Receita real de Parauapebas humilha previsão da prefeitura: mais de R$ 1,5 bilhão

Apesar de prefeitura estar entre 50 mais endinheiradas do Brasil em 2019, progresso social não está nem entre 1.000 melhores. Descompasso entre riqueza e desenvolvimento é nítido.

Continua depois da publicidade

Era 20h14 de sexta-feira (29) quando técnicos do governo de Darci Lermen publicaram o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do 5º bimestre, prestando contas das entradas e saídas dos cofres públicos, mês a mês, em obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E a notícia que se tem, ao menos em volume financeiro, é a mais feliz de todos os tempos: em 12 meses corridos, entre novembro de 2018 e outubro de 2019, a Prefeitura de Parauapebas arrecadou exatos R$ 1.608.795.077,13 em receita bruta e R$ 1.504.531.842,10 em receita corrente líquida.

É um valor épico, que talvez jamais se repita e que, mesmo sem que o ano esteja encerrado, já está R$ 300 milhões acima da previsão orçamentária feita pelo governo Darci para 2019. Pela Lei Orçamentária Anual (LOA), a prefeitura ensejava faturar no atual exercício R$ 1.307.550.000,00 em receita bruta e, feitas as deduções legais, R$ 1.212.400.000,00 em receita líquida. A receita real, a que efetivamente foi arrecadada pela prefeitura no período, humilhou a previsão.

As informações foram levantadas com exclusividade pelo Blog do Zé Dudu, que analisou na manhã deste sábado (30) todos os 14 anexos do balanço encaminhado ao Tesouro Nacional e ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) para apreciação. Hoje é o último dia para que as prefeituras brasileiras encaminhem o RREO do 5º bimestre ao Tesouro.

Infartada de tanto dinheiro em outubro

Considerando-se apenas o período de janeiro a outubro deste ano, o prefeito Darci Lermen viu entrar nos cofres R$ 1.340.941.918,95 em receita bruta e R$ 1.252.880.420,33 em receita líquida. Só a receita em dez meses já é maior que as previsões furadas da LOA. E tem mais: em outubro, a Prefeitura de Parauapebas “infartou” de tanto dinheiro. No mês, a receita bruta chegou a magníficos R$ 219.456.127,41 e a líquida, R$ 210.292.629,71. Isso se deveu ao fato de que a cota-parte dos royalties de mineração de setembro só foram creditados no mês seguinte, praticamente junto com a cota de outubro. Assim, em 24 horas, foram repassados R$ 137.401.277,78 em royalties à administração de Darci e fez seu outubro feliz.

Para quem, em meio a esse horror de números, ainda não tem noção do quanto a receita total de outubro do município de Parauapebas significa, basta entender que apenas a arrecadação daquele mês seria mais que suficiente para sustentar 128 (89%) das 144 prefeituras do Pará durante um ano inteiro. E vale comparar: a receita líquida da Prefeitura de Redenção, principal município do sul do estado, mal chega a R$ 185 milhões em 12 meses.

De maneira ainda mais didática, todas as contas de um ano do município de Redenção caberiam no bolso de um simples outubro do governo de Darci. E sobrariam R$ 25 milhões de troco, o suficiente para sustentar, também, Pau D’Arco durante um ano inteiro.

Dinheiro em excesso: viciante e perigoso

O que, apesar de grandioso, é mais perigoso nesse jogo de finanças é a cada vez mais evidente dependência de Parauapebas de recursos externos. O total das transferências — nisso inclusos royalties, cota-parte de fundos e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — alcança R$ 1.371.423.224,34, o equivalente a 85% da arrecadação. Na prática, a competência local para gerar receita própria é de apenas 15%. Mas, no fundo, pode ser ainda menor que isso porque, mesmo entre as receitas próprias, uma delas e a principal, o Imposto Sobre Serviços (ISS), tem quase 80% do dedo da mineradora multinacional Vale. No frigir dos ovos, num eventual afastamento da empresa do município, considerando-se o cenário financeiro de hoje, Parauapebas perderia R$ 672.946.260,38 em royalties; 75% dos R$ 402.167.287,99 de ICMS; e até 80% dos R$ 112.332.988,94 do ISS arrecadado.

Sem atrativos, já que a Vale é a maior empregadora e mantenedora da economia local, a população começaria a ir embora e levar seus filhos. Diminuiriam, por tabela, as cotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que se baseia em número de população, e do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que se sustenta no número de matrículas na educação básica. E outras tantas fontes de receita despencariam, evidenciando a fragilidade na montagem dos tantos bilhões que hoje chegam à conta.

Finanças entre 50; progresso nem entre 1.000

Historicamente, não é segredo, o volume financeiro de dinheiro de que se empanturra Parauapebas é incompatível com as condições de vida oferecidas aos munícipes. E isso perpassa governos. Com quase R$ 10 bilhões em receitas arrecadadas esta década, Parauapebas teria condições para ser ambiente europeu — inclusive daria para adquirir até o frio dos climas temperados nórdicos.

Todavia, na realidade, o município está longe, e muito, de ostentar sequer indicadores de desenvolvimento humano que fiquem entre os 1.000 melhores do Brasil, mesmo a receita arrecadada posicionando-se entre as 50 maiores. Órgãos como o Programa Nacional de Desenvolvimento Humano (Pnud), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) estão aí, com arsenal de estudos, para provar e comprovar.

Está mais do que na hora de toda essa dinheirama de Parauapebas ser revertida em planejamento social sustentável porque os recursos de onde ela advém — o minério de ferro — são escassos. O presente endinheirado, mas desengonçado e atrasado, projeta hoje o fiasco de um futuro sórdido e tenebroso.