Líder do governo apresenta urgência para votação do projeto que libera mineração em terras indígenas

Ministério Público e oposição são contra a proposta
Indígenas protestam na Praça dos Três Poderes contra projeto que altera o marco temporal para demarcação de suas reservas

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Brasília – A oposição ao governo no Congresso Nacional conta com um aliado de peso para bloquear o avanço do projeto que libera a exploração de garimpo em terra indígena. O Ministério Público Federal (MPF) diz que vai contestar a proposta que nesta quarta-feira (9) pode ter a urgência da votação aprovada na Câmara dos Deputados. Está marcado um grande protesto liderado pelo cantor Caetano Veloso para protestar contra projetos vistos como prejudiciais ao meio ambiente.

Líderes da base e da oposição divergiram sobre o procedimento de votação do projeto de lei (PL 191/2020) de autoria do governo. Após reunião com o presidente Arthur Lira (PP-AL), o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que a proposta será avaliada pelos líderes e pelas bancadas nesta semana. Barros pediu que seja aprovado um requerimento de urgência para votar o texto. “Reservas de potássio poderão ser exploradas e garantir fertilizantes para nosso agronegócio”, disse ele, por meio de suas redes sociais.

A deputada Celina Leão (PP-DF), que também participou do encontro, disse que os parlamentares precisam de tempo para discutir o assunto. “É um tema muito novo, os líderes não têm conhecimento, então eles vão começar o debate. É preciso chegar a um entendimento, principalmente em razão da guerra [na Ucrânia], que pode gerar falta de insumos [para a produção de fertilizantes para agricultura] ”, disse.

O paredão do MPF
Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) são contra as justificativas apresentadas pelo governo para a aprovação do projeto em tempo recorde. Declararam que contestarão a proposta que conteria “vício insanável”, “falácia” e “patrocínio de conflito de interesses”. Caso o PL seja aprovado pelo Congresso, e mesmo sem ainda virar lei, a proposta terá que superar as mais de dez ações movidas na Justiça Federal contra exploração de garimpo em territórios demarcados na Amazônia.

Para isso, o procedimento previsto é uma arguição de inconstitucionalidade incidental, em que as ações apontariam a lei como inconstitucional, para que a Justiça, então, decida o mérito da causa.

O MPF já moveu ações civis públicas contra requerimentos de mineração em terras indígenas na Amazônia, protocolados na ANM (Agência Nacional de Mineração).

A prática da ANM é manter esses requerimentos suspensos, sem anulá-los, segundo o MPF. Há ações do tipo na Justiça Federal no Amazonas, Pará, Roraima e Amapá.

Uma breve consulta no sistema apontam 25 pedidos de requerimento de exploração de minérios em terras indígenas por empresas e cooperativas de garimpeiros.

Outras ações contestam empreendimentos de mineração com impacto em terras indígenas vizinhas ou desenvolvidos em terras ainda não demarcadas.

De acordo com procuradores do MPF, o argumento de Bolsonaro sobre a necessidade de terras indígenas para exploração de potássio — base para fertilizantes usados na agricultura em larga escala — não faz sentido, pois as minas com potencial de exploração ficam fora dessas áreas demarcadas.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou em uma rede social que os líderes dos partidos vão medir junto a suas bancadas o apoio ao texto.

Bolsonaro e Lira querem que o projeto seja votado com urgência, diretamente em plenário, atropelando comissões e consultas aos principais interessados: as comunidades indígenas. O líder do governo na Câmara coletou assinaturas para um requerimento de urgência

“O estado de beligerância, de ameaça externa ou mesmo a declaração de guerra entre dois ou mais países não autorizam a diminuição do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, particularmente das minorias e de grupos vulneráveis”, afirmam integrantes da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Notas técnicas
O colegiado divulgou uma nota técnica na noite da terça (8) em que aponta a inconstitucionalidade do projeto de lei.

Os subprocuradores-gerais que integram a câmara já elaboraram outras duas notas técnicas contra o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas, uma em 2020 e outra em 2021. O tom das duas notas também é de ampla crítica à proposta do governo Bolsonaro.

Segundo a câmara da PGR, há 4.000 procedimentos minerários que incidem em 216 terras indígenas. São basicamente pedidos para exploração por pessoas físicas e jurídicas, sem validade em razão da ilegalidade desse tipo de exploração.

O projeto de lei tratado como prioritário por Bolsonaro contém um “vício insanável”, pois tenta regulamentar mineração em terras indígenas sem um prévio debate do Congresso sobre o interesse público da União, conforme o colegiado da PGR.

Falta uma lei complementar para isso, e por isso a proposta significaria um atropelo à Constituição Federal.

“Este projeto de lei patrocinou o conflito de interesses e direitos que estão pacificados no corpo da própria Constituição da República”, afirmam os subprocuradores

Artistas prometem fazer barulho
Um evento marcado para esta quarta-feira (9) tenta pressionar o Congresso contra a aprovação de textos vistos como prejudiciais ao meio ambiente. Cerca de 40 artistas devem se reunir com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tratar do tema.

O chamado Ato da Terra, que ocorrerá em frente ao Congresso Nacional, foi convocado pelo cantor Caetano Veloso e reúne mais de 230 organizações, e partidos de oposição ao governo no Congresso Nacional.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.