a fiscalização das emissões pelo setor de transportes, o combate às queimadas, entre outras”, acrescenta Contarato no relatório.

Calamidade Global

Nos últimos anos, nos acostumamos a ver episódios críticos de poluição do ar nas cidades asiáticas.

De fato, as megalópoles do continente asiático, em especial as chinesas, apresentam qualidade do ar cada vez mais preocupante.

Pequim, Hong Kong e a poluidíssima Linfen, estão na UTI.

Porém, no nosso continente, a cidade de São Paulo, que parecia já ter vencido esse estágio, voltou ao estado de observação.

Em que pese todo o  esforço efetuado no controle da poluição atmosférica, a partir dos anos 70, a edição dos Programas de controle de poluição veicular, nos anos 80 e 90, os programas estruturantes de melhoria da composição dos combustíveis veiculares, substituição da matriz energética, restrição de circulação de veículos em períodos de pico, e uma profunda alteração na tecnologia dos motores e turbinas, nos anos 90 e 2000 – tudo acompanhado de normas cada vez mais restritivas, o fato é que o aquecimento ocorrido na economia brasileira, na primeira década deste século, refletiu-se na piora da qualidade atmosférica paulistana e de outras grandes cidades do Brasil.

No início de abril (2014), um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, apresentado em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados,  apontou 99 mil mortes ocasionadas por problemas relacionados á poluição do ar no Estado de São Paulo, entre os anos de 2006 e 2011.  “É como se uma cidade de 100 mil pessoas tivesse sido dizimada em apenas cinco anos”, declarou a pesquisadora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Evangelina Vormittag.

Os dados do levantamento “Mobilidade Urbana e Poluição do Ar: A Visão da saúde”, realizado pelo instituto em parceira com a Câmara Municipal de São Paulo, levantou registros  de mais de 17 mil óbitos, no ano de 2011,  em consequência de doenças provocadas pela inalação do ar poluído – cardiovasculares, pulmonares e câncer de pulmão.

“Ainda há uma forte correlação entre a incidência do câncer de mama com as partículas poluentes”, afirmou a pesquisadora.

Evangelina Vormittag declarou não ver nenhum esforço governamental para enfrentar o problema. Além da carência de legislação e fiscalização eficientes, faltam políticas públicas para redução de emissões de poluentes nas grandes metrópoles.

O prejuízo com a poluição não se traduz só em perdas humanas. O prejuízo é também econômico. Conforme o relatório apresentado, a quantidade de internações, os gastos públicos e privados para tratamento de doenças respiratórias e cardiovasculares provocadas pela poluição do ar, somaram aproximadamente, R$ 246 milhões, no período analisado, somente no estado de São Paulo.

Crises respiratórias afetam a população

O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, entende necessárias medidas mais efetivas a serem adotadas pelo poder público, como restringir a circulação de veículos em áreas urbanas, implantar a inspeção veicular em todas as grandes cidades brasileiras, fiscalizar as frotas mais antigas, reduzir a quantidade de enxofre na gasolina, incentivar e implantar projetos para uso de energia limpa.

Bocuhy fez duras críticas ao sistema de incentivos.  O Banco Mundial, segundo ele, repassou 6,5 bilhões de dólares para projetos que se baseiam em energia suja, e apenas 3,5 bilhões para iniciativas sustentáveis. O grande fluxo de capital não privilegia a sustentabilidade”, argumentou o presidente do Proam.

O governo federal não está de todo desarmado face ao problema.  O programa VIGIAR, de acordo com a coordenadora de Vigilância e Saúde Ambiental do Ministério da Saúde, Daniela Buosi, atua na redução dos impactos da poluição na saúde, desenvolvendo ações para prevenir doenças nas populações expostas à contaminação por poluição atmosférica.

O programa VIGIAR possui cadastro on line, que estabelece um ranking dos municípios de alto, médio e baixo risco de poluição atmosférica. Este ranking integra o IIMR – Instrumento de Identificação de Municípios de Risco, com o objetivo de realizar intervenções específicas, de acordo com a situação nessas cidades.

A coordenadora cita, como exemplo, as queimadas no Mato Grosso, no Pará, Amazonas, Rondônia e Roraima. Com as intervenções do programa, ocorreu redução das despesas com internações e diminuição de óbitos no Sistema único de Saúde (SUS).

