Grandes empresas assinam carta defendendo agenda verde

Documento objetiva descolar a imagem das empresas da política ambiental do governo federal
Tema ambiental pautado pela agenda verde é prioridade na agenda de grandes empresas

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Brasília – Presidentes de 105 grandes empresas nacionais e estrangeiras e de dez entidades setoriais assinaram uma carta defendendo objetivos climáticos ambiciosos e o protagonismo do País nas negociações do clima. O documento vem a público a pouco mais de um mês do início da COP26, a Conferência do Clima, marcada para novembro, na Escócia (Reino Unido). O governo prometeu que vai apresentar antes da conferência os detalhes do plano que antecipa metas de neutralização das emissões.

Presidente da Câmara, Arthur Lira, participa de live promovida pela Netcon Investimentos para debater o projeto de crédito de carbono

O assunto é uma prioridade do Parlamento. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), reafirmou a intenção de votar até o final deste ano a proposta que regulamenta o mercado de negociação de créditos de carbono (PL 528/2021).

O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), determinado pela Política Nacional de Mudança do Clima — Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, vai regular a compra e venda de créditos de carbono no País.

Créditos de carbono

Parado na Comissão de Meio Ambiente, a proposta que regulamenta o mercado de negociação de créditos de carbono (PL 528/2021) será votada até novembro antes da COP26. A promessa é o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.

Crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), responsáveis pelo aquecimento global. Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases que deixar de ser lançada na atmosfera. A proposta prevê que os créditos de carbono estejam atrelados a projetos de redução ou remoção de GEE da atmosfera, como um projeto de reflorestamento, por exemplo. Essa redução será quantificada (em toneladas de gases) e convertida em títulos.

Segundo o presidente, a pauta ambiental é uma das mais importantes da Câmara.

“A pauta ambiental vai ser foco, o Brasil não vai ser segundo plano, vai ser protagonista. Temos projetos e vamos intensificar a regularização do crédito de carbono e floresta em pé. Vai ser o maior ativo que o Brasil terá. Não há nenhum País no mundo que seja fonte e alimentação de carbono. Essa pauta entrará muito forte”, disse Lira.

Desconfiança

Em meio à desconfiança global em relação à gestão ambiental brasileira por parte do governo, o documento subscrito por algumas das maiores empresas do país será apresentado ao governo brasileiro e levado para a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP26.

O tamanho das empresas que subscrevem o documento é um indicativo da importância que a questão ambiental tem para a economia brasileira. Apenas 46 empresas desse grupo que têm capital aberto somam quase R$ 1 trilhão em faturamento. Assinam o documento CEOs como Octavio de Lazari Júnior (Bradesco), Lorival Luz (BRF), Marc Reichardt (Bayer), Daniel Klabin (Klabin), Fabio Faccio (Renner), Marcelo Melchior (Nestlé), André Lopes de Araújo (Shell), Daniel Mazini (Amazon), Christian Gebara (Vivo), João Paulo Ferreira (Natura) e Marcelo Araujo (Ipiranga).

Chamada de “Empresários pelo Clima”, a iniciativa liderada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) ocorre em meio a uma série de movimentos do setor privado para se blindar do posicionamento ambiental do governo de Jair Bolsonaro. Diante de ameaças, por parte dos estrangeiros, de retirada de investimentos e boicote aos produtos brasileiros, lideranças empresariais têm manifestado publicamente preocupação com o desmatamento e cobrado medidas.

“Objetivos climáticos ambiciosos correspondem à nossa convicção de que o Brasil deve buscar o protagonismo nas negociações de clima. Esse é o papel compatível com a nossa tradição de integridade climática”, afirma um trecho da carta. “O Brasil deve manter a sua centralidade nesse diálogo, sob pena do enorme prejuízo ao setor produtivo e à sociedade brasileira.”

A presidente do CBEDS, Marina Gross, que foi negociadora em conferências sobre o clima no fim dos anos 90, explica que o conselho tem alertado internamente ao governo sobre como seu posicionamento tira recursos das empresas. “Na carta, estamos dizendo ao governo: ‘por favor, avance, pois nós vamos dar a retaguarda’. Para fora do Brasil, estamos mostrando que o País tem grandes empresas e instituições, com um peso grande do PIB, fazendo a coisa certa.”

