Prefeituras do Pará devem perder 30% de arrecadação entre abril e setembro

Com projeção de perder R$ 255 milhões até setembro, governo de Parauapebas se antecipou aos fatos e anunciou corte de 20% em salários dos cargos de confiança: tempos de tesourada.

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O cenário sinistro da pandemia do novo coranavírus deve bater à porta das prefeituras do Pará de agora para frente. Em recente entrevista à imprensa, o chefe do Executivo estadual, Helder Barbalho, fez uma revelação que, se concretizada, pode trazer muita dor de cabeça a prefeitos. Barbalho previu que, entre abril e setembro, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deve cair 30%. O ICMS é, diga-se de passagem, a principal fonte de recursos do Governo do Estado. E as cotas distribuídas às prefeituras também são sustentáculos para várias administrações, principalmente para pagar o funcionalismo público.

O Blog do Zé Dudu levantou que, em 2019, o ICMS que entrou nos cofres administrados por Helder totalizou R$ 12,2 bilhões, tendo sido R$ 1,5 bilhão a mais em relação a 2018. O Governo do Estado distribuiu às 144 prefeituras paraenses R$ 3,05 bilhões desse imposto, incluindo a cota que complementa o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), conforme divulgado com exclusividade aqui.

Ainda é precoce supor que o recolhimento de ICMS tenha perdas de 30%, mas, a depender do avanço da Covid-2019 e da extensão do isolamento social, economistas são ainda mais pessimistas e elevam as perdas a 40%. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), por exemplo, estima, em levantamento inédito acessado pelo Blog, que tanto maior será a perda de receitas quanto mais extensas no espaço e no tempo forem as medidas de isolamento social.

Segundo o IBPT, no cenário de isolamento até 15 de abril, as prefeituras devem perder 23,9% de receitas. Isoladas até o final de maio, a queda na arrecadação sobe a 30,58%. Se se estender até o último dia de junho, a baixa será de 33,77% nas contas municipais. E se, por fim, a quarentena for até o final de julho, o rombo nas receitas será de 38,02%. E as perdas seguirão nos meses seguintes até tudo voltar ao normal.

Em sendo verdade, contudo, as prefeituras de Belém e de Parauapebas sofrerão as maiores perdas brutas de arrecadação e, principalmente, de ICMS, por serem, também, as que mais faturam com esse imposto.

Menos R$ 60 mi em Parauapebas

A administração de Zenaldo Coutinho fez previsão de receber ao longo deste ano R$ 377,38 milhões em ICMS. Uma redução média de 30% sobre esse imposto durante seis meses acarretará em perda de, pelo menos, R$ 56,61 milhões. Já o governo de Darci Lermen estimou que no decorrer deste ano entrariam R$ 400,1 milhões em ICMS nos cofres da Prefeitura de Parauapebas, mas, com o impacto de 30% de perdas, cerca de R$ 60 milhões deixarão de ingressar no caixa da segunda administração municipal mais rica do Pará.

A diferença entre as receitas das prefeituras de Belém e de Parauapebas é que, do ponto de vista das perdas, a capital — e justamente por ser capital — tende a perder menos por ser mais urgentemente socorrida por entes superiores, como o Governo Federal, haja vista sua importância estratégica no e para o estado. Além disso, mesmo com todos os problemas sociais que enfrenta, Belém tem finanças sólidas, vida fiscal em dia e mais “dificuldade de quebrar” até mesmo em relação a outras capitais de mesmo porte, como Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS), estas as quais com forte apelo em setores de comércio e imobiliário, muito sensíveis ao humor do mercado.

Já Parauapebas depende essencialmente das operações da mineradora multinacional Vale, que extrai minério de ferro de alto teor na Serra Norte de Carajás. Se a Vale paralisar as atividades, a prefeitura se arrenta porque 70% de suas finanças advêm, direta ou indiretamente, da atividade minerária. Atualmente, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) é a principal fonte de receita do município e também corre risco de diminuir, já que a Vale também desacelerou sua produção em Carajás, adotando medidas preventivas contra o coronavírus. Só que, do ponto de vista fiscal, a Cfem não pode ser usada para pagar despesa com pessoal, função que é cumprida pelo ICMS e o Fundeb (no caso do pessoal do magistério), que se tornam as principais fontes de pagamento de despesas correntes.

