Lula vai assumir pessoalmente a articulação política do governo

“Presidente avalia que a ‘vaca vai pro brejo’ se ele não interferir enquanto é tempo”, diz fonte
O dilema de Lula: é aquele ou são eles?

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Brasília – Uma fonte próxima ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, na condição do anonimato, que ao voltar ao Brasil, após a viagem ao Reino Unido, na próxima semana, “ele mesmo vai assumir a articulação política de seu governo, antes que a ‘vaca vá pro brejo’ e a situação se agrave”.

Está certo que haverá mudanças, mas antes que elas sejam anunciadas, Lula que conversar com ministros mais próximos e dirigentes e líderes de MDB, PSD, União Brasil e PSB — considerados partidos de uma base hipotética que está repleta de congressistas “independentes”, segundo relato dessa mesma fonte.

As mudanças, não se sabe qual o alcance, chegarão, ainda segundo a fonte, após uma semana de duas derrotas do governo em votações na Câmara dos Deputados. A primeira, no PL das Fake News, que ainda não foi completa porque o projeto ainda não votado, uma vez que foi retirado para evitar que caísse.

A segunda, contundente, desfez as mudanças editadas em dois decretos presidenciais no Marco do Saneamento Básico — matéria cara aos deputados e só criticada por extremistas como Psol, PCdoB e o próprio PT.

A cobrança será olho no olho. Lula chamará para conversas os presidentes e líderes de MDB, PSD, União Brasil e PSB e cobrará fidelidade nas votações. Juntos, os quatro partidos controlam 12 dos 37 ministérios e impuseram o primeiro revés de peso ao Palácio do Planalto, contribuindo para o desgaste do governo nas derrotas desta semana.

Os primeiros movimentos na mudança de direção da articulação política, tiveram início na quinta-feira (4), na primeira plenária de instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável, uma espécie de “vem pra cá e cala a boca”, reeditado pelo governo, para angariar simpatias à agenda dita progressista do PT.

Com um Conselhão turbinado por 246 membros, de fio a pavio, se acotovelando no salão nobre do Itamaraty, Lula admitiu as dificuldades na tramitação de projetos do Executivo no Congresso e provocou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Sentado ao lado do ministro, anfitrião daquele encontro, o presidente mencionou de forma indireta as queixas sobre a falta de articulação política do Planalto e disse que Padilha fez um trabalho “extraordinário” para montar o Conselhão.

Numa fina ironia disse: “Eu espero que ele tenha a [mesma] capacidade de organizar, de articular, que ele teve no Conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí vai facilitar muito a vida”, afirmou Lula. A plateia e o próprio Padilha sorriram, entendendo o recado.

Na prática, Lula se referia aos problemas da base aliada apontados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nesta semana, o governo enfrentou percalços com o adiamento da votação do Projeto de Lei das Fake News, por falta de apoio até mesmo entre aliados, e também com a derrubada de trechos dos decretos que alteravam o Marco Legal do Saneamento. Os fracassos escancaram o racha na base de sustentação de Lula e o fogo amigo no PT, que busca culpados para a crise, na velha prática de apontar o dedo para todos e jamais fazer um mea culpa.

A cúpula petista defende trocas de ministros, principalmente do União Brasil, que controla Comunicações, Turismo e Integração. O partido tem uma bancada de 48 deputados e todos votaram contra o governo na sessão que derrubou a revisão do Marco do Saneamento. O projeto seguirá agora para análise do Senado, mas, mesmo que os senadores alterem o texto, a matéria volta para a Câmara onde deve ser derrubada novamente.

Diante desse jogo bruto e a caixinha de surpresas em que se transformou cada abertura do painel de votações — especialmente na Câmara dos Deputados — dirigentes petistas querem aproveitar o pedido de desfiliação da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), para entregar a pasta a outra legenda. Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizar, Daniela pretende ir para o Republicanos, mas o partido — ligado à Igreja Universal — também ficou contra o Planalto no projeto que regulamenta as redes sociais e se declara “independente” em relação ao governo.

Em conversas reservadas, Lula disse que não pretende demitir ministros agora, mas quer saber o motivo das traições na base aliada. As reuniões com dirigentes e líderes de MDB, PSD, União Brasil e PSB ocorrerão logo depois que o presidente voltar da viagem a Londres, onde vai participar, no sábado (6), da cerimônia de coroação do rei Charles III.

