Oposição culpa PT por travar tramitação do PL da “Saidinha”

A proposta está parada no Senado há quase um ano e tem criado sérios embaraços para a política de segurança pública do país
Apenados de alta periculosidade, tem aproveitado os “saizões” para fugir e voltar à prática de crimes

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Aprovado por ampla margem de votos na Câmara dos Deputados há quase um ano, com 311 votos a favor e 98 contrários, o Projeto de Lei (PL n° 583/2011), mais conhecido como o PL das “Saidinhas”, travou quando chegou para análise dos senadores, onde tramita com outra numeração (PL n° 2.253/2022). Motivo de protestos de partidos da oposição e do Centrão na Câmara Alta, a proposta quer acabar com um problema que só cresce em todo o Brasil: o número de apenados que, beneficiados pela lei em vigor, não voltam para terminar de cumprir suas penas após os “saidões” de fim de ano, Dia das Mães e outras datas de feriados.

A lei é considerada uma aberração por juristas que criticam a norma como uma das principais razões para o desmantelamento da política de segurança pública no país. É uma lei que só existe no Brasil. Depois da última “saidinha” de fim de ano, 255 presos do Rio de Janeiro e 321 de São Paulo não retornaram aos presídios. Os dados multiplicam-se se for apurado os números dos demais estados.

Apenados da mais alta periculosidade, chefes de organizações criminosas e todo o tipo de marginal, de assassinos de mulheres à estupradores; de assaltantes de bancos a seriais killers, todos são misturados no mesmo balaio e são soltos nas datas previstas pelo benefício segundo a lei.

O PL que propõe a revogação do direito à saída temporária de detentos em regime semiaberto está parado na Comissão de Segurança Pública do Senado há quase um ano, desde maio de 2023.

De autoria do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), o PL é relatado no Senado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). No início de 2024, o tema ficou em evidência depois da morte do sargento da Polícia Militar de Minas Gerais Roger Dias da Cunha, de 29 anos. Ele foi morto durante o serviço em uma ocorrência e o suposto atirador estava em saída temporária da prisão.

Após a grande repercussão da morte do policial nas redes sociais, os senadores da Comissão de Segurança Pública negociam alterações no parecer de Flávio Bolsonaro depois do caso. Um dos principais nomes nessa negociação é o senador e ex-juiz federal Sergio Moro (União Brasil-PR).

A ideia é que o parecer seja alterado para manter as saídas temporárias que são para estudo e trabalho dos presos. Esse tipo de saída é vista como central para a ressocialização dos presos – que é um dos objetivos da prisão.

Segundo senadores, o texto deve ser votado na comissão de segurança, presidida por Sergio Petecão (PSD-AC), no retorno dos trabalhos legislativos, em fevereiro. Mas Flávio Bolsonaro ainda não apresentou uma nova versão do relatório, com a preservação da saída para estudo e trabalho.

No relatório atual para o PL, os artigo 122, 123, 124 e 125 da Lei de Execução Penal são revogados. Isso significa que toda saída temporária é extinta, inclusive as para educação da pessoa presa e as atividades voltadas para o retorno do convívio social.

Atualmente, a lei permite saídas em três situações:

– visita à família;

– participação em curso supletivo profissionalizante, completar Ensino Médio ou curso do Ensino Superior;

– participação em atividades que ajudem o preso a retornar ao convívio social.

Senadores da oposição colocam o tema como uma das prioridades para o início de 2024. É nesse sentido que alguns congressistas trabalham para manter o direito de progressão de pena e de acesso a medidas de ressocialização, mas sem saídas por motivos como feriados, por exemplo, como uma forma de consenso entre governo e oposição.

Matéria travou quando chegou no Senado

Com o tema em debate, Flávio Bolsonaro disse que seu relatório para o projeto de lei 2.253 de 2022 estava parado no Senado por culpa de senadores da base do presidente Lula (PT).