O deputado Adrian Mussi Ramos (PMDB-RJ), solicitante da audiência pública na Câmara dos Deputados, afirmou que: “O capitalismo não se preocupou com o meio ambiente, a água, o ar e, hoje, sofremos as consequências do crescimento e desenvolvimento desenfreado sem preocupação ambiental”.

China e Índia, definitivamente, são exemplos a não serem seguidos. A diminuição drástica dos níveis de emissão de poluentes, no ar das cidades brasileiras, deverá integrar a agenda governamental nos próximos anos.

São Paulo, também, apresenta péssimos exemplos, pela tibieza com que governos municipais sucessivos simplesmente se omitem de propiciar fluidez ao trânsito da cidade, optando pelo discurso demagógico e soluções cosméticas ao invés de por a mão na massa e implementar obras de engenharia de grande magnitude, par e passo com a implantação de transportes de massa eficazes e tecnologicamente factíveis. Algo que transcenda as obtusas faixas exclusivas de ônibus, do nada para lugar algum.

Fracasso mundial

Nenhum país conseguiu alcançar o padrão de qualidade do ar estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2021, o que torna a meta um fracasso mundial. A conclusão é de uma pesquisa com dados sobre poluição realizada em 6.475 cidades (ou localidades) pela IQAir, empresa de tecnologia especializada em poluição atmosférica com bases em mais de 100 países. De acordo com o estudo, a poluição, em muitas regiões, voltou a subir após uma queda relacionada à pandemia de covid-19 em 2020.

O índice de qualidade de ar considerado pela pesquisa foi o PM2,5 – relativos a partículas finas. Apesar de ser o menor tipo de poluente, o PM,5 é considerado um dos mais perigosos pela OMS e é produto da queima de combustíveis fósseis, tempestades de poeira e incêndios florestais, entre outras fontes. O poluente também é associado, por pesquisas médicas, a ameaças à saúde como cardiopatias e doenças respiratórias. Os dados PM2.5 são apresentados em unidades de microgramas por metro cúbico (µg/m³).

Ameaça à saúde ambiental do mundo

“A poluição do ar é agora considerada a maior ameaça à saúde ambiental do mundo, sendo responsável por sete milhões de mortes em todo o mundo a cada ano. A poluição do ar causa e agrava muitas doenças, desde asma até câncer, doenças pulmonares e doenças cardíacas. O custo econômico diário estimado da poluição do ar foi calculado em US$ 8 bilhões, ou 3 a 4% do produto bruto mundial”, destaca o relatório.

Em setembro de 2021, a OMS, após pesquisas apontarem o impacto cada vez maior da poluição na saúde, atualizou suas diretrizes globais de qualidade do ar, 15 anos após a última atualização, e cortou pela metade a concentração anual de PM2,5 considerada perigosa à saúde humana: de 10 µg/m³ para 5 µg/m³. A pesquisa do IQAir revela que nenhum país alcançou à nova diretriz de qualidade do ar da OMS para PM2,5 em 2021. Apenas 222 das 6.475 cidades analisadas no relatório ficaram abaixo da concentração de PM2.5.

As cidades com pior qualidade estão, em maioria na Ásia. Das 1.887 cidades asiáticas analisadas, apenas quatro (0,2%) atenderam às diretrizes atualizadas da OMS para concentração de PM2.5. Dos cinco países com pior qualidade do ar, quatro (Bangladesh, Paquistão, Tajiquistão e Índia) estão na Ásia; o outro país da lista é o africano Chade.

Dhaka, capital de Bangladesh, de acordo com estudo, tem a pior qualidade do ar do mundo

Fumaça de fábrica polui o ar de Dhaka: capital de Bangladesh, de acordo com estudo, país tem a pior qualidade do ar do mundo. “É chocante que nenhuma grande cidade ou país esteja fornecendo ar seguro e saudável aos seus cidadãos de acordo com a mais recente diretriz de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde”, afirma Frank Hammes, CEO da IQAir, na apresentação do documento. “Este relatório ressalta o quanto ainda há trabalho a ser feito para garantir que todos tenham ar seguro, limpo e saudável para respirar. A hora de agir é agora”.

