Brasília – Na sessão extraordinária aberta logo após a cassação do mandato da deputada fluminense Flordelis (sem partido), por quebra de decoro parlamentar acusada de ser a mandante da morte do marido, o pastor Anderson Carmo, na noite de quarta-feira (11), o Plenário da Câmara aprovou em primeiro turno a proposta de emenda à Constituição (PEC 125/2011) que muda as regras eleitorais. O texto prevê a volta das coligações partidárias nas eleições do ano que vem, modelo que tinha sido abolido na última eleição municipal e somatório de recursos públicos aos partidos pode atingir a cifra bilionária de R$ 7 bilhões.
A volta das coligações foi mantida no texto apresentado pela relatora, deputada Renata Abreu (Pode-SP), como parte de um acordo para retirar a proposta mais polêmica da PEC, a troca do sistema proporcional de votação para o Legislativo pelo modelo chamado de “Distritão”.
O “distritão” é como se chama o modelo eleitoral em que a votação para o Legislativo deixa de ser proporcional, como é hoje, para ser majoritária, ou seja, os mais votados são eleitos. O sistema já havia sido rejeitado em duas outras oportunidades.
A possibilidade da troca do sistema proporcional para o “distritão” dividiu o Plenário. Muitos deputados apontaram que o modelo acaba com a diversidade de representação no Parlamento e enfraquece os partidos políticos.
“Nós conseguimos, a partir de 1930, ter o sistema proporcional, que vigora até hoje, porque consegue equilibrar os votos. Por exemplo, entram os mais votados proporcionalmente. Isso dá condições para as mulheres, para os negros, para os indígenas terem representação aqui. Com o ‘distritão’ nós vamos ter a representação de um ou dois por partido nos estados”, protestou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR).
De acordo com o deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), o “distritão” é inconstitucional.
“O ‘distritão’ é inconstitucional, fere o sistema representativo, fere a proporcionalidade. Apenas aqueles países que não tem uma democracia sólida tem um sistema parecido com o ‘distritão’. Nós não podemos, em nome da nossa democracia, em nome do estado democrático de direito, nós não podemos permitir que o ‘distritão’ seja aprovado por esta casa. Isso será uma vergonha na nossa história”, disse no encaminhamento da discussão da matéria, antes da abertura da votação.
Fim das coligações
O fim das coligações foi previsto na minireforma política de 2017 teve como principal justificativa na época em que foi aprovada dois argumentos. O primeiro seria a melhor maneira de reduzir o número de partidos, já que cada um deles, sozinho, teria que atingir o número mínimo de eleitos para atingir o cociente eleitoral e manter prerrogativas, como direito ao fundo eleitoral. O sistema valeu nas últimas eleições municipais.
A segunda justificativa era a de que o custo das eleições seria reduzido, o que acabou não acontecendo. Pior, o apetite dos partidos por verbas públicas para financiamento de partidos e da campanha eleitoral tornou-se insaciável.
Verba bilionária em plena pandemia
Os deputados da maioria dos partidos não tiveram nenhum constrangimento de, em plena maior pandemia da humanidade, com mais de 560 mil mortos apenas no Brasil, em aprovar, na votação da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), a previsão de triplicar a verba para financiamento dos partidos.
Além de aumentar o fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões em 2022, o Congresso se movimenta para adotar duas medidas que têm influência nas eleições do ano que vem: turbinar o Fundo Partidário, aquele pago todos os anos às legendas, e retomar a propaganda dos partidos no rádio e na TV fora do período eleitoral. As mudanças devem ampliar o montante de recursos públicos para as campanhas e pressionar o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.
Em 2021, o Orçamento prevê R$ 979,4 milhões para o Fundo Partidário. Para 2022, a estimativa é de que o fundo tenha R$ 1,061 bilhão, caso não haja mudança na lei. Um projeto aprovado no Senado em julho, porém, traz a volta da propaganda das siglas e aumenta os recursos do Fundo Partidário para financiar as inserções no rádio e na TV. “Não existe almoço de graça”, disse um deputado pedindo reserva de sua identidade.
