Guedes discute com sua equipe mudança no teto dos gastos

Uma das teses analisada estabelece um modelo de meta para a dívida pública
Ministério da Economia. Esplanada dos Ministérios. Foto: Divulgação

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Brasília – Criticada por candidatos da esquerda na pré-campanha eleitoral e considerada uma medida importante de controle dos gastos públicos, a equipe econômica prepara estudo para avaliação do ministro da Economia Paulo Guedes, que avalia a adoção de um modelo de meta para a dívida pública com banda de flutuação para cima ou para baixo, inspirado no sistema de metas de inflação adotado há 23 anos pelo Banco Central (BC) para definir a política de juros.

Uma das propostas testadas é um alvo para a dívida entre 60% e 70% do Produto Interno Bruto (PIB), com margem de tolerância de cinco pontos porcentuais para mais ou para menos. Hipoteticamente se a meta for de 65% do PIB, o governo cumpriria a meta se levasse a dívida para o intervalo entre 60% e 70%. Hoje, a dívida está em 78,2% do PIB — no melhor momento, em dezembro de 2011, chegou a 51,3%.

O teto dos gastos é uma regra que impede que as despesas públicas subam acima da variação da inflação registrada no ano anterior e foi aprovada pelo Congresso Nacional no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

“O PT critica a regra porque é perdulário, conforme demonstrado quando foi governo. Ao ponto de ter a presidente Dilma Rousseff impedida de continuar governado devido ‘pedaladas fiscais’”, destacou uma fonte da equipe de governo que estuda a mudança no teto dos gastos.

Ministro da Economia Paulo Guedes. Foto: Reprodução

Pessoas ligadas ao ministério da Economia afirmam que o ministro Paulo Guedes defende que o teto de gastos é um sinalizador importante, mas o problema está em fixar o teto e o “piso” não ter trava. O “piso” seriam as despesas obrigatórias do Orçamento Federal.

As mudanças que serão propostas pelos técnicos, devem vir por meio de alterações no “piso”, ou seja, nos gastos indexados e vinculados, que tornam as despesas obrigatórias elevadas e deixam pouca margem de manobra no Orçamento.

O argumento que deve ser usado pela equipe econômica é que a regra do teto impede aumento de gastos mesmo quando a arrecadação aumenta, como ocorreu nos últimos meses. Assim, ao desindexar e desvincular os gastos, seria possível reduzir o aumento automático de despesas que elevam e pressionam o “piso” contra o teto.

Hoje o teto de gastos é ajustado pelo índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Sobre a hipótese que vem sendo aventada, de que o reajuste passaria a ser feito pelo IPCA acrescido de um percentual extra, fontes afirmaram que não há confirmação nesse sentido e reforçaram que estão fazendo uma abordagem pelo lado das despesas, do chamado “piso”.

Outro ponto em discussão, defendido por economistas, seria manter uma regra fiscal que limite os gastos e contemple também o controle da dívida pública. Sobre esse ponto especificamente, a fonte afirma que a trajetória da dívida já foi contemplada na PEC aprovada que estabeleceu o novo marco fiscal.

A prova de que a dívida é parte desse raciocínio, prossegue, seria que durante a pandemia, com o Orçamento de Guerra, a desvinculação dos gastos na saúde permitiu gastar o que foi necessário e como os salários do funcionalismo foram desindexados, a dívida ficou praticamente estável. Como resultado, conclui o interlocutor, a dívida pública ficou na casa dos 78% do PIB apesar das previsões do FMI de que chegaria a 100%.

Economistas argumentam, porém, que a dívida pública ficou abaixo do esperado por causa do efeito da inflação, que elevou os preços e, consequentemente, a base de arrecadação sobre a qual os impostos incidem. Também afirmam que a previsão é de elevação da dívida pública para mais de 80% do PIB em 2023, com o aumento dos gastos públicos elevando o risco fiscal e pressionando os juros.

Sistema de bandas
O estudo ainda não chegou a um número fechado. Dependendo do nível da dívida e da sua trajetória, o sistema de bandas permitiria aumentar as despesas acima da inflação desde que garantida a continuidade da queda do endividamento. Se a dívida estiver subindo, o governo teria de voltar a corrigir as despesas.

Os técnicos da equipe econômica pretendem apresentar o resultado das simulações em reunião no início da semana que vem. O modelo faz parte da regulamentação de emenda constitucional promulgada em março de 2021 que garantiu a prorrogação do auxílio emergencial.