Curionópolis tem a pior situação

Nenhuma prefeitura, entretanto, corre tanto risco fiscal e financeiro quanto a de Curionópolis, município onde até outubro do ano passado a Vale operava a mina de ferro SL1, na Serra Leste de Carajás. Com a paralisação do empreendimento, em razão de entraves ambientais, deu tudo errado para o governo de Adonei Aguiar, prefeito afastado do município.

É que ele fez a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 estimando receber R$ 33 milhões em royalties de mineração, mesmo antevendo a paralisação total de Serra Leste, maior empregadora e pagadora das contas do município. Sem considerar todas as adversidades, a prefeitura local projetou orçamento para este ano de R$ 115 milhões, um verdadeiro delírio fiscal e financeiro. O Blog do Zé Dudu fez, inclusive, o alerta recentemente (relembre aqui ano passado, quando cravou R$ 106,1 milhões. Poucos dias após a previsão, a prefeitura anunciou as contas com receita menor que a do ano passado (veja aqui), confirmando o prognóstico traçado pelo Blog.

Para piorar, a segunda principal fonte de renda de Curionópolis, o ICMS, previsto em R$ 26,3 milhões para este ano, pode perder R$ 4 milhões nos próximos seis meses, no prognóstico mais conservador, devido aos efeitos da Covid-19. Mas, além de Cfem e do ICMS, Curionópolis, como as demais prefeituras brasileiras, também assistirá à diminuição de ISS, taxas e impostos diversos e, se a União não socorrer, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundeb. As perdas podem tocar R$ 33 milhões. O cenário é crítico e contraria todas as previsões do município, inclusive nos piores cenários.

Repasses federais em queda livre

Nesta quinta-feira (9), uma constatação cabal de que a baixa nas receitas não está para brincadeira é o repasse às prefeituras da cota do primeiro decêndio do FPM: veio simplesmente com diminuição 15,14% em relação ao recebido no mesmo mês do ano passado. É a maior retração da década. E deve seguir em queda livre nos próximos meses, juntamente com outros repasses constitucionais, como o Fundeb, principalmente porque as redes públicas de ensino estão paralisadas e o foco de uso de verba pública é a saúde.

Para municípios como Parauapebas, a diminuição de 15% no FPM durante seis meses implica aparentemente “apenas” R$ 7 milhões a menos; e no Fundeb, menos R$ 14,5 milhões. Parece pouco, mas retrair a receita líquida inteira (de R$ 1,626 bilhão) prevista para este ano em 15%, por exemplo, significa tirar R$ 122 milhões da administração, o suficiente para pagar dois meses e meio de salário dos servidores do Executivo local — ou sustentar um município como Conceição do Araguaia, com cerca de 50 mil moradores. E a queda de 15% é o cenário mais otimista possível.

Uma queda de até 30% na receita durante seis meses, como profetizada pelo governador, poderá sacrificar dos cofres de Parauapebas aproximadamente R$ 255 milhões — é como tirar das costelas da capital do minério um arrecadação que sustentaria Redenção e Bannach de uma vez só, o ano inteiro.

O Blog fez uma projeção de perdas financeiras da ordem de 30% sobre a soma de todas as receitas das 144 prefeituras paraenses com base na arrecadação bruta consolidada do ano passado, declarada pelos governos a órgãos fiscalizadores como o Tesouro Nacional e o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). O cenário é estarrecedor, visto que R$ 3,25 bilhões devem deixar de circular nos municípios como efeito da retração de impostos, taxas, cotas de fundos e royalties, entre outros. Muitas máquinas públicas — sobretudo as dependentes da União e seus repasses constitucionais — correm risco de quebrar. Transpor o ano de 2020, que mal começou, vai ser o maior desafio da história recente da humanidade, para todos.