O Brasil no relatório

A parte brasileira do relatório começa com uma boa notícia. No geral, as concentrações de partículas finas poluidoras, PM2,5, por metro cúbico caíram de 14,2 µg/m³ em 2020 para 13,6 µg/m³ em 2021. Entretanto, das 33 cidades brasileiras incluídas no relatório, apenas Fortaleza e a pequena Piancó ficaram abaixo da diretriz de qualidade do ar da OMS para PM2,5. Os municípios brasileiros analisados com pior qualidade foram Porto Velho (883º lugar no ranking global com 22,3 µg/m³), Plácido de Castro, no Acre (1343º no ranking com 17,8 µg/m³), Campinas (1532º no ranking com 16,4 µg/m³), Guarulhos/SP (1574º no ranking com 16,1 µg/m³) e Brasileia/AC (1634º no ranking com 15,4 µg/m³). São Paulo registrou índice de PM,5 de 14,8 µg/m³, em 1779º lugar no ranking; o Rio de Janeiro teve índice de 13 µg/m³, em 2230º na lista de cidades analisadas.

De acordo com o relatório, as principais fontes de poluição do ar no Brasil são indústria de cimento, produção petroquímica, produção de aço, mineração, queimadas florestais e agrícolas, e produção de veículos. “Os recentes desafios econômicos no Brasil levaram a um aumento do número de residências que utilizam a lenha como fonte de energia para cozinhar. Desemprego, preços em alta e inflação são alguns dos motivos que fazem da madeira a segunda fonte de energia mais utilizada no país, após a eletricidade”, destaca o documento da IQAir.

As cidades da Amazônia no alto da lista com ar mais poluído do país destaca a gravidade das queimadas e do desmatamento na região. “Apesar de uma diminuição no número total de incêndios e na área total queimada em 2021 em relação a 2019 e 2020, mais de 1,4 milhão de quilômetros quadrados queimados no Brasil durante o período de 1º de janeiro a 5 de setembro de 2021”, alerta o relatório, lembrando que, de acordo com estudos científicos, a Amazônia está emitindo mais CO² do que absorvendo. “O desmatamento e os incêndios florestais são uma ameaça contínua à saúde e ao bem-estar dos cidadãos brasileiros”, conclui o relatório.

Poluição do ar: problema global

A IQAir frisa ainda que a poluição do ar afeta aqueles que são mais vulneráveis, citando estimativas que, em 2021, as mortes de 40 mil crianças menores de cinco anos estavam diretamente ligadas à poluição atmosférica por PM2,5. “Nesta era da Covid-19, os pesquisadores descobriram que a exposição ao PM2,5 aumenta tanto o risco de contrair o vírus quanto de sofrer sintomas mais graves quando infectados, incluindo a morte”, alerta o documento.

O Relatório Mundial de Qualidade do Ar da IQAir, realizado desde 2018, agrega e compara milhões de medições de PM2,5 feitas em milhares de locais ao redor do mundo. Os dados são coletados ao longo do ano a partir de uma combinação de monitores de qualidade do ar baseados em terra, regulatórios e não regulatórios. A empresa lembra que, embora muitas áreas ao redor do mundo ainda não tenham acesso a informações de qualidade do ar disponíveis publicamente, houve mais dados disponíveis sobre qualidade do ar em 2021 do que nos anos anteriores.

Com mais medições, o relatório mostra a piora global. Nos Estados Unidos, foram analisadas 2.408 cidades analisadas, o maior número em um só país: as concentrações médias de PM2,5 aumentaram de 9,6 µg/m3 para 10,3 µg/m3 em 2021 em comparação com 2020. Entre as grandes cidades norte-americanas, Los Angeles foi a mais poluída, mas, registrou uma diminuição geral na poluição PM2,5 de 6% em comparação com 2020. Na África, onde apenas 63 cidades foram monitoradas, apenas uma alcançou a diretriz da OMS.

A China, país tradicionalmente assombrado pela poluição do ar, também registrou melhoras. Mais da metade das cidades chinesas incluídas no relatório registraram níveis mais baixos de poluição do ar em 2021 na comparação com o ano anterior. Os níveis de poluição na capital, Pequim, continuaram uma tendência de melhoria da qualidade do ar, impulsionada, de acordo com o documento, pelo controle de emissões e redução da atividade de usinas de carvão e outras indústrias com alta emissão de gases de carbono.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.