Empresas de mineração negociam irregularmente bilhões em ouro da Serra Pelada

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Dossiê denuncia que as mineradoras Phoenix Gems e Colossus Minerals estariam coordenando um golpe bilionário na região da Serra Pelada. Uma sucessão de ingerências, propinas e irregularidades que atingiriam os direitos de milhares de garimpeiros, além de lesar a União.

O Sindicato dos Garimpeiros de Serra Pelada (Singasp) entregou ao jornal Brasil de Fato um dossiê-denúncia sobre a atual disputa pelo ouro de Serra Pelada. Segundo o documento, o que está em questão é uma série de irregularidades na parceria entre a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a empresa canadense Colossus Geologia e Participações Ltda, pelo direito de "pesquisa, desenvolvimento e a lavra do minério primário (subterrâneo) de ouro e todos os outros metais e minerais associados que vierem a ser encontrados na área abrangida pelo Alvará de Pesquisa nº 1485, Processo DNPM nº 850.425/1990".

Uma área de 100 hectares, que pode conter, de acordo com as primeiras sondagens, entre outros minérios, cerca de 600 toneladas de ouro (avaliadas hoje em aproximadamente R$ 42 bilhões), cujo direito à exploração estaria sendo irregularmente repassado, por cerca de R$ 16 milhões (mais prêmios, proporcionalmente restritos), para grupos internacionais explorarem, de início, cerca de 75 % e, conseqüentemente, especularem nos websites e bolsas do mundo.

Nosso jornal pôde averiguar que a empresa canadense, de fato, já está anunciando as perspectivas de exploração em seu site (www.colossusminerals.com ) Constatamos também que suas ações tiveram um grande salto após os anúncios da operação e a realização do IPO de suas ações antes mesmo de se consolidar totalmente o convênio (www.stockcharts.com).

"Eu sei muito mais… Eu também ouvi falar que os garimpeiros de Serra Pelada estão insatisfeitos com a maneira pela qual o acordo com a Colossus Minerals foi a única proposta apresentada na assembléia, e que pelo menos 1, ou talvez 2 outras propostas foram escondidas debaixo da mesa para dar à Colossus Minerals a única possibilidade de voto, sem mencionar as ligações que a Colossus Minerals tem com a Vale (CVRD), que os garimpeiros ficariam muito revoltados ao saberem. (…) Pensem em tudo que será trazido à tona pelo que vocês estão prestes a fazer neste caso. Eu sei muito mais do que vocês podem imaginar".

Este é um trecho do e-mail que teria sido enviado, de acordo com o Singasp, no dia 31 de dezembro de 2008, por Brent E. Smith, executivo da mineradora estadunidense Phoenix Gems, a alguns executivos da canadense Colossus Minerals (em especial a Eric Roblin). Smith estaria reivindicando junto aos executivos da Colossus a sua parte na negociação das toneladas de ouro de Serra Pelada – segundo ele, obtidas de maneira irregular pelos canadenses da Colossus, via seus representantes no Brasil, junto à Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp). Smith teria alegado que os sócios da Phoenix Gems do Brasil LTDA, Verônica Campos Lima e Artaxerxes Campos Carvalho Lima, não poderiam ter consumado o contrato sem a sua participação.

Ou seja, Verônica e Artaxerxes teriam feito um contrato irregular com a Colossus em junho de 2007, à sua revelia. Contatado por Brasil de Fato, Brent E. Smith confirmou o envio do e-mail e a irregularidade do contrato. Questionado sobre as alegadas "ligações que a Colossus Minerals tem com a Vale (CVRD)", Brent disse: "olhe, eu realmente não pretendo entrar nesse tipo de discussão nesse momento, eu não quero criar muitos problemas em jornais e na mídia (…). Eu ouvi algumas coisas, eu não tenho certeza das conexões (…) algumas pessoas que são empregadas da Colossus foram anteriormente empregadas pela CVRD".

Consta do dossiê que o contrato entre as representantes no Brasil das empresas da América do Norte (EUA e Canadá) era imprescindível para que a canadense Colossus consumasse sua transação junto aos garimpeiros da Coomigasp, já que esta cooperativa tinha um convênio anterior com a Phoenix que conflitaria com a nova jogada. A Colossus teria firmado então um contrato paralelo com a Phoenix ( dias antes de ser consumada sua parceria com a Coomigasp! ), assegurando paralelamente o repasse de 15% do total dos negócios futuros advindos do convênio entre a mineradora canadense e a cooperativa brasileira. Em troca, a Phoenix Gems do Brasil teria passado uma procuração para a Colossus Geologia representá-la amplamente nos negócios afins com a Coomigasp.

" Verônica e Artaxerxes irão para a prisão e sem dinheiro nenhum desta operação. O contrato que vocês fizeram com a Phoenix Gems Brasil Ltda, bem como o acordo com a Coomigasp serão decretados nulos e sem efeito, trazendo a situação de volta para o mesmo cenário", escreveu Brent, que confirmou por telefone as responsabilidades de Verônica e Artaxerxes pela operação. O jornal ainda não conseguiu falar com os dois para ouvir suas versões sobre os fatos.

Burlando a Constituição brasileira

 

O Movimento dos Trabalhadores da Mineração (MTM) afirma que tais convênios com a Coomigasp não estariam relacionados apenas à posse do "Alvará de Pesquisa nº 1485", mas também a uma maneira de aparentemente contemplar a Constituição Federal Brasileira, a qual assegura, em seus Artigo 17, 21 e 174:

"que as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra"; competindo à União "estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa"; além do que, "como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento"; bem como "favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros"; tendo finalmente tais cooperativas "prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando".

Numa das últimas mensagens de Brent, no final do ano passado, enviada para os executivos da Colossus Minerals (agora incluindo Ari Sussman, Chefe Executivo; e Vic Wall, seu presidente), depois de se dizer preocupado com "a maneira irregular como foi feita a negociação" e "sensibilizado" com relação ao "povo de Serra Pelada sofrendo por tanto tempo", Brent estabeleceu um preço para os executivos da Colossus:

"(…)saibam que eu não vou aceitar nada inferior a USD 10.000.000,00 e 1% líquido dos royalties. Isso tudo para eu permitir que continue a ser válido o contrato, assim que eu for reintegrado à Phoenix Gems Brasil LTDA". (A tradução dos e-mails foi providenciada pelo próprio sindicato, e revisada pelo jornal – a íntegra em inglês pode ser conferida em nosso site).

Perguntado sobre a veracidade destas informações, Brent confirmou que teria pedido este valor e que os executivos da Colossus teriam sugerido que ele levasse adiante suas reivindicações entrando na justiça brasileira. Brent ainda disse ao jornal que, agora, pretende reivindicar 30% dos royalties da negociação e repassá-los integralmente para a cooperativa dos garimpeiros.

A reportagem tentou localizar os executivos Eric Roblin, Ari Sussman e Vic Wall, mas estes não se encontravam nos seus contatos disponíveis na internet. As mensagens de Brent para a Colossus, no entanto, trariam à tona muito mais coisas do que ele próprio também poderia imaginar…

João Carvalho da Costa,
enviado especial do Brasil de Fato a Eldorado dos Carajás (PA)