Crise: Após reforma ministerial, comandantes das Forcças Armadas podem renunciar

Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica são militares pós-Revolução de 64, profissionais da guerra e contra politização das Forças Armadas

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Brasília – Os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica revelam nesta terça-feira (30), após reunião na noite anterior, se entregam conjuntamente os cargos. A nova geração do Comando Militar do país é pós-Revolução de 64, tem formação altamente profissionalizada para a guerra e não quer se envolver com política de governo, pois entendem serem instituições de Estado. A decisão vem um dia após a demissão do gal. Fernando Azevedo e Silva, então ministro da Defesa, após uma minirreforma ministerial com mexida no 1º escalão de seis ministérios feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A decisão de permanecer ou entregar o cargo já está definida e só terá publicidade após a reunião com o gal. Braga Netto, que assumiu hoje a Casa Civil da Presidência da República. Está em curso uma reunião que começou nesta manhã com os comandantes das três forças: Exército, Marinha e Aeronáutica, que ainda não acabou.

Desde a semana passada, Azevedo vinha sendo cobrado por demonstrações de mais apoio político a Bolsonaro. O presidente queria um sinal claro do Exército e não recebeu. Oficiais militares dão como certa a saída do comandante do Exército Edson Leal Pujol, notabilizado pela frase: “O Exército não tem partido”.

A versão que circula nos corredores do Planalto é que o ministro Fernando Azevedo e Silva perdeu o cargo porque se opôs à ofensiva de Bolsonaro que queria a demissão do comandante do Exército. Como houve a recursa, quem acabou sendo demitido foi o ministro da Defesa. Agora, portanto, há caminho livre para a troca no Comando do Exército.

A expectativa nas Forças Armadas é de uma renúncia coletiva. Na hierarquia militar, todos os atuais comandantes estariam acima do novo ministro da Defesa, Braga Netto, pelo critério de antiguidade. Diante disso, caso permaneçam nos cargos, terão de se subordinar a ele. No Exército, a tradição da escolha dos comandantes obedece à antiguidade dos generais de quatro estrelas, ou seja, quem tem mais tempo no topo da carreira. Em 2015, a então presidente Dilma ignorou isso e escolheu de uma lista tríplice o general Eduardo Villas Bôas, que à época era comandante de Operações Terrestres. Villas Bôas era o terceiro na ordem.

Segundo militares que acompanham a negociação, para nomear o gal. Freire Gomes, novo comandante do Exército, Bolsonaro teria de “aposentar” seis generais mais antigos que ele. Isso porque eles passam à reserva se um oficial mais novo, com menos tempo de Exército, for alçado ao comando.

Ao escolher Freire Gomes, Bolsonaro pode escapar ainda de outro nome que está prestes a se tornar o mais antigo entre os generais de quatro estrelas: o atual comandante de Operações Terrestres, general José Freitas. À frente dele estão apenas os generais Décio Schons e César Augusto de Nardi, que passarão oficialmente à reserva em abril e já foram substituídos no Alto Comando.

José Freitas teria, por tradição, a preferência para assumir o comando. Ele é apontado por deputados, senadores e militares como alguém que se opõe às mais recentes investidas políticas de Bolsonaro na caserna. Assim, estaria alinhado aos generais Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, e ao comandante Pujol. A escolha de Freitas é considerada pouco provável por generais.

Mudanças no 1º escalão

Numa segunda-feira de mudanças importantes no governo, ao fim do dia, o presidente Bolsonaro havia mexido no comando de seis pastas: Casa Civil, Defesa, Relações Exteriores, Secretaria-Geral de Governo, Justiça e Advocacia Geral da União.

Foram demitidos os ministros: da Defesa, Fernando Azevedo, e da Advocacia-Geral da União, José Levi, que contrariaram os interesses do presidente, e nomeada a deputada Flávia Arruda (PL-DF) como ministra da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso.

O ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, também foi demitido. Sua saída vinha sendo cobrada dentro e fora do governo. Na visão de parlamentares, especialistas e empresários, a atuação do chanceler na pasta, considerada ideológica, prejudicou o País na obtenção de insumos e vacinas para combater a covid-19. Em seu lugar entrará o diplomata Carlos Alberto Franco França, ex-cerimonialista da Presidência.

No Ministério da Justiça, Bolsonaro trocou André Mendonça — cotado como principal nome par assumir em julho a vaga com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello —, no Supremo Tribunal Federal, que volta a comandar a AGU, seu antigo cargo, e colocou no lugar o delegado da Polícia Federal Anderson Torres. Até então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Torres havia sido cotado para assumir a diretoria-geral da Polícia Federal em ao menos três oportunidades, e agora deve assumir um cargo hierarquicamente superior. Ele é próximo da família do presidente.

As outras mudanças foram apenas de nomes que já integravam o governo e foram realocados: o general Walter Braga Netto assume o Ministério da Defesa e o general Luiz Eduardo Ramos vai para o seu lugar, na Casa Civil, abrindo a vaga para Flávia Arruda na Secretaria de Governo.

A deputada é próxima ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), que na semana passada cobrou uma mudança de postura do governo federal no enfrentamento da pandemia. Na ocasião, alertou que a declaração era um “sinal amarelo” do Congresso ao chefe do Executivo e, sem citar o impeachment, disse que o Legislativo possui “remédios políticos amargos”, alguns “fatais”.

No mês passado, Bolsonaro já havia acomodado um nome do Centrão no governo, com a nomeação de João Roma (Republicanos-BA) no Ministério da Cidadania.

As seguintes nomeações serão publicadas no Diário Oficial desta terça-feira (30). Confira os nomes dos novos titulares:

Casa Civil da Presidência da República: assume o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, que é o atual ministro-chefe de Secretaria de Governo da Presidência da República;

Ministério da Defesa: Assume o general Walter Souza Braga Netto, que até então estava na titularidade da Casa Civil;

Ministério da Justiça e Segurança Pública: assume o delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres, no lugar de André Mendonça. Anderson Gustavo Torres é secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;

Ministério das Relações Exteriores: Assume o embaixador Carlos Alberto Franco França, substituindo Ernesto Araújo, que pediu demissão após pressão do Congresso.;

Secretaria de Governo da Presidência da República: assume deputada Federal Flávia Arruda, foi a presidente da comissão Mista de Orçamento, é deputada federal do DF. Ela substitui o general Luiz Fernando Ramos;

Advocacia-Geral da União: assume André Luiz de Almeida Mendonça, que era ministro da Justiça, no cargo de José Levi Mello do Amaral Júnior.

Análise

O Vice-Líder do Governo na Câmara dos Deputados, deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA), como toda a classe política foi surpreendido pela extensão da minirreforma feita pelo Executivo.

“A princípio achei estranho uma movimentação tão grande, mas de modo geral gostei das pessoas. Três foram designados para cargos da mesma importância. Acho que o ministro André [André Luiz de Almeida Mendonça] voltando para a AGU é bem melhor, e vamos ver como vai se sair a deputada Flávia Arruda — parlamentar de primeiro mandato — na coordenadoria política do Executivo com o Congresso. Ela tem boa articulação e me parece competente. Minha dúvida é apenas a experiência dela”, disse Passarinho ao Blog do Zé Dudu.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.