Medidas

Os empresários defendem medidas para uma economia de baixo carbono e assumem responsabilidades. Eles lideram empresas que adotam medidas para redução e compensação das emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE), precificação interna de carbono, descarbonização das operações. Os executivos pedem um arcabouço político-regulatório que apoie essa trajetória, com “ações eficazes para o fim do desmatamento ilegal e a conservação do meio ambiente”.

O Brasil emitiu, em 2019, 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e), sendo que 44% dessas emissões foram decorrentes do desmatamento. Marina explica que 98% desse desmatamento no País é ilegal. “O desmatamento ilegal é o nosso elefante na sala, que acontece sobretudo no bioma da Amazônia, e isso tem de acabar. Isso não traz desenvolvimento”, afirma.

No discurso de abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Bolsonaro divulgou, porém, dados imprecisos sobre meio ambiente e a Amazônia, o que prejudica ainda mais a imagem do País no exterior, avaliam membros do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

À imprensa, Tito Martins, presidente da mineradora Nexa (ex-Votorantim Metais), um dos executivos que assinaram a carta, disse que o documento reafirma que o setor econômico apoia a necessidade de olhar a questão da Amazônia e da emissão de carbono de forma séria e prática. “Se não participarmos disso ativamente, seremos cobrados por clientes, fornecedores e diferentes ‘stakeholder’’. E vamos perder, do ponto de vista de negócio e econômico”, afirma o executivo.

Denise Hills, diretora de sustentabilidade da gigante dos comésticos Natura, diz que estar alinhada com a agenda global e fazer esforços para endereçar a emergência climática é, além de uma obrigação moral, um imperativo econômico. “Os ganhos para o Brasil, entretanto, não serão só em termos financeiros, mas também socioambientais e reputacional”. Glaucimar Peticov, diretora executiva do Bradesco, acrescenta que a carta reforça a “importância do comprometimento mais amplo da sociedade e de uma ação conjunta em prol de objetivos climáticos ambiciosos”.

No site do CEBDS é possível acessar vários projetos prioritários defendido pela organização. Uma das publicações “Posicionamento Empresários Pelo Clima” é justamente um convite do setor empresarial brasileiro que convida toda a sociedade e atores políticos para que apoiem o engajamento do Brasil nessa nova realidade global de economia climática, por meio da retomada verde da economia e da participação ativa na Conferência de Glasgow e em seus preparativos. “Assim reafirmamos nossa inserção internacional e construímos um melhor legado ambiental, social e econômico, com menos desigualdades e melhores condições de vida, para essa e as próximas gerações”. Leia a íntegra do documento aqui.

Marina Gross entregou a carta, ainda sem as assinaturas, para o presidente da COP26, Alok Sharma, durante visita ao Brasil, realizada em agosto. Os organizadores tentam apresentar o documento ao governo brasileiro. Há pedidos de encontro com o ministro das Relações Exteriores Carlos França e os ministros Joaquim Leite (Meio Ambiente), Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Gross diz que tem recebido sinalizações positivas para o encontro.

Íntegra da carta:

Posicionamento empresários pelo clima

“O mundo precisa, com urgência, caminhar para uma economia de baixo carbono e o setor empresarial no Brasil reconhece sua responsabilidade nessa transformação. Sobre as bases do compromisso, da ciência e da inovação, as empresas estão respondendo ao chamado expresso no Acordo de Paris, que, em 2015, conferiu ao setor produtivo protagonismo na defesa contra o agravamento e os efeitos das mudanças climáticas, em parceria com a sociedade civil e governos.

O Brasil tem vantagens comparativas extraordinárias na corrida para alcançarmos uma economia de emissões líquidas de carbono neutras, valendo-nos dos nossos múltiplos recursos naturais e da capacidade de nosso povo. Para isso, devemos desenvolver um arcabouço político-regulatório que apoie essa trajetória dentro de um compromisso firme com ações eficazes para a preservação do meio ambiente e o cumprimento das metas de combate ao desmatamento ilegal. Essa é uma oportunidade única do Brasil ser competitivo e melhorarmos as condições de vida da população, alinhados com as novas prioridades em torno das quais o mundo está se movimentando.

É possível trazer escala à inovação e às boas práticas e planejar estrategicamente para que o Brasil realize rapidamente o seu potencial de crescimento sustentável e alinhado com os objetivos de combater a mudança climática e proteger a biodiversidade. O setor empresarial brasileiro está engajado na recuperação do país dos efeitos da Covid-19, promovendo uma retomada verde (green recovery) fundada em bases de economia circular, de baixo carbono e de inclusão. Os CEOs signatários deste documento têm assumido posições e trabalhado por esse avanço em todo o país.