A emenda introduz uma meta para a dívida pública no arcabouço das regras fiscais, mas, passado mais de um ano, ainda não foi regulamentada. A expectativa da área econômica é de que o projeto de regulamentação seja discutido pelo Congresso na janela de votações depois das eleições. A ideia dos técnicos é que a dívida pública passe a ser a principal âncora da política fiscal brasileira. Hoje, esse papel é do teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.

Novo desenho
A proporção de 60% do PIB costuma ser referência para economias emergentes, como o Brasil. A previsão do governo é de que a dívida bruta em 2022 seja em torno de 78% do PIB. Em 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19, a dívida bruta subiu para 88,6% do PIB. Na época, analistas chegaram a prever que o endividamento público poderia chegar a 100%, o que não aconteceu.

Em meados de julho, a equipe do ministro da Economia já discutia mudanças no teto com a possibilidade de garantir um aumento real das despesas primárias (acima da inflação). Um dos números em estudo era de 1,5% do PIB. Esse número pode subir a depender do PIB, num novo desenho.

A “regra de bolso” a ser aplicada é a de que o ajuste do teto para acomodar mais benefícios sociais e investimentos não pode ser maior do que a expansão do PIB. Para 2022, o governo prevê alta do PIB de 2%. Para 2023, a estimativa chega a 2,5%, cenário que destoa do mercado financeiro, que projeta uma desaceleração para 0,4%.

E mais, já há declarações no mercado que haverá deflação nos próximos três meses, ou seja, a exuberância da economia já opera com papéis abaixo do 12%, em contraste com os 13,75% do IPCA definido na última reunião do Copom.

A regulamentação da meta para a dívida é discutida com o ajuste no teto. Os técnicos do Ministério da Economia na área fiscal defendem a permanência de uma regra de controle das despesas aliada à meta para a dívida.

Cenários
A emenda constitucional que o governo pretende regulamentar através de lei complementar — que precisa passar pelo Congresso Nacional — traz uma vantagem porque pode autorizar a aplicação dos mesmos gatilhos (medidas de corte de despesas) já previstos, como o congelamento de salários dos servidores e cortes de benefícios fiscais. Esses gatilhos poderão ser acionados para colocar a dívida na meta.

Num primeiro estágio de cenário de endividamento e rombo nas contas públicas crescentes (o pior cenário), o governo teria de fazer cortes nas despesas, e os gatilhos poderiam ser usados como variável de ajustes finos ao longo do tempo.

Num segundo estágio de cenário, de dívida caindo e pequeno déficit ou superávit, as bandas poderiam permitir usar um “pedaço” do crescimento do PIB para aumentar as despesas. A receita estaria crescendo mais do que a despesa ao longo do tempo, e a dívida continuaria na trajetória de convergência para a meta.

Já num terceiro cenário, de superávit nominal (que inclui o pagamento de juros da dívida) e trajetória de queda da dívida, o governo poderia reduzir os impostos mais rapidamente.

Analista do Senado e especialista em contas públicas, Leonardo Ribeiro considera uma estratégia positiva e alinhada a boas práticas internacionais a substituição do teto de gastos, regra de despesas, por uma âncora fiscal balizada pela dívida pública.

“Há transações que não necessariamente passam pelo Orçamento e afetam a dívida pública, como capitalização de bancos públicos com títulos de dívida e mesmo a postergação do pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União)”, afirma. “O teto de gastos tem várias exceções, é mais fácil de driblar. Já uma regra de dívida é mais abrangente e mais diretamente ligada à sustentabilidade da dívida.” Ele questiona, porém, estipular uma banda de flutuação, exatamente como a equipe econômica tem simulado os cálculos.

Economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, avalia que a manutenção do teto atual seria mais prudente, com alguns ajustes para acomodar despesas permanentes já anunciadas, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600. “Como ainda estamos num nível de endividamento muito alto, você não pode só apostar em aumento de receitas; precisa ter um controle de despesas que seja próximo à inflação, que acaba sendo um instrumento para chegar na meta de dívida”, diz.

Números

Carga sobre o PIB
– 51,3% do PIB era a dívida bruta do governo em dezembro de 2011- 88,6% foi o porcentual em dezembro de 2020, o mais alto desde dezembro de 2011- 80,3% foi para quanto caiu o peso da dívida sobre o PIB em dezembro de 2021- 78,2% foi o porcentual de maio de 2022, que confirmou uma trajetória de queda desde dezembro de 2020

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.