Base insaciável

O Planalto começou a liberar uma parte dos R$ 10 bilhões em emendas a deputados e senadores, além de cargos no segundo escalão, como os da Sudam e da Sudene, conforme prometido a Lira para insaciáveis congressistas. A verba é herança do antigo orçamento secreto e está hoje sob o guarda-chuva dos ministérios.

Em encontro reservado com Lula na semana passada, Lira teria dito claramente ao presidente que se ele não combinar uma espécie de emendas secretas do relator numa versão light — que não incorra em práticas ilegais, o governo continuará apanhando nas votações, tudo isso, numa momento crucial de véspera de cotação do Arcabouço Fiscal e do Relatório Final da PEC da Reforma Tributária, fundamentais para destravar a economia e baixar a taxa básica de juros (Selic).

Mesmo assim, partidos com cargos no primeiro escalão se posicionaram contra a orientação do governo ao votar na sessão convocada para analisar os decretos de Lula. O PSB, por exemplo, tem três ministérios – Justiça, Portos e Aeroportos e Indústria e Comércio – pasta chefiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Dos 14 deputados da bancada, três votaram “não”, irritando Lula. Há uma piada correndo em grupos políticos no Instagram que publicaram um meme em que Lula aponta o dedo e diz com uma voz idêntica a sua: “Até tú Judas?”O MDB controla Cidades, Transportes e Planejamento e, dos 32 deputados do partido, 31 ficaram contra Lula. O PSD, por sua vez, comanda Minas e Energia, Agricultura e Pesca e, dos 27 parlamentares presentes à sessão, 20 foram infiéis ao governo. “Com aliados desse naipe, eu não preciso de oposição”, teria dito Lula a interlocutores na quinta-feira (4).

O primeiro teste do Executivo no Congresso era para ter sido mais simples do que os obstáculos previstos na tramitação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária. Mostrou, no entanto, vários desacertos no meio do caminho. No fim das contas, foram 295 votos contrários ao Planalto no Marco do Saneamento e 136 a favor.

O projeto que suspendeu partes dos decretos de Lula teve como relator o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), sobrinho do ministro da Defesa, José Múcio. “A Câmara votou pelo respeito ao Parlamento. Não se faz decreto em cima de uma lei”, resumiu Monteiro.

No dia anterior, Lira tinha adiado a votação do PL das Fake News a pedido do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator da proposta. Embora nesse caso a derrota não possa ser debitada propriamente da conta do Planalto, o fato de o governo ter pedido para Silva encaixar no texto uma agência de supervisão das plataformas contaminou as discussões. A ideia foi carimbada pela oposição como “Ministério da Verdade” e a proposta ganhou o rótulo de “PL da Censura”.

Pagar para ver

Há uma queda de braço entre Lira e Padilha, além da desconfiança mútua. A leitura no Planalto é a de que Lira cria empecilhos porque quer ter de volta o controle do Orçamento. Silva e o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), são seus aliados. No caso do PL das Fake News, o presidente da Câmara quis prestar um serviço ao Planalto e adiou a análise do tema, mas, na votação dos decretos, agiu para derrubá-los.

“É um recado? Evidente que é, por várias razões. Os líderes que encaminharam contra o governo vão ter de decidir se são ou não governo”, disse Guimarães no plenário. “A votação do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) hoje aqui na Câmara mostra que temos que fazer um freio de arrumação dentro do governo”, escreveu o deputado horas mais tarde, em post publicado nas redes sociais. E concluiu: “Vida que segue”, numa rara mea culpa.

Aliados de Lula afirmam que Guimarães quer ocupar a cadeira de Padilha e, para tanto, tem o apoio de Lira. O líder do governo nega que atue para dar uma rasteira no ministro.

Na busca de culpados sobrou até mesmo para Orlando Silva. Na avaliação de interlocutores do presidente, o relator deveria ter ouvido mais vezes as bancadas evangélica e do agronegócio, antes de as propostas virem à tona. “Os líderes dizem que se esse PL das Fake News ainda está de pé é pela consideração que têm comigo”, reagiu Silva. “A turma quer é esconder sua incapacidade, apontando o dedo para os outros.

”Nas próximas duas semanas o governo tem que superar esses obstáculos. O mês de maio está correndo e o governo ainda não conseguiu emplacar as entregas prometidas no palanque que acabou por vencer as eleições, mas a impaciência de muitos também tem limites.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.