Às vésperas da COP de Glasgow, o momento é de ação, com vistas a evitar o aquecimento global para além de 1,5º C em relação ao período pré-industrial. Por isso, as empresas no Brasil já vêm adotando medidas para a redução e compensação das emissões de gases causadores do efeito de estufa (GEE), precificação interna de carbono, descarbonização das operações e cadeias de valor, investimentos em tecnologias verdes e estabelecimento de metas corporativas ambiciosas de neutralidade climática até 2050.

Uma transição célere para o baixo carbono é possível e desejada pelo setor produtivo brasileiro. Segundo estudo recente, apoiado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), é possível reduzirmos as emissões de GEE em até 42% no Brasil já em 2025, em relação aos níveis de 2005.

Para atingirmos essa meta, são importantes os avanços representados pelo RenovaBio, nossa recém-aprovada política de pagamento por serviços ambientais – PSA, futuro mercado regulado de carbono no Brasil, bem como o esforço para o reconhecimento global da experiência e contribuição brasileiras para a mitigação das emissões líquidas de gases do efeito estufa, inclusive com soluções baseadas na natureza. Assim, consideramos crucial o aprofundamento da discussão entre o setor privado, a sociedade civil e o governo brasileiro sobre a posição brasileira em relação ao Artigo 6° do Acordo de Paris.

Objetivos climáticos ambiciosos correspondem à nossa convicção de que o Brasil deve buscar o protagonismo nas negociações de clima. Esse é o papel compatível com a nossa tradição de integridade climática, presente na decisão do país em assumir uma contribuição nacionalmente determinada (NDC) para o combate à mudança climática relevante e não condicionada, e de construção de consensos internacionais que tem caracterizado nosso país. O Brasil deve manter a sua centralidade nesse diálogo, sob pena do enorme prejuízo ao setor produtivo e à sociedade brasileira.

Acreditamos que as discussões dos mecanismos de apoio ao objetivo de carbono neutro previstos no Acordo de Paris, a serem conduzidas em Glasgow, são uma oportunidade de estimular a economia mundial, abrindo fronteiras e alinhando esforços, para a inclusão dos países de todos os níveis de renda, com estímulo à inovação e atenção à integridade no combate ao aquecimento global.

Para dar concretude aos esforços na direção de uma economia de carbono neutro, apoiamos a aderência a metas baseadas em conceitos científicos (Science Based Targets) e práticas de transparência financeira (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures), com a adoção de mecanismos de financiamento para a promoção da transição climática e o combate integral e inequívoco ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica e de outros biomas brasileiros.

É preciso, ainda, a adoção de regras que possibilitem o desenvolvimento de mercados de carbono voluntário e regulado no Brasil – com práticas de transparência na contabilização das emissões e sua conexão com mercados mundiais, assegurando a qualidade ambiental e integridade dos créditos de carbono a serem comercializados e cooperando para a criação de um mercado de carbono global no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC).

Devemos construir uma trajetória orientada para um futuro de claros objetivos climáticos, sob pena de sermos excluídos de uma nova ordem climático-econômica que se consolida diante dos nossos olhos, o que seria injustificável para um país como o Brasil.

O setor empresarial brasileiro convida, portanto, toda a sociedade e atores políticos que apoiem o engajamento do Brasil nessa nova realidade global de economia climática, por meio da retomada verde da economia e da participação ativa na Conferência de Glasgow e em seus preparativos. Assim poderemos reafirmar nossa inserção internacional e construir um melhor legado ambiental, social e econômico, com menos desigualdades e melhores condições de vida, para essa e as próximas gerações.”

