Julgamento do orçamento secreto no STF pode atrasar votação da PEC da Gastança na Câmara

Deputados atribuem impasse ao presidente eleito, que, em campanha, chamou o mecanismo e excrescência
Semana decisiva para o novo governo pode esbarrar na Câmara dos Deputados

Continua depois da publicidade

Brasília – Um impasse que representa uma monumental dor de cabeça ao novo governo pode atrasar e comprometer a votação da PEC da Gastança na Câmara dos Deputados, já aprovada no Senado Federal na semana passada.

Os deputados federais querem esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as emendas de relator, (RP-9) apelidadas de “orçamento secreto”, para votarem a PEC. Na quarta-feira (14), a corte julga a constitucionalidade desse tipo de repasse a deputados e senadores. Na mesma data acontece a votação da emenda constitucional. Os deputados acreditam que o STF seja majoritariamente contra as emendas, matéria que julgam ser da alçada do Congresso, e não estão dispostos a se sujeitarem ao que consideram “mais uma interferência indevida do tribunal em assuntos do legislativo”.   

Dependendo do andamento do julgamento no STF, a votação da PEC ficaria para a última semana do ano no Legislativo, que entra em recesso em 23 de dezembro. E aqui há outro impasse: se os deputados alterarem o texto a matéria volta ao Senado e não haverá tempo para ser votada, devido o recesso.

Senadores e deputados terão até o dia 23 de dezembro para votar, além da PEC, o Orçamento de 2023. Caso contrário, o Congresso não poderá entrar em recesso, conforme estabelece o Regimento Comum do Congresso Nacional.

Figura oculta

Os deputados não admitem oficialmente, mas o que está por trás do impasse tem nome e endereço. Trata-se do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que, ainda na campanha eleitoral, taxou as emenada RP-9 de “excrescência” que “banida” em seu governo, caso fosse eleito.

Dito e feito. Quando o Tribunal Superior Eleitoral proclamou o vencedor das eleições de 2023, dando a vitória ao candidato do PT, na semana seguinte ao resultado, Lula se encontrou com vários ministros do TSE e do STF, apoiando de antemão a possível decisão do STF de tornar as emendas de relator inconstitucionais.

Partes das conversas vazaram e o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) teria ficado furioso, sendo necessária a entrada em ação da turma de “bombeiros” do Legislativo, que o procuraram para desmentir a trama. Pelo sim, pelo não, o clima entre o presidente eleito e o presidente da Câmara azedou de vez.

Lula jantou, de maneira reservada, na última quinta-feira (8), com o ministro Roberto Barroso. A cúpula da Câmara suspeitou de uma ação do presidente eleito a favor de o tribunal derrubar as emendas de relator. Barroso será o próximo presidente da Corte e é muito próximo à ministra Rosa Weber, que decidiu colocar o tema em julgamento.

Nos bastidores, o PT nega qualquer influência sobre o tema, mas os deputados lidarão com o tema cautelosamente. O STF começou o julgamento das emendas na semana passada. AGU e PGR, próximas ao presidente Jair Bolsonaro, defenderam a manutenção do mecanismo. As advocacias da Câmara e do Senado, idem.

A ministra Rosa Weber, relatora do processo, ainda não leu o seu voto. Fará isso na retomada do julgamento na quarta. Há grandes chances de o julgamento não se encerrar ainda nesta semana.

Além disso, ainda há movimentações políticas propondo ao STF uma saída intermediária: não sustar a liberação, mas aumentar a transparência e os critérios. Isso já foi incorporado pelo Congresso para as emendas de relator em 2023, com o início do processo indicando o nome de cada deputado ou senador que pediu os recursos.

Enquanto isso, na Câmara, esta semana será de discussão sobre o texto da PEC da Gastança que veio do Senado. OS deputados ouvidos pela reportagem do blog acham ser quase impossível que o texto passe pela análise dos deputados sem alguma mudança.

Deputados tendem a mudar o texto da PEC aprovado no Senado

Os pontos de maior divergência são o valor do rombo no teto, alguns querem manter em até R$ 100 bilhões, e o tempo de vigência, reduzir de dois para um ano. Esta última ideia, entretanto, teria perdido força pela falta de repercussão negativa depois da aprovação no Senado.

