Projetos de indicação viram “overdose” na Alepa

Deputados abarrotam pauta com sugestões sem força de lei ao Executivo e, apesar das boas intenções, chegam a confundir a sociedade. Em apenas três meses, 89 já foram apresentados à Casa contra os 38 de todo o ano passado.

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Com 22 novos deputados, a Assembleia Legislativa do Pará começou a legislatura em 2019, iniciada em fevereiro, chamando atenção para apresentação de um grande número dos chamados projetos de indicação: nada menos que 89 foram protocolados na Casa em apenas três meses, bem mais que o dobro do que foi apresentado ao longo de 2018, que terminou o ano com 38 projetos de indicação.

“O que está acontecendo com os projetos de indicação é uma overdose”, comparou o deputado Martinho Carmona (MDB), que está em seu quinto mandato e ainda não tinha se deparado com tantas iniciativas dessa natureza na Alepa. “Temos que ter uma conversa com os colegas para modular o uso dos projetos de indicação, para ter um parâmetro”, sugeriu ele, para quem o excesso dessas matérias começa a se tornar “até motivo de chacota porque não tem sentido isso aí”.

“Essa questão dos projetos de indicação era algo que já estava chamando a minha atenção”, endossou o deputado Gustavo Sefer (PSD), que disse entender a preocupação dos colegas em levar demandas para suas bases políticas, porém, considera que essas matérias “não funcionam” na prática porque servem apenas para dar alguma sugestão ao governador.

Sugestão que dificilmente é acatada pelo chefe do Executivo diante das prioridades do governo estabelecidas no Plano Plurianual e com orçamento anual previsto em lei, debatida e votada pelo Legislativo. Enquanto isso, os projetos de indicação abarrotam a pauta da Casa e colaboram para atrasar a votação de matérias propriamente legislativas.

O primeiro a alertar para o excesso de projetos de indicação foi o deputado Raimundo Santos (Patri), na sessão da última quarta-feira, 29, quando entrou em votação a proposição do deputado Alex Santiago (PR), que sugere ao governador Helder Barbalho a construção do Hospital Regional de Ourilândia do Norte.

Ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alepa e em seu quarto mandato na Casa, Raimundo Santos, que é advogado, foi à tribuna para orientar tecnicamente os deputados sobre esse tipo de matéria diante da confusão que principalmente os parlamentares novatos vêm fazendo em torno dos assuntos que podem ser tratados pelos projetos de lei e de indicação, requerimentos e moções (única matéria não submetida ao plenário).

Conforme explicou Raimundo Santos, indicações, requerimentos e moções nada mais são do que pedidos encaminhados ao Executivo, mas há distinções. No projeto de indicação, o deputado tem que sugerir ao governador algo que depende de elaboração e aprovação de lei, mas cuja competência de iniciar o processo é do Executivo e não do Legislativo. “Construção de hospital, por exemplo, é matéria de requerimento”, apontou o patriota.

Isso porque o requerimento, voltou a explicar Raimundo Santos, é um pedido ao Executivo para que execute algo de sua competência sem a necessidade de lei específica, como a construção de obras, pavimentação de estradas, reformas em escolas e liberação de máquinas para agricultura.

Sociedade confundida

Fato é que muitos projetos de indicação acabam também por confundir a própria sociedade, como ainda vem ocorrendo com a proposta aprovada no final de abril deste ano, que cria a jornada de trabalho estadual de 30 horas semanais para enfermeiros e técnicos e auxiliares de enfermagem.

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) estampou em seu site: “30h semanais aos profissionais de enfermagem é aprovada no Pará”. No dia da votação da matéria nem o alerta feito da tribuna por Raimundo Santos de que a decisão não tem força de lei tirou a animação da categoria, que lotou uma das galerias da Assembleia. “Os enfermeiros saíram daqui crendo que o governador vai sancionar (a carga horária)”, atinou Martinho Carmona.

