Desfigurado, pacote anticrime de Moro é aprovado na Câmara dos Deputados

Medidas como a prisão após condenação em segunda instância e a ampliação do polêmico excludente de ilicitude - tratado por políticos como "licença para matar" – não foram aprovadas

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O plenário da Câmara dos Deputadosaprovou, por 408 votos a favor, 9 contrários e duas abstenções, o texto do Projeto de Lei 10372/2018, que muda a legislação penal e processual penal, chamado de pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, na noite desta quarta-feira (4).  O texto foi amplamente modificado e retirou as principais propostas apresentadas pelo ex-juiz da Lava-Jato em fevereiro. A votação é uma derrota para Moro e para a bancada lava-jatista, que até o último momento defendeu a aprovação do texto original.

Foram dez meses de atuação do Grupo de Trabalho Especial criado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Dois pontos considerados cruciais – a prisão após condenação em segunda instância e o trecho que ampliava o excludente de ilicitude, tratado por políticos como licença para matar – não foram aprovados.

Nos últimos dois meses, o ministro percorreu as salas dos partidos na Câmara, participou de almoços e jantares com bancadas e líderes na tentativa de convencer os parlamentares a aprovarem o texto original. Ontem, antes da votação, Moro fez um esforço final e se reuniu por duas vezes com deputados do chamado Centrão – formado por DEM, PP, PL, Solidariedade e Republicanos –, buscando reverter a derrota que já se desenhava ao longo do dia.

Em reunião com os parlamentares do DEM, Moro apelou aos presentes afirmando que a opinião pública era favorável ao projeto. Ele reclamou que pontos considerados por ele como cruciais haviam sido suprimidos do texto.

A pressão de Moro e de seus apoiadores não surtiu o efeito esperado. Além do excludente de ilicitude e da prisão em segunda instância, o ministro também viu fracassar a tentativa de resgatar o “plea-bargain”, que daria a possibilidade de acusados confessarem crimes em troca de uma pena menor. O instrumento já existe no Código Penal dos Estados Unidos e Moro queria trazer para o Brasil.

Os deputados ainda aceitaram permitir que agentes da Segurança Pública infiltrados possam produzir provas que levem à prisão de suspeitos desde que exista uma operação em curso. Na prática, um policial disfarçado poderá, por exemplo, tentar comprar drogas de um traficante investigado e usar a ação para provar o crime.

Outra alteração negociada pelo grupo e pelo ministro, que voltou ao pacote, foi o fim da progressão de pena para condenados ligados a organizações criminosas como PCC, Comando Vermelho, entre outras, ou a milícias.

“O texto é o do grupo de trabalho e não o do Moro. A licença para matar será derrotada nesta noite neste plenário. O PCdoB vai votar sim pela urgência. Nós vamos votar o texto e derrotar Sérgio Moro”, afirmou o líder do PCdoB, Orlando Silva (SP). Moro não quis comentar sobre a negociação e saiu do Congresso antes do resultado final.

“Sei que tem vários pontos que muito poderão criticar. De 100%, o relatório está contemplando quase 70%. Dentro do meio político é algo para se considerar”, afirmou o deputado Capitão Augusto (PL-SP), que relatou a proposta no grupo de trabalho criado por Maia e é coordenador da “Bancada da Bala”.

Desde que chegou à Câmara, o projeto proposto por Moro foi alvo de controvérsias. O ministro tentou pressionar o presidente Rodrigo Maia para acelerar a tramitação da proposta, causando o primeiro mal-estar com o parlamento. Maia criticou a pressão de Moro e, para atrasar a análise do projeto, criou um grupo de trabalho para analisar o pacote.

Aliados do ministro também criticaram o engajamento tímido do presidente Jair Bolsonaro às medidas. Sem falar com Moro, em março Bolsonaro combinou com Maia adiar a discussão do pacote para não atrasar a votação da Reforma da Previdência. O acordo foi visto como um sinal de desprestígio ao ministro.

Apesar das modificações, o pacote é considerado por técnicos do Ministério da Justiça e da Câmara como o maior volume de medidas ligadas à Segurança Pública votadas de uma só vez desde a Constituinte.

O projeto proíbe a liberdade condicional e a “saidinha” de criminosos condenados por crime hediondo que resultaram em morte. “Não faz sentido, por exemplo, Suzana Von Richtoffen, que matou a mãe [e o pai], ter saidinha no Dia das Mães”, justificou o relator das medidas no Plenário, deputado Lafayette Andrada.

Pelo texto, qualquer tipo de crime cometido com arma proibida terá a pena aumentada. Embora não tenha endurecido punições relacionadas à corrupção, o projeto amplia a pena do crime de concussão, que é quando um funcionário público pratica extorsão para exigir uma contrapartida.

O deputado federal Joaquim Passarinho (PSC-PA) foi à tribuna comemorar a aprovação da matéria. “O projeto não ficou como todos queriam, muito menos como eu queria. A videoconferência, por exemplo, deveria ser obrigatória. Gasta-se muito com o transporte de presos para audiências. O Banco de DNA deveria ser para todas as pessoas, mas ficou reduzido. Mas esta Casa é a casa do possível e não do ideal para ninguém”, ponderou.    

Foi mantido no texto a criação do banco nacional de perfil balístico e a permissão do aumento da permanência de presos perigosos em estabelecimentos federais de segurança máxima. Dois pontos inclusos que não foram bem aceitos por Moro foram a criação do juiz de garantias e as mudanças nas regras de delação premiada. A matéria segue para a análise dos senadores.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília