Estados querem R$ 62 bilhões da União como compensação da Lei Kandir

União e estados tentam acordo sobre compensação do ICMS no STF. Eventual acordo deverá ter sua homologação analisada pelo plenário da Suprema Corte, mas só no ano que vem
Governadores discutem ação sobre Lei Kandir em reunião no STF (Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

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Por Val-André Mutran – de Brasília

Em mais uma rodada de negociações entre União e estados, governadores e representantes do governo federal têm se reunido no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de chegar a um acordo sobre o pagamento dos repasses que a União deveria ter feito para os entes por conta da desoneração das exportações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que é previsto na Lei Kandir. A União propôs pagar aos estados R$ 58 bilhões, de forma parcelada, entre 2020 e 2037. Os estados, entretanto, pedem mais R$ 4 bilhões.

A questão é discutida na ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) 25, ajuizada pelo governo do estado do Pará em 2013. O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a matéria em 2016. A Corte reconheceu a omissão e deu ao Congresso o prazo de um ano para aprovar uma lei que fixasse novos critérios para compensação, mas isso não foi cumprido. Na ocasião, o Supremo ainda estabeleceu que se o Congresso não regulamentasse a Lei Kandir no prazo, caberia ao Tribunal de Contas da União (TCU) fixar o montante a ser transferido anualmente aos estados e ao Distrito Federal, além do coeficiente de distribuição dos recursos. A Corte de Contas também nunca o fez.

A Lei Kandir está em vigor desde 1996 e isenta do pagamento de ICMS as exportações de produtos e serviços, com a devida compensação feita pelo governo federal a estados e municípios. Entretanto, o Congresso deveria regulamentar uma fórmula para essa compensação – o que nunca foi feito. O passivo que a União deve aos estados chegaria a R$ 700 bilhões, segundo cálculos dos governadores

Em 2017, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo a concessão de novo prazo para a regulamentação no Congresso, o que só foi apreciado em fevereiro. No dia 21 de fevereiro deste ano, o ministro atendeu a pedido da União e concedeu 12 meses de prazo para o Congresso regulamentar a Lei Kandir.

Em julho, governadores e a União manifestaram ao Supremo a vontade de resolver o impasse de forma amigável. Designados os respectivos representantes, em setembro ocorreu a primeira reunião da comissão especial da Lei Kandir. Participam das negociações governadores e procuradores dos estados, representantes da AGU e da Fazenda, do Tribunal de Contas da União, da Câmara e do Senado.

As negociações são sigilosas e ainda não terminaram. Mesmo que os envolvidos queiram realizar ao menos mais uma audiência neste ano, membros da Advocacia-Geral da União ouvidos reservadamente admitem que o acordo deve sair apenas no ano que vem.

Depois de a União e os entes chegarem a um consenso sobre os valores, caberá ao Supremo homologar o acordo. O ministro Gilmar Mendes tende a optar pela colegialidade e remeter a homologação ao plenário. Assim, dificilmente o acordo sairá antes de fevereiro.

Já foram realizadas sete reuniões, a última delas no dia 3 de dezembro. Até agora, a União ofereceu R$ 58 bilhões, que seriam pagos de forma parcelada entre 2020 e 2037. Os estados, porém, fizeram uma contraproposta: pedem R$ 62 bilhões, pois entendem que deve ser adicionado a este valor mais R$ 4 bilhões, que compensariam as perdas com a isenção de ICMS durante o ano de 2019.

Impasse

Este é o ponto que tem gerado mais impasse. No último encontro, representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) se mostraram resistentes a esse adicional, do qual os estados não abrem mão. A expectativa é que a União aceite. Em contrapartida aos repasses, os estados devem desistir de ações judiciais que ajuizaram contra a União em relação à Lei Kandir.

Na última reunião, estavam presentes representantes de 24 estados e do Distrito Federal – Amazonas e Roraima foram os únicos não representados. Mesmo o que já foi decidido, vale ressaltar, pode mudar. Secretários da Fazenda dos estados devem se reunir no Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda, Receita, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, o Comsefaz, ainda sem data definida, e nesta reunião podem ser colhidas novas propostas.

Os governadores propuseram ainda um acréscimo de R$ 3,6 bilhões a serem pagos após três anos da aprovação da PEC do Pacto Federativo. A União ainda está estudando se vai ou não vincular esse valor da PEC ao pagamento da Lei Kandir.

Outra questão que ainda está pendente é o critério de divisão dos repasses entre os estados. O governo deve considerar o valor das isenções por estado junto a índices de desenvolvimentos estaduais, como de Educação.

Os estados e União concordaram ainda em encaminhar um anteprojeto de Lei Complementar ao Congresso com o objetivo de regulamentar o artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, que estabelece que o governo federal deve passar aos entes federativos os créditos relativos entre as importações e exportações. Foi acordado ainda que o anteprojeto vai regulamentar uma nova forma de transferência da União para os estados, que configura uma exceção ao previsto no artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Este artigo define as regras para repasses de despesas obrigatórias para os entes.

Assim, o acordo no STF deve servir para resolver a discussão entre União e estados sobre os repasses devidos que ainda não foram pagos. O que vai ser da Lei Kandir daqui para a frente, entretanto, deve ficar a cargo do Congresso. Governadores têm defendido que como o ICMS é um tributo estadual, cada estado deve escolher como será feita a tributação das exportações. Em agosto, o presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) declarou apoio a uma possível revisão da Lei Kandir, por meio de PEC e a possibilidade da extinção da norma.