Raimundo Santos foi além: “A própria aprovação já foi equivocada, direcionada ao governador, quando essa é uma matéria do Direito do Trabalho, que é de competência do Congresso Nacional, da União legislar. Como indicação, deveria ter sido feita à União e não ao governador porque é Direito do Trabalho”.

Para Raimundo Santos, é preciso que o Poder Legislativo tenha maior responsabilidade sobre as matérias legislativas. “É importante que façamos o que realmente é correto”, defendeu ele, que há sete anos tenta aprovar, sem sucesso, o novo Regimento Interno da Assembleia, cuja minuta já está pronta e voltou a ser debatida entre os deputados.

“A nossa esperança é aprovar o novo Regimento, que será muito mais claro, mais fácil de vislumbrar o que deve ser feito e o que não deve ser feito tecnicamente em cada projeto, em cada matéria”, disse o parlamentar. “Ou a gente para, para dar um limite na apresentação dos projetos de indicação, ou ninguém mais vai apresentar moção, requerimento porque, com projeto de indicação, pode tudo”, disse Martinho Carmona, em tom de crítica.

Saída para dificuldade em legislar

Dos 41 deputados que compõem a Alepa, 16 indicaram alguma proposta ao Executivo por meio desse tipo de matéria. O campeão disparado até agora é o novato Fábio Freitas (PRB), autor de 51 projetos de indicação, seguido pelos deputados Nilton Neves (PSL), Alex Santiago (PR) e Renilce Nicodemos (SD), cada um com seis propostas; por Dirceu Ten Caten (PT) e Delegado Caveira (PP), com quatro, cada um; Eraldo Pimenta (MDB) e Hilton Aguiar (DEM), com três; e ainda por Michele Begot e Gustavo Sefer, do PSD, Carlos Bordalo (PT), Igor Normando (Podemos), Jaques Neves (PSC), Luth Rebelo (PSDB), Thiago Araújo (PPS) e Cilene Couto (PSDB), que apresentaram um único projeto de indicação.

Os projetos de indicação são apontados por cientistas políticos como um dos principais instrumentos usados pelos legisladores – estaduais e municipais de todo o País – para criação de uma conexão entre o mandato, a sociedade e o Poder Executivo, em que o parlamentar procura justificar seu mandato ao eleitorado, de forma mais imediata, diante das muitas dificuldades que encontra para legislar frente aos obstáculos impostos pelas constituições, federal e estadual, que dão muito mais competência ao Executivo de legislar do que ao próprio parlamento.

“Uma das causas dessa situação é, de fato, a limitação do Poder Legislativo de legislar sobre diversas matérias precisas na Constituição. E essa limitação é potencializada por interpretações equivocadas”, analisa o advogado Walmir Brelaz, da bancada do PT na Alepa, referindo-se à rejeição de projetos de lei que, se melhor estudados, poderiam ser aprovados pelo Legislativo sem incorrerem em inconstitucionalidade.

Entre os equívocos, exemplifica Brelaz, está a rejeição de matérias que legislam sobre tarifas de energia e de água diante do entendimento da maioria dos deputados de que esse assunto é de competência da União. “Quando, na verdade, está tratando de Direito do Consumidor, de iniciativa também parlamentar”, diz o advogado, que também considera um equívoco a derrubada de projetos de lei que dão atribuição a secretarias sobre assuntos inerentes à própria pasta.

Outros projetos que costumam ser rejeitados pela Alepa são os que mexem com lei tributária. “Mas o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que deputado pode legislar sobre direito tributário e até em casos de aumento de despesa, quando previsto em orçamento. Mas são rejeitados internamente”, diz Brelaz.

É por essas e outras razões, avalia o advogado, que o parlamentar “socorre-se do indicativo” para ver executado aquilo que se comprometeu com a sociedade apesar dos papeis do Legislativo e Executivo estarem bem definidos na Constituição.

Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém

Foto: Assessoria de Imprensa/Alepa