Dependendo da forma que essas mudanças sejam feitas no texto, este teria que voltar ao Senado a menos de uma semana para o fim do ano no Legislativo.

Segundo o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), a semana será de negociações e a contagem de votos começou no domingo (11). O intuito é que se aprove o texto vindo do Senado, mas pondera que só nesta segunda-feira (12) que a PEC deve chegar ao plenário e ter seu relator designado. A partir daí é que a proposta começaria a ser discutida na prática. Normalmente, PECs na Câmara precisam passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e depois em uma comissão especial. Só então vão a Plenário.

Na prática, Arthur Lira pode acelerar o processo, mas se estiver “escabriado” pode tornar a tramitação lenta e colocar a aprovação da PEC em risco. O governo eleito sabe disso e tentar correr atrás do prejuízo.

Caso facilite a vida do novo governo, Lira não seguirá o rito mais demorado. Será apensada a uma PEC que já está no último estágio de tramitação. Por isso seguirá diretamente ao plenário da Casa. Precisa de 308 votos favoráveis em dois turnos de votação para ser aprovada.

O que está em jogo no julgamento do STF?

As emendas de relator são ferramentas criadas pelo Orçamento Impositivo, implementadas a partir de 2020, discutido em 2019 — até então, só existiam as emendas individuais, de bancada e de comissão; a execução das duas primeiras passou a ser obrigatória após as Emendas Constitucionais 85 e 100, de 2015 e 2019 respectivamente. E a discussão sobre o chamado “orçamento impositivo” é essencial para se entender o espírito que move o uso das emendas de relator. Antes da execução obrigatória, era corriqueiro que o governo trocasse a execução destas emendas por apoio político em votações importantes. Especialmente esclarecedor a esse respeito é um episódio de 2014 em que um decreto de Dilma Rousseff condicionou a liberação de R$ 444 milhões em emendas à aprovação de um projeto de lei que alterava o cálculo de metas orçamentárias daquele ano.

Elas foram apelidadas de “orçamento secreto” pois, diferentemente de outras emendas parlamentares, não tem critério definido para a distribuição ou destino do dinheiro, o que dificulta a fiscalização sobre a execução da verba.

O plenário do STF iniciou o julgamento de quatro ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator do Orçamento, também conhecidas como orçamento secreto na quarta-feira (7). O julgamento será retomado na quarta-feira (14).

A relatora das ações é a ministra e presidente da Corte, Rosa Weber, que liberou a continuação das emendas em dezembro do ano passado após o Congresso se comprometer a aumentar a transparência sobre a distribuição e o destino das verbas.

A Câmara dos Deputados, de acordo com a nota técnica n° 63/2021 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, de 8 de novembro de 2021, afirma que as emendas do relator “tradicionalmente, são utilizadas com a finalidade de corrigir erros ou omissões de ordem técnica do projeto de lei orçamentária, ou seja, um instrumento colocado à disposição dos relatores para que possam cumprir a função de organizar e sistematizar a peça orçamentária”.

O mecanismo é criticado por permitir que o governo distribua dinheiro público a seus aliados conforme entender, permitindo, assim, que o Planalto utilize essas emendas nas negociações pela tramitação de propostas de seu interesse no Legislativo.

O julgamento das ações no STF

Em novembro de 2021, o plenário do Supremo referendou a liminar da ministra Rosa Weber que suspendeu a execução dos recursos orçamentários das emendas do relator. O placar foi de 8 a 2 na época, apenas Gilmar Mendes e Nunes Marques foram contra.

Em dezembro do ano passado, a relatora liberou a continuidade das emendas depois que o Senado e a Câmara dos Deputados se comprometeram a seguir novas regras de transparência. Weber justificou a mudança com o risco de prejuízo à continuidade da prestação de serviços essenciais à população e à execução de políticas públicas. O plenário da Corte manteve a decisão por 8 votos a 2, o ministro Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia foram contrários.

O plenário do STF iniciou na última quarta o julgamento do mérito das ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator. Elas foram impetradas pelos partidos PSOL, PSB, Cidadania e PV.

O Congresso Nacional enviou ao STF um pedido para que as ações sejam rejeitadas, alegando que o Legislativo já cumpriu a decisão do Supremo para dar mais transparência e eficiência às emendas de relator.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.