Desatinos contra a Vale

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Editorial do jornal O Estado de S.Paulo deste domingo (03)

Derrubado o presidente da Vale, o governo estuda o próximo passo para impor seus interesses e suas concepções econômicas à maior empresa privada do Brasil, segunda maior mineradora do mundo e líder mundial na extração de minério de ferro. O Palácio do Planalto mandou o Ministério da Fazenda examinar uma forma de tributar a exportação do minério, para reduzir os embarques de matéria-prima e aumentar as vendas externas de aço, produto de maior valor agregado. Para isso a empresa teria de ampliar seu investimento em siderurgia. A decisão só será tomada depois dos estudos, informou ao Estado uma fonte ligada ao poder central. Segundo a mesma fonte, a presidente se mostraria sensível ao que era uma das obsessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante mais de metade de seu segundo mandato, o presidente Lula se esforçou para mandar na Vale e, diante da resistência do presidente da empresa, passou a manobrar para derrubá-lo. Esta parte da tarefa já foi cumprida pela presidente Dilma Rousseff. O afastamento de Roger Agnelli foi anunciado oficialmente pela companhia na sexta-feira. Uma agência foi contratada para buscar e sugerir nomes para a substituição, mas alguns possíveis sucessores já têm sido mencionados por pessoas envolvidas no processo.

O novo presidente da Vale terá um mau começo, se aceitar previamente a interferência do governo. Se estiver disposto a receber ordens do Palácio do Planalto ou de qualquer Ministério, o governo nem precisará tributar o minério para forçar a empresa a investir mais em siderurgia. Ao mostrar submissão, esse presidente iniciará sua nova carreira já enfraquecido e enviará uma péssima informação ao mercado e aos acionistas particulares.

As manobras do governo para comandar a Vale têm sido motivadas por uma combinação de ideias estapafúrdias e de impulsos perigosos. É estapafúrdia, em primeiro lugar, a ideia de forçar maiores investimentos em siderurgia, quando o setor está com uma enorme capacidade ociosa – no País e no exterior. A presidente Dilma Rousseff saberia disso, se tivesse o trabalho de consultar os profissionais do setor. A Vale já investe na produção de aço, mas em ritmo compatível com uma estratégia racional.

Em segundo lugar, é um desatino a ideia de tributar a matéria-prima para forçar a exportação de produto de maior valor agregado. Essa tolice reaparece, de tempos em tempos, sob nova roupagem – estimulada, às vezes, por interesses privados. Há anos, empresas do setor calçadista convenceram o governo a tributar a exportação de um tipo de couro. O governo cedeu à esperteza de alguns e cometeu a bobagem. Um dos efeitos foi o desvio das exportações de couro brasileiro pelo Uruguai. O resultado poderia ter sido pior – a perda de mercados para os concorrentes.

Tributar a exportação de minério concederá uma vantagem aos concorrentes estrangeiros da Vale. Ninguém forçará uma grande potência importadora, como a China, a pagar mais pelo minério ou a comprar mais aço do Brasil por causa dessa manobra ridícula. Depois, a mera ideia de tributar matéria-prima para aumentar a exportação de bens de maior valor agregado é uma infantilidade. No máximo, a medida poderia ter algum efeito se o país tivesse o monopólio da matéria-prima. Não é o caso e, mesmo que fosse, o expediente seria discutível.

Se houvesse alguma inteligência nessa proposta, valeria a pena aplicá-la de forma radical. Por que não tributar também a exportação de aço, para favorecer a venda de automóveis, tratores e outros produtos fabricados com esse tipo de insumo? Por que não taxar o milho, a soja e a ração, para ampliar as vendas de carnes? Ou, ainda, por que não dificultar os embarques de café em grão – o Brasil é o maior exportador do mundo -, para multiplicar as vendas do produto instantâneo e do torrado? O desatino seria o mesmo em todos esses casos.

Mas o governo pode ter outros motivos, também, para mandar numa empresa como a Vale. Orientar seus investimentos para este ou aquele Estado ou município pode ser uma forma de distribuir enormes favores. E, se a ordem é conceder benefícios à custa de uma grande companhia, por que privar os aliados de mais alguns bons empregos?

2 comentários em “Desatinos contra a Vale

  1. claudio feitosa Responder

    Não podemos esperar outra coisa do Estadão, guardião do conservadorismo, ou melhor, do reacionarismo do patriarcado brasileiro.

    Caso o Estadão fosse majoritário na Vale, poderíamos dar algum valor aos seus editoriais ultra-liberais. Mas o fato incontestável é que o acionista majoritário da empresa é o governo brasileiro.

    Quando precisaram fazer a privataria, usaram os Fundos de Pensão e o BNDES. Quando isso ocorreu, o Estadão não lançou nenhum editorial criticando a “sanha estadista”. Eram tempos de FHC. Os fundos de pensão serviam aos interesses neoliberais. Não contavam que o governo mudasse e, a partir daí, utilizasse dos mecanismos legais para fazer valer seus pontos de vista.

    O Estadão fala de empreguismo, mas o que incomoda mesmo é ver que as teses liberais e privatistas estão em xeque, com o Estado voltando a ser protagonista nas definições econômicas do país. Sem Lula não teríamos Alpa, nem eclusas, nem Pecém (CE)…

    Vivas ao novo Brasil!

    Cláudio Feitosa

  2. Marli Responder

    Entendo seu parecer. Mas, creio que é bom estarmos mais isentos quanto as posições extremas. No seu caso, entendo ser extremista, pois não são estas as posições posta.
    não vislumbro nenhuma possibilitade de tributação sobre os aços exportados, pois isto depende do que o governo quer de nosso país e, no caso, penso ser estapafúrdia esta idéia. O que se esta buscando, pelo que vejo, é um alinhamento dos royalties cobrados por outros países.
    A tributação das exportações, de uma forma geral, já está amparada or benefícios fiscais diversos, em espeicla a Lei Kandir que prejudica, em demasia, os Estados e Municípios.
    Mas os royalties, trazem benefícios importantes para a preparação do município, quando da exaustão do minério, in loco.
    Os acontecimentos com a diretoria da Vale são em decorrência das divergências apontadas pela Cia, de forma não aceitável pelo Governo e, também, pela sociedade em geral. Torna-se inadimíssivel ouvir as palavras do Sr. Roger Agnelli a respeito dos recolhimentos obrigatórios legais: ” NÓS PAGAMOS O QUE ENTENDEMOS LEGAL E JUSTO”.
    Entendo qe isto não pode ser pronunciado por um presidente de uma transnacional. A Lei está acima de suas responsabilidades e, portanto, deve cumpri-lá, na íntegra.
    Os dedsafetos tem surgido pela insurgência contra as normas.
    Quanto as exportações de minério, concordo que deve-se aproveitar o momento do mercado e, em especial, a qualidade substantantiva do minério de Carajás.
    Mas exportar tudo e ter que importar chapas de aço e trilhos para a construção naval e ferrovias, parace-me extrapolar as necessidades básicas de nosso país.
    A China é o maior importador de minério porque produz todas as suas necessidades lá e exporta o excedente que nós não temos. Mas, para estes casos, temos a matéria prima: porque não ampliar, com nossa matéria prima, aquilo que necessitamos internamente?
    Caro Zé Dudu. Seus comentários são importantíssimos e mercem elogios, mas no caso especifíco, seria melhor o aporfundamente das causas para que não seja envolvidos com os extremos, pois eles não são construtivos. Apenas aumentão as diferenças q

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