Conselho de Líderes CEBDS

Assinam a carta:

Cláudio Ribeiro – 2WEnergia
Cátilo Cândido – Abralatas
Leonardo Framil – Accenture
Clarissa Sadock – AES Brasil
Otavio Carvalheira – Alcoa
Judiney Carvalho de Souza – Amaggi
Daniel Mazini – Amazon
Izabel Cristina Andriotti Cruz de Oliveira – Ambipar
Apple
Elizabeth Garcia – Approach Comunicação
Karin Marangoni Ferrara Formigoni – Arcadis
Gilson Finkelsztain – B3
Gabriel Ferreira – Banco BV
Alfredo Pinto – Bain & Company
Marc Reichardt – Bayer
Francisco Mussnich – BMA
Jorge Sant’Anna – BMG Seguros
Ricardo Guimarães – BNP Paribas
Besaliel Soares Botelho – Bosch
Mario Lindenhayn – BP
Octavio de Lazari Júnior – Bradesco
Roberto Simões – Braskem
Lorival Luz – BRF
Teresa Vernaglia – BRK Ambiental
Luiz Ildefonso Simões Lopes – Brookfield
Erasmo Carlos Battistella – BSBIOS
João Ney Colagrossi Filho – Camargo Corrêa Infra
Paulo Sousa – Cargill Brasil
Stéphane Maquaire – Carrefour Brasil
Ricardo Rodrigues de Carvalho – CBA
Philippe Ryser – Ceptis
Mariano Vela – Chevron
Antonio Trindade – Chubb
Sergio Rhein Schirato – Daemon
Altair Rossato – Deloitte
Javier Constante – Dow
Mauricio Adade – DSM
Orson Ledezma – Ecolab
Jean-Emmanuel Seixas – Egis
Francisco Gomes Neto – Embraer
Ricardo Perez – Energisa
Pedro Zinner – Eneva
Maurício Bähr – Engie
Veronica Coelho – Equinor
Paulo Henrique Pereira dos Santos – ERM
Luiz Sérgio Vieira – EY
Rafael Davidsohn Abud – FS
Ulisses Sabará – Grupo Sabará
Frederico Pinheiro Fleury Curado – Grupo Ultra
Gustavo Henrique Braga Couto – Grupo Vamos
Ricardo Emmerich – Hewlett Packard Enterprise
José Paiva – Hitachi ABB
Cláudio Raupp Fonseca – HP
Leonardo Furquim Werneck – Icare
Katia Vaskys – IBM Brasil
Marcelo Araujo – Ipiranga
Gilberto Tomazoni – JBS
Ramon Alcaraz – JSL
Daniel Klabin – Klabin
Luiz Dematte – Korin
Fernanda Barroso – Kroll
Murilo Parada – LDC
Philip Cassou – Lexmark
Fabio Adegas Faccio – Lojas Renner
Thiago Luiz Trecenti – Lwart
Roger Laughlin – Makro
Miguel de Souza Gularte – Marfrig
José Carlos Rapacci – Mars Petcare
Estanis Bassols – Mastercard
Roberto Quiroga Mosquera – Mattos Filho
Feliciano Almeida – Michelin
Renato Horta Franklin – Movida
João Paulo Ferreira – Natura
Marcelo Melchior – Nestlé
Tito Botelho Martins – Nexa
Valter Taranzano – Nidec
Sandro Linguinho de Oliveira – Norflor
Irlau Machado Filho – Notredame Intermédica
Juliana Azevedo – P&G
Marco Castro – PwC
Berson Araujo Cajueiro – Queiroz Galvão
Adriana Aroulho – SAP
Marco Matias – Schneider Electric
André Loes de Araújo – Shell
André Clark – Siemens Energia
Pablo Fava – Siemens
Fernando Simões – Simpar
Raphael Denadai – SKY
Altair Moreira – Socicam
Adriana Waltrick – SPIC Brasil
Winston Fritsch – Struttura Desenvolvimento e Financiamento de Projetos e WF Consultores
Walter Schalka – Suzano
Luana de Brito Costa Duffé – TechnipFMC
Paulo Kruglensky – Vivara
Christian Mauad Gebara – Vivo
Paulo Alvarenga – Thyssenkrupp
Jean-Urbain Hubauy – Ticket Log
Fernando Serec – Tozzini Freire
Helio Magalhães – UBS
Marcos Bicudo – Vedacit
Marcelo Castelli – Votorantim Cimentos
João Schmidt – Votorantim
Felipe Bittencourt – Way Carbon
Jain Lorenzatto – West Rock
Olaf Hektoen – Yara
Edson Franco – Zurich

Apoio institucional

Marcello Brito – Abag
Janaina Donas – Abal
Venilton Tadini – Abdib
José Velloso Dias Cardoso – Abimaq Sindimaq
Deborah Vieitas – Amcham Brasil
Rebeca Lima – CDP
José Pio Borges – Cebri
Gabriella Dorlhiac – ICC
Leonardo Luiz dos Santos – IPGC
Philip Yang – Urbem

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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