Faz sentido. Os parlamentares preferem tratar do assunto em segredo porque a população não vai perdoa-los pelas manobras feitas nas sombras.
Se a proposta do fundo partidário receber o aval da Câmara e for sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o valor vai aumentar para R$ 1,3 bilhão no ano que vem, conforme análise da Consultoria de Orçamento do Senado. Somados os dois fundos (eleitoral e partidário), o gasto público com as eleições de 2022 pode chegar a R$ 7 bilhões, um patamar inédito.
Diferentemente do fundo eleitoral, pago apenas no período das disputas, o Fundo Partidário é transferido todos os anos para as legendas com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É um recurso para bancar o funcionamento dos diretórios e as atividades diárias das siglas. Em ano eleitoral, porém, o dinheiro pode ser usado para irrigar as campanhas. A única exigência é gastar 5% do total com a promoção da participação de mulheres na política, regra que o Congresso tenta flexibilizar no texto da PEC 125/2011.
A articulação para ampliar os valores ganhou força após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir o financiamento empresarial de campanhas. A retomada dessa proposta chegou a ser ensaiada no Legislativo neste ano, mas não andou. O presidente Jair Bolsonaro já prometeu vetar o aumento do fundo eleitoral, mas admitiu negociar uma reserva de R$ 4 bilhões, patamar exigido pelo Centrão.
Propaganda “gratuíta”?
Na gastança sem limites dos políticos para o exercício de suas atividades políticas e do próprio mandato, repleto de regalias e longe da dura dos brasileiros comuns, o Senado aprovou um projeto para recriar a propaganda partidária, extinta em 2017.
A proposta foi apresentada pelos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Wellington Fagundes (PL-MT) e é relatada por Carlos Portinho (PL-RJ), do alto comando do Centrão.
A proposta estabelece que o Fundo Partidário seja reforçado em ano eleitoral com os valores da compensação fiscal que as emissoras de rádio e TV receberam em 2016, por causa da propaganda. Em ano não eleitoral, a referência será 2017.
Se os valores forem aplicados, o Fundo Partidário terá R$ 1,291 bilhões em 2022 e R$ 1,658 bilhão em 2023, sempre aumentando nos anos seguintes, de acordo com a análise da consultoria do Senado. Os senadores aprovaram o aumento sob a justificativa de bancar o retorno da propaganda, que gera renúncia fiscal para a União. A Consultoria do Senado afirma, porém, que a compensação não é suficiente, em razão do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas independentemente da arrecadação.
Nos últimos anos, o Fundo Partidário tem sido reajustado pela inflação por causa do teto. É o que estabelece o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado no Congresso. O texto precisa ser sancionado ou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro até o próximo dia 20.
A intenção de retomar a propaganda partidária é tão efetiva no Congresso que os parlamentares aprovaram um dispositivo na LDO de 2022 para obrigar o governo a prever despesas com o ressarcimento das emissoras de rádio e TV pelas inserções. No parecer do projeto do Senado, o relator Carlos Portinho argumentou “que há necessidade do fortalecimento do Fundo Partidário para arcar com o novo gasto previsto”.
“A propaganda nunca foi gratuita. (O eleitor) não tinha ideia dos volumes de compensação. E a gente está falando de dinheiro público e de tributo”, disse o senador ao defender no plenário do Senado o aumento do Fundo Partidário para financiar o retorno da propaganda das legendas no rádio e na TV.
Outras mudanças
Além da volta das coligações, o texto traz outras mudanças, como a previsão de que votos dados a mulheres e negros serão contados em dobro de 2022 a 2030 para fins de distribuição de fundo partidário e fundo eleitoral.
Para que seja concluída a votação em primeiro turno da PEC que muda as regras eleitorais, os deputados ainda precisam analisar destaques que podem mudar a proposta, o que deve ser superado sem maiores problemas porque os acordos já estão firmados para a aprovação da matéria.
Depois disso, a proposta precisa ser votada ainda em segundo turno, o que deve ocorrer na semana que vem e depois segue para votação em dois turnos no Senado. A matéria tem que ser aprovada até outubro para valer para as próximas eleições.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.