Deputado quer cela única e cinco médicos por preso no Brasil

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Um projeto na Câmara prevê celas individuais e fornecimento de creme hidratante para os presos. Para seu autor, dá para transformar prisões brasileiras em nórdicas por força da caneta.

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Deputados federais como Domingos Dutra (PT-MA) deveriam fazer melhor uso dos poucos dias da semana — agora, oficialmente três — em que trabalham em Brasília. Dutra é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e autor de um projeto de lei que propõe a criação de um Estatuto Penitenciário Nacional. O projeto inclui o estabelecimento do Dia Nacional do Encarcerado, mas essa é apenas a menor das bobagens que ele contém. Sugere o deputado Dutra, em seu projeto, que todo preso tenha direito a uma cela individual: receba do estado xampu, condicionador e creme hidratante: e seja atendido, em grupos de 400, por doze professores, três enfermeiros e cinco médicos, entre eles um psiquiatra e um oftalmologista. Considerando que, em cidades como Anajás, no Pará, há apenas um médico para atender toda a população de 25 000 habitantes e que para alojar individualmente todos os presos do país, seria preciso soltar a maior parte da população carcerária nacional, o projeto do deputado Dutra seria mais realista se propusesse a extinção do crime de uma vez. Ele está agora em uma comissão especial da Câmara. Se for aprovado, segue para a Comissão de Constituição e Justiça e, de lá, para o Senado. “O texto será analisado, e é claro que aquilo que ele tiver de extravagância será retirado” afirma Dutra, sem explicar por que, então, incluiu as extravagâncias.

 O Brasil tem hoje 550000 presos, a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Esses detentos ocupam um espaço para 309000 homens. Isso significa que o sistema prisional tem um déficit de 241000 vagas e que muitos presos passam seus dias amontoados como lixo nas celas. No Complexo Prisional Aníbal Bruno, nos arredores do Recife, por exemplo, quase quatro homens ocupam o espaço destinado a um. “A regra em todo o país é o rodízio. As turmas se revezam: pessoas dormem em pé para que outras possam deitar no pedaço de espuma que os próprios presos têm de comprar”, diz Elizabeth Sussekind, ex-secretária nacional de Justiça. Situações como essa fazem com que, no Brasil, prisões deixem de ser espaços que punem criminosos com a privação de liberdade para virar centros medievais de tortura. E a experiência demonstra que uma das consequências dessa deformação é o aumento da insegurança para a sociedade.

 Estudos recentes mostraram que a precariedade das condições em que vivem detentos é, sim, um fator que influencia diretamente nas taxas de reincidência no crime. Obviamente, não se trata de oferecer a criminosos condenados os mimos propostos pelo deputado Dutra ou cárceres de padrão norueguês (a prisão em Halden. na Noruega. tem pista para corrida e casa para abrigar parentes de detentos em visita com pernoite, além de celas equipadas com TV e frigobar). Bem mais sensato e viável é, por exemplo, acelerar a votação do Código Penal, que acumula poeira nas gavetas do Congresso e que prevê, entre outras medidas, a instituição de penas alternativas para quem cometer crimes que não envolvam ameaça à pessoa. É uma forma eficiente de reduzir a superlotação nas penitenciárias. Os mutirões carcerários do Conselho Nacional de Justiça também vêm se mostrando úteis para essa finalidade. Desde 2001, eles reexaminaram os casos de 415000 presos e puseram em liberdade quase 36 800 pessoas que não precisavam mais cumprir a pena em regime fechado. Além disso, em algumas penitenciárias, como a Industrial de Joinville, gerida em parceria com a iniciativa privada, esforços para reinserir os presos no mercado de trabalho já ajudaram a baixar as taxas de reincidência para níveis nórdicos, de 20%. São exemplos de ações possíveis e mais produtivas do que projetos de lei que pretendem transformar a realidade à força de canetadas.