Ministério da Justiça suspende, por tempo indeterminado, 180 centrais de telemarketing

Comportamento abusivo das empresas inferniza vida do consumidor, com ligações disparadas qualquer dia e em qualquer horário
Central de telemarketing

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Brasília – Responsáveis por infernizar a rotina de milhões de brasileiros, um contingente considerável de centrais de telemarketing contava com a lentidão das autoridades regulatórias para usar e abusar da paciência do consumidor. Ligações não autorizadas a qualquer dia e hora, muitas disparadas por sistemas de robôs, se tornaram um tomento que agora começa a ter termo a partir de ação efetiva deflagrada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

De uma só vez, o ministério suspendeu, por tempo indeterminado, as atividades de 180 empresas do setor de telemarketing, por comportamento abusivo. A informação foi confirmada pelo ministro que chefia a pasta, Anderson Torres.

A suspensão entrou em vigor na segunda-feira (18). De acordo com o ministro, a multa pode chegar até R$ 13 milhões. A decisão foi tomada por possível infração ao Código de Defesa do Consumidor, pelo número de contatos excessivos por telefone, mesmo após o cadastro dos números na plataforma “Não me Perturbe“, que visa impedir chamadas de telemarketing. De acordo com o site consumidor.gov.br, o número de reclamações por excesso de ligações de telemarketing abusivo cresceu 27% entre janeiro e junho deste ano, o que representa uma média e 900 registros mensais. O despacho publicado no Diário Oficial da União determina que os consumidores só poderão serem abordados por telefone se tiverem manifestado interesse nesse sentido.

A especialista em Direito do Consumidor e fundadora da PG Advogados, Ellen Gonçalves Pires, afirma que a medida tem um grande impacto e que é preciso levar em conta diversos fatores. “É preciso muita serenidade e razoabilidade para analisar as consequências desta suspensão, pois seu impacto é multistakeholder. Ela afeta não apenas as empresas de call center e suas clientes, mas também a economia de modo geral”, diz Ellen.

De acordo com a Associação Brasileira de Telesserviços, o setor de telemarketing emprega 1,4 milhão de pessoas e a suspensão pode levar a uma série de demissões. Para Ellen, o momento exige busca pela harmonização das relações de consumo. “O equilíbrio nas relações de consumo só será alcançado mediante o diálogo de todos os envolvidos. Práticas abusivas devem sim ser combatidas e ao fazê-lo não se pode desequilibrar as relações de consumo e impactar negativamente a economia. O telemarketing ativo é uma importante ferramenta no cenário econômico, portanto o debate em torno desta matéria deve ser amplo e cuidadoso”, conclui.

Denúncias

A defesa da advogada não toca numa chaga do setor, o subsalário. Há denúncias de trabalhadores das empresas de telemarketing Zanc e Atento informando que o salário dos operadores segue menor que um salário mínimo:

“Aqui no serviço o que mais tem pegado hoje é a questão de salário, a gente está recebendo 998,00. Muito absurdo, tipo de pagar um valor muito abaixo do que realmente temos para receber, tipo uma colega que é mais velha de casa ela tem quase 600 reais de retroativo e ia receber 240”.

É realmente muito absurdo não pagarem nem sequer um salário mínimo que esses trabalhadores têm direito, mas é ainda mais absurdo em meio à pandemia e com o aumento dos preços dos alimentos e itens básicos. A cesta básica de alimentos teve um aumento de mais de 32% em um ano, de 2019 à 2020. Não há trabalhador que não sinta no bolso.

“Com as altas dos valores dos alimentos, o que mais se ouve na operação é como fechar as contas no final do mês, e que tá tudo mundo estressado pelo fato de não dar conta de pagar as contas”, relata uma das denúncias.

Mas ainda não contentes em não atualizarem os salários dos operadores, as empresas de telemarketing também tentam diminuir bonificações e direitos. Tem casos que a patronal simplesmente não paga a comissão que está em contrato mesmo quando o funcionário atinge as metas já abusivas que são estipuladas. E mais, demite que aqueles que vão reclamar.

“A patronal, que é Sinstal (LIQ, Alma viva e Atento) está tentando passar alguns ajustes, mas todas essas propostas foram recusadas na assembleia da Sinttel (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações). Mas as nossas metas cresceram e no caso de quem tá home-office o tempo que você não fica logado por queda de luz e internet você tem que pagar”, prossegue a denúncia.

“Aqui estão cortando comissão e bonificação mesmo quando bate as metas, sem nem dar justificativa, e se você reclamar você é mandando embora”, diz a reclamação.

“E existem também denúncias que as empresas de telemarketing estão usando a pandemia para chantagear os trabalhadores para baterem suas metas, dizendo para quem está em home-office, que caso não batam as metas, vão ter que voltar para o presencial. Essa prática é um assédio moral explícito, chantageando com a vida e a saúde do trabalhador e a exposição de seus familiares, o que é inaceitável”, prossegue a denunciante.

O caso já chegou ao conhecimento da justiça trabalhista e deve motivar a abertura de processo na vara trabalhista.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.