Declaração de Belém divide opiniões, desagrada ambientalistas e expõe assimetrias entre as Nações na Cúpula da Amazônia

Quatro dos oito signatários da OTCA não compareceram e mandaram representantes para o evento
No primeiro dia do evento foi divulgado a Declaração de Belém, que reúne os objetivos dos países-membros da OTCA na Cúpula da Amazônia

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Esvaziada, com a ausência de quatro dos oito chefes de governo signatários da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a Declaração de Belém (leia a íntegra) dividiu opiniões, logo após ter o seu conteúdo divulgado. “O texto foi o consenso possível”, disse um diplomata para a reportagem do Blog do Zé Dudu, ao resumir o trabalho desta terça-feira (8), no primeiro dia da reunião multilateral, em Belém do Pará, que se encerra nesta quarta-feira (9).

Quatorze anos após o último encontro da OTCA, em Manaus (AM), o que mudou na região, marcada por assimetrias regionais importantes, foi o protagonismo ambiental diante da comunidade internacional assumido pela Colômbia, do presidente Gustavo Petro, no vácuo deixado pelos retrocessos da política de desmonte ambiental, promovida nos anos do governo Jair Bolsonaro (PL).

Ao assumir o comando do país para um terceiro mandato, e ciente que o trabalho de reconstrução da credibilidade do Brasil na seara ambiental internacional leva tempo, restou ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assistir ao discurso do colega colombiano expor o paradoxo do petróleo, tema que, ao lado do desmatamento zero, foram as causas do dissenso da Cúpula.

Ambientalistas perfilaram ao lado de Gustavo Petro. O colombiano optou por não falar sobre os consensos de um documento já acordado — como sempre, pelo mínimo denominador comum entre interesses conflitantes — e disse várias verdades. A principal é a contradição eloquente da agenda climática do governo Lula: não existe petróleo verde. É um combustível fóssil e sua exploração, na floresta que se procura salvar da crise climática, sempre foi o problema de origem da Cúpula da Amazônia, nada muito diferente da Cúpula das Américas, outro fiasco diplomático da política externa brasileira, ocorrida no início de junho em Brasília.

A Colômbia defende a proposta de abandonar o uso de combustíveis fósseis. Ainda não deu certo, mas a ideia está posta. Em Belém, Petro e sua ministra de Meio Ambiente, Susana Muhamad, mantiveram a coerência. Defenderam um plano conjunto e progressivo para acabar com a extração de petróleo na Amazônia.

Governos de direita, disse o colombiano, “têm um fácil escape, que é o negacionismo”. É uma cilada para os progressistas, que “criam outro tipo de negacionismo e falam em transições ecológicas”, disparou.

“Nós estamos às margens da extinção da vida e é nesta década que nós devemos tomar decisões. Somos nós, os políticos, que devemos tomar essas decisões […] É o momento de mudar o sistema econômico, e muito”, declarou durante a abertura do evento.

O paradoxo do petróleo esteve presente durante toda a Cúpula de Belém. Não à toa, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, foi pivô do momento mais tenso do evento — uma entrevista coletiva em que criticou a posição de cientistas que defendem que o Brasil comece a fechar poços de petróleo, em vez de abrir novas frentes. Vestiu a carapuça do “negacionismo progressista” sugerido por Petro e reagiu a jornalistas que apontaram contradição com o consenso da ciência climática.

Criticou o IPCC, o painel de cientistas do clima da ONU. Silveira lembrou, entretanto, que 30 milhões de brasileiros ainda precisam de assistência do Estado e sofrem de acesso desigual à eletricidade — um argumento, infelizmente, muito verdadeiro. Nem o Brasil nem ninguém conseguiu ainda colocar um projeto digno e real de renda às populações amazônicas no lugar do petróleo.

Em seu último relatório, o IPCC diz que, para evitar o pior, nenhum novo poço de exploração deve ser aberto, e os projetos já existentes devem ser descontinuados com urgência. É a mesma linha de um relatório da AIE, a Agência Internacional de Energia, de 2021, em que defende o fim da exploração de petróleo e gás. A agência diz que os ativos do petróleo perderão valor com os compromissos climáticos, que se tornarão ativos podres, os “stranded assets”. O relatório foi uma bomba à época, ainda mais considerando-se que a AIE nasceu em 1974 para garantir a segurança de fornecimento de petróleo no mundo.

O presidente Lula ouviu as críticas de Petro e, como bom anfitrião, deixou o colega brilhar. A diplomacia brasileira driblou como pôde a falta de consenso em torno da meta regional de desmatamento zero. Emplacou, contudo, o ambicioso Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, com sede em Manaus, ideia do ministro da Justiça, Flávio Dino. A troca de informações entre os países amazônicos pode ser um tento importante contra o crime organizado, o maior risco à soberania do território amazônico de todos os países da região.