“Saidinha incentiva fuga das cadeias e não ajuda a reintegração dos presos”, disse Flávio em vídeo distribuído em suas redes sociais. “Já apresentei o relatório há meses, está pronto para ser votado, mas a base de apoio ao Lula, principalmente senadores do PT, estão usando todos os artifícios regimentais para impedir a votação”.

A última versão do relatório do PL foi apresentado por Flávio Bolsonaro em 17 de outubro do ano passado. Depois disso, a Comissão de Segurança teve somente duas sessões para votar projetos e o PL não entrou em pauta. As outras reuniões do colegiado até o fim de 2023 foi para discutir o Orçamento de 2024.

Segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ele contesta que o texto não está parado na Casa e é natural que a comissão tenha realizado audiências para discutir o tema e analisar com cuidado a proposta.

“Há o tramite normal de um projeto de lei, que não é só sobre saída temporária, é sobre outros institutos penais também. Tanto que ele ficou 11 anos na Câmara em razão de sua complexidade”, disse Pacheco. “Então, o Senado está trabalhando e se debruçando em relação a esse tema, diferentemente do que foi dito por alguns oportunistas que resolveram ganhar engajamento nas redes sociais a partir da tragédia alheia de um policial de Minas Gerais”.

O presidente do Senado afirmou que o Congresso deve sim alterar a lei para revogar o direito às “saidinhas”. Segundo ele, a legislação tem “pretexto de ressocializar”, mas serve “como meio para a prática de mais crimes”.

O policial Roger Dias da Cunha, de 29 anos, por exemplo, morreu no domingo (7/1) depois de ser baleado na cabeça durante confronto em Belo Horizonte (MG). Os autores dos disparos deveriam ter retornado à prisão depois da saída de fim de ano.

O relator do projeto de lei, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tem opinião semelhante à de Pacheco. Defende a aprovação do PL com o argumento de que as saídas aumentam a criminalidade e colocam a população em risco.

“A revogação do benefício da saída temporária, é medida necessária e que certamente contribuirá para reduzir a criminalidade. São recorrentes os casos de presos detidos por cometerem infrações penais durante as saídas temporárias. Assim, ao se permitir que presos ainda não reintegrados ao convívio social se beneficiem da saída temporária, o poder público coloca toda a população em risco”, afirma Flávio.

Em audiência pública na Comissão de Segurança, o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Rodolfo Queiroz Laterza, ressaltou que as saídas temporárias são essenciais para a reinserção dos presos na sociedade e que fazem parte do processo de progressão previsto na lei penal.

Laterza frisou que o projeto tem pontos positivos, mas ponderou que há maneira de mudar as regras das saídas temporárias sem precisar extinguir o direito.

“Tem que ter critérios objetivos, como a proibição de frequentar determinados lugares e, também, no caso, a obrigatoriedade de comunicação, mas também você proibir, creio que ele não se adequaria ao que ele serve, que é próprio do regime semiaberto“, defendeu.

Senadores que integram a Comissão de Segurança Pública do Senado se articulam para mudar a forma original do PL e manter a “saidinha” para atividades de estudo e trabalho de detentos. O objetivo é fazer com que o projeto seja aprovado em fevereiro na comissão.

O senador Sergio Moro afirmou que todos estão envolvidos na discussão do tema e explicou o que será alterado: “Eliminam-se as saídas em feriados e sem causas, que é a essência do projeto e que têm causado problemas e revoltas. Preserva-se a saída para educação e trabalho para os presos do semiaberto”, afirmou.

O projeto de lei analisado também propõe a exigência de exames criminológicos para a progressão de regime de pena e o monitoramento eletrônico obrigatório a todos os detentos que passam para os regimes abertos ou semiabertos.

Na Comissão de Segurança Pública, houve pedido de vista do senador Fabiano Contarato (PT-ES) para avaliar melhor o projeto antes da votação.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília