Com ajuda de Maia, veto ao aumento do funcionalismo foi mantido

No dia anterior, senadores autorizaram rombo de R$ 130 bilhões nas contas já deficitárias do governo

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Brasília – Com a ajuda do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e articulação na base do corpo-a-corpo na primeira prova de fogo do novo líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR), o governo conseguiu a primeira grande vitória do ano no Congresso. Os deputados anularam na sessão de quinta-feira (20), a derrubada do veto presidencial aprovada na noite anterior ao aumento do funcionalismo pelos senadores, que ocasionaria um rombo de R$ 130 bilhões. O placar foi de 316 votos pela continuidade e apenas 165 pela rejeição. Para que a derrubada ocorresse, seriam necessários 247 votos.

Com déficit de R$ 800 bilhões devido os gastos emergenciais em razão da pandemia do novo coronavírus, se o aumento ao funcionalismo fosse aprovado o país entraria em situação pré-falimentar. “A decisão dos senadores foi a maior irresponsabilidade que um parlamentar pode cometer contra o seu próprio país”, declarou Paulo Guedes, indignado, na quarta.

Críticas num dia de tensões

O dia foi tenso desde o início da manhã logo após a abertura do pregão da Bolsa. O dólar disparou após o mercado tomar conhecimento da decisão dos senadores na noite anterior.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em dois momentos diferentes ao longo do dia. Um deles no início da tarde, quando disse que o ministro se equivocou nos ataques que fez ao Senado, por conta da decisão dos senadores de derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro ao reajuste de servidores públicos. E o outro foi instantes antes de a Câmara finalizar a votação que manteve o veto.

Maia fez um pronunciamento na tribuna da Câmara em defesa do veto e disse que os deputados “foram atacados pela equipe econômica ao elaborar o projeto do auxílio emergencial”, que está sendo pago atualmente aos trabalhadores informais afetados pela pandemia de coronavírus.

As farpas que Maia direcionou a Guedes, no entanto, não fizeram com que o presidente da Câmara atuasse contra o governo na votação de quinta. Ao contrário: o democrata foi peça decisiva para que os deputados revertessem a decisão dos senadores de derrubar o veto de Bolsonaro.

Ele convocou reuniões com deputados de diferentes partidos, na sua residência oficial e na própria Câmara, para dialogar sobre a votação. A Câmara acabou mantendo o veto.

“O presidente Rodrigo Maia foi fundamental. Eu ia para Manaus na manhã de hoje (quinta), e ele pediu para que eu ficasse. Ele se dedicou integralmente a essa pauta. ‘Desceu’ da presidência da Câmara, usou o tempo de líder do DEM para falar com os deputados, foi essencial no processo”, declarou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).

Do lado do governo, representantes da gestão Bolsonaro no Legislativo se empenharam para “corrigir” a decisão do dia anterior dos senadores. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), passou a maior parte do dia na Câmara, ainda que os senadores não tivessem mais atuação na votação desta quinta e com uma deliberação sobre o Fundeb agendada na mesma hora no Senado. Já Ricardo Barros (PP-PR), empossado na terça-feira (18) como líder do governo na Câmara, também se desdobrou entre reuniões e ligações aos deputados de diferentes partidos.

Ramos e Gonçalves estiveram ao lado de Maia, Gomes e Barros na entrevista do início da tarde, quando o presidente da Câmara fez as críticas a Guedes. Junto a eles estavam também os líderes de MDB, Novo, PV e DEM. A aparição conjunta dos parlamentares foi uma sinalização de que a tendência da Câmara era a de manutenção do veto.

Batalha retórica

A votação do veto foi precedida de discursos dos deputados sobre a saúde das finanças brasileiras. Apoiadores do governo ou membros de partidos de centro que defendiam a derrubada alegavam que a concessão de aumentos a servidores no cenário de pandemia poderia prejudicar o desempenho do poder público no atendimento aos cidadãos. “Não existe respeito ao servidor com o Estado quebrado”, falou o líder da Maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Já os adversários da gestão Bolsonaro alegavam que a derrubada do veto não representava a concessão automática de aumento aos servidores, e que o governo poderia buscar outras fontes de economia. O deputado André Figueredo (PDT-CE) lembrou que o trecho da lei vetado por Bolsonaro foi aprovado pelo próprio Congresso: “Então quando votamos [no primeiro semestre] fomos irresponsáveis? O Senado foi irresponsável quando vetou?”.

Os oposicionistas também questionaram declarações de integrantes da equipe econômica de que a derrubada do veto representaria um prejuízo superior a R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Carlos Zarattini (PT-SP) e Glauber Braga (Psol-RJ), entre outros deputados, disseram que a origem da conta não foi esclarecida.

Na mão oposta, a questão da responsabilidade foi mencionada por muitos parlamentares que pediram a manutenção do veto. Para Marcelo Ramos, a votação desta quinta revela que a “bancada da responsabilidade” é majoritária na Câmara. “Existe um núcleo na Câmara, que é maioria, que é muito comprometido, que tem muito cuidado para não comprometer as contas públicas”, disse.

A análise de Hiran Gonçalves é semelhante: “as bancadas entenderam que o melhor que poderíamos fazer era passar um sinal de responsabilidade com as contas públicas.”

Suspensão do aumento ao funcionalismo era contrapartida para auxílio a estados e municípios

O veto mantido pelos deputados nesta quinta foi imposto por Bolsonaro a artigos da Lei Complementar 173, que foi aprovada em maio pelo Congresso e sancionada pelo presidente no mesmo mês.

A Lei regulamenta o auxílio de R$ 120 bilhões que a União concedeu a estados e municípios em virtude da pandemia de coronavírus. O socorro foi efetuado com repasses diretos e também com a suspensão de dívidas das prefeituras e governos estatais com a União e bancos públicos.

Como contrapartida, a proposta original do governo determinava que todos os braços do poder público não poderiam conceder reajustes salariais a servidores públicos até o fim de 2021. Mas a tramitação no Congresso fez com que algumas categorias de servidores fossem excluídas da restrição. O veto de Bolsonaro, mantido nesta quinta pelo Congresso, fez com que a limitação permanecesse.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.