O presidente Lula iniciou em Belém uma longa jornada, não contava com a contrariedade da ausência de metade dos chefes de Estado convidados, mas é seu o mérito de reagrupar um bloco de países detentores de floresta amazônica, que só será consolidado com o fortalecimento da OTCA, que, ao longo dos anos foi reduzida ao limbo burocrático dos escaninhos do poder, serve para quase nada, não presta contas do orçamento que administra, e não fará falta alguma se continuar a existir como está — um cabide de emprego para diplomatas aposentados ou em fim de carreira e apaniguados de líderes políticos da hora ou do passado recente.

Um exemplo é sua atual direção, que embora seja rotativa, a secretaria-geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ainda é ocupada por Maria Alexandra Moreira López, uma advogada boliviana, ex-ministra do Meio Ambiente da gestão do ex-presidente Evo Morales. Ela continua no cargo mesmo com o mandato expirado, desde o fim do ano passado. Caberia ao Brasil, pelo critério de rotação, indicar o substituto ao cargo. Não o fez até o fechamento desta reportagem.

O lado positivo da Cúpula da Amazônia foi extrapolar o continente ao convidar pares na África e na Ásia, países donos das florestas tropicais no mundo. É preciso ver como esse bloco irá decolar. Mas na arena climática internacional, articulação entre quem tem florestas, não é pouca coisa.

Declaração de Belém

Nos 113 pontos da Declaração de Belém, os países da região concordaram em criar uma aliança para combater o desmatamento, mas não estabeleceram metas conjuntas para atingir tal resultado. As nações amazônicas decidiram também criar mecanismos financeiros de fomento ao desenvolvimento sustentável e estabelecer sistemas para dar maior segurança para a região, como o controle de tráfego aéreo e o uso de um centro de cooperação policial internacional montado pelo governo brasileiro em Manaus (AM).

Visto mais como um tratado de intenções, o documento, redigido em encontros anteriores pelo ministros de Relações Exteriores do: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana (antiga Guiana Francesa), Peru, Suriname e Venezuela, signatários da OTCA, incluíram na declaração a determinação de se criar o Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia no escopo da OTCA. O objetivo do painel será orientar políticas públicas para os países da região a partir da sistematização de informações e elaboração de relatórios periódicos sobre temas prioritários.

Integrarão o painel técnicos, cientistas e pesquisadores especializados na região amazônica, com participação permanente de organizações indígenas, de comunidades locais e tradicionais e da sociedade civil.

A inclusão deste ponto era uma reivindicação de especialistas, inclusive da ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva.

Segundo o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, “a Declaração de Belém responde a demandas das populações que vivem na região, a anseios dos povos de nossos oito países, assim como a expectativas de todo o mundo. Trata-se de uma nova agenda de cooperação abrangente e sua implementação será desafiadora.”

“Por essa razão, propusemos que as discussões entre os Ministros tivessem como foco o fortalecimento da OTCA. Nesse contexto de retomada da orientação regional e de lançamento de uma nova agenda comum de cooperação, caberá à OTCA um papel central. Assim evitamos a duplicação de esforços e a dispersão de recursos”, informou.

“Asseguramos, também, que os desafios comuns tenham tratamento transversal e continuado e que seja adequadamente conservada a memória das iniciativas e dos projetos realizados em âmbito regional. Mas, para que a OTCA esteja em condições de assimilar em seu programa de trabalho os mandatos emanados desta Cúpula, será necessário dotá-la de mais recursos financeiros e humanos”, advertiu.

De acordo com a declaração, o financiamento de propostas sustentáveis deve dar destaque à Coalizão Verde, formada por bancos de fomento da região, mas poderá contar com recursos de outras instituições financeiras.

Já para o compromisso com a redução drástica do desmatamento, os países lançarão a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, a partir de metas nacionais, como a estabelecida pelo Brasil de chegar a zero até 2030, cabendo a cada país estabelecer data e meta de desmatamento em seu próprio território.

No documento, os países também concordam com a criação de um sistema integrado de controle de tráfego aéreo para combater o narcotráfico e a exploração ilegal de minério. O Brasil também ofereceu aos países vizinhos o uso do Centro de Cooperação Policial Internacional, localizado em Manaus (AM).

O grupo de países também pretende fortalecer a OTCA, que passará por revisão. Um dos pontos a serem melhorados será a criação de um mecanismo financeiro para captar e capitalizar recursos não reembolsáveis.

Durante o evento, os presidentes dos oito países amazônicos concordaram em realizar a 5ª reunião de presidente dos Estados parte da OTCA em agosto de 2025 na Colômbia, dois meses antes da COP 30 em Belém do Pará, no Brasil.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.