Sem minirreforma ministerial concluída, governo corre o risco de derrotas em votações no Congresso

Quatro medidas provisórias perdem a validade ao longo da semana
Palácio do Congresso Nacional ao entardecer

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O governo parece que não teme a possibilidade de derrota em importantes votações ao longo desta semana. Semana em que quatro medidas provisórias perdem a validade, uma delas com grandes chances de não ser votada, além da indefinição da votação do Arcabouço Fiscal, o que está deixando o Mercado Financeiro para além da intranquilidade.

Exceto por algum acordo secreto com Arthur Lira (PP-AL), manda-chuva na Câmara dos Deputados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarcou no início da noite do domingo (20), para uma viagem por três países da África, aparentemente sem qualquer preocupação. Lula começará o roteiro no continente pela África do Sul, onde participará da cúpula do Brics. Na comitiva, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, faz companhia ao mandatário.

Com isso, ficou sob a responsabilidade do time político do governo, cuidar da aprovação no Congresso Nacional, da aprovação das Medidas Provisórias (MPV nº 1.170/2023), que dispõe sobre a remuneração de servidores e de empregados públicos do Poder Executivo federal, que reajusta em 9% seus vencimentos (e cria uma nova diretoria na Codevasf, que será ocupada pelo Republicanos); a MPV nº 1.172/2023, que reajuste do valor do salário mínimo e a MPV nº 1.173/2023, que institui o Programa de Alimentação do Trabalhador, estabelecendo a portabilidade e integração dos cartões vale-refeição dos trabalhadores. As três MP’s estão no 113º de tramitação e perdem a validade se não forem votadas entre os dias 25 e 28 de agosto, ou seja, nessa semana ou em sessão extraordinária na semana que vem.

Uma quarta medida provisória (MPV nº 1.171/2023, que corrige os valores da tabela mensal do IRPF, que está no 114º dia de tramitação e vence no dia 27 de agosto, contem um agravante extra: um jabuti — emenda introduzida pelo governo que não têm ligação direta com o texto principal colocado em discussão no Congresso Nacional. Vista como “contrabando” pelos parlamentares, esse tipo de manobra só passa se houver acordo prévio.

A emenda jabuti promove mudanças na taxação de rendimentos no exterior incluídas pelo governo Lula nessa MP que trata da valorização do salário mínimo e reajusta a faixa de isenção do imposto de renda (IR). A MP teve o condão de travar a tramitação do texto no Congresso.

A MP vai caducar no próximo dia 28. O texto já foi apreciado por Comissão Mista, mas ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal dentro do curto prazo.

O deputado federal Merlong Solano (PT-PI) disse que a tramitação da MP depende de acordo entre o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A conversa entre Lula e Lira passa pela negociação de mais espaços para o Centrão na Esplanada, o que só será concluído quando Lula voltar de mais uma série de viagens internacionais iniciadas no domingo e que só terminam no dia 26 de agosto.

O texto da MP 1.172 originalmente fixava o novo valor do mínimo em R$ 1.320. O relatório do petista incorporou à redação uma política de valorização do mínimo, garantindo reajustes acima da inflação, e as medidas relativas ao IR.

Segundo relatou o deputado, não há resistência no Congresso quanto ao mérito das medidas que dizem respeito ao mínimo.

A preocupação fica por conta das medidas que estavam na MP 1.171 e foram incluídas no relatório, a pedido do governo: a expansão da faixa de isenção do IR (até R$ 2.640) e a taxação de offshores e trusts, que são tipos de investimentos geralmente utilizados para grandes somas de recursos.

A reportagem do Blog do Zé Dudu apurou que mais de duas dúzias de senadores e deputados milionários têm fortunas aplicadas em offshores e trusts no exterior, a maioria em paraísos fiscais — para fugir de taxações dos rendimentos — e que, por óbvio, não concordarão em taxar, eles próprios, os seus “pés de meias”.

Mesmo assim, o deputado Merlong fez “cara de paisagem” e indica que a extensão da isenção também não encontra resistências, mas ele sabe muito bem que isso não condiz com a realidade. A taxação de offshores e trusts, sim, desagrada parte dos parlamentares. Todavia, a medida foi proposta para compensar a renúncia de receita pela alteração no IR. Como o ministro Fernando Haddad está na comitiva do presidente para a reunião dos Brics, se algo der errado, a culpa cairá no colo do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política com o Congresso.

“Essa atualização da tabela [do IR] resulta em uma renúncia de receita, e a compensação vem dentro de um modelo que apresentamos à população [na eleição], de começar a tributar mais os super-ricos, tributar de quem tem dinheiro no exterior”, indica.

O relator indica que os líderes da base do governo no Congresso observaram o entendimento e não fizeram objeção. Ele reitera, contudo, que seu relatório é “pactuado” com o governo, portanto está aberto a alterações que facilitem a tramitação.

“Se o governo me informar que o acordo [com Lira] passa por retirar coisa ou outra, eu tiro prontamente”, indicou.

O parlamentar prevê que o texto deve ser votado até a próxima terça-feira (22/7) na Câmara, caso contrário não será possível cumprir o prazo.

Relator defende taxar offshore

Merlong Solano defende que a taxação de rendimentos no exterior tenta corrigir imperfeições do sistema tributário que “incentivam a exportação de capital”.

“Estes rendimentos no exterior estão hoje submetidos a uma legislação que permite adiar ad infinitum (eternamente) o pagamento de imposto. São taxas inferiores em relação as de quem faz investimentos financeiros no Brasil”, indica o parlamentar, que relata a medida.

“É um sistema que está incentivando a exportação de capital. [A tributação] deveria ser pelo menos igual — que é o que está previsto no meu texto: eles pagarem o mesmo tributo de quem investe no Brasil”, completa.

A valorização do mínimo e a expansão da isenção foram bandeiras de Lula durante as eleições e são consideradas vitais pela gestão federal.

“Essa atualização da tabela [do IR] resulta em uma renúncia de receita, e a compensação vem dentro de um modelo que apresentamos à população [na eleição], de começar a tributar mais os super-ricos, tributar de quem tem dinheiro no exterior”, completa.

Calcanhar de Aquiles

Outra fragilidade do governo na aprovação da pauta dessa semana será a entrada ou não da votação do novo Regime Fiscal Sustentável, conhecido como Novo Arcabouço Fiscal (PLP nº 93/2023), mecanismo de controle do endividamento que substitui o Teto de Gastos.

Os senadores modificaram o texto aprovado na Câmara dos Deputados e desde a semana passada, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), enviou um recado ao governo: o texto não será aprovado como veio do Senado.

Com a indecisão do presidente Lula de bater o martelo e fechar a negociação da minirreforma ministerial, a matéria pode ser aprovada não como deseja o governo, mas da forma que os deputados acharem conveniente.

A reportagem do Blog do Zé Dudu apurou também um fator que está pesando no humor além da minirreforma não feita. Trata-se da lentidão da execução das emendas prometidas pelo governo e que até agora ficaram na promessa.

Mais de metade dos recursos enviados por deputados e senadores às suas bases foram empenhados, primeira etapa da execução orçamentária, mas apenas 12% foram pagos. “As prefeituras estão paradas”, disse a fonte ouvida pela reportagem. O número, 12%, é a pior execução orçamentária da história.

Este ano há R$ 36 bilhões em emendas parlamentares, das quais R$ 29 bilhões são impositivas, de execução obrigatória. Segundo o portal Siga Brasil, do Senado, R$ 20,5 bilhões foram empenhados (estabelecido o compromisso de execução), mas apenas R$ 4,6 bilhões referentes a 2023 foram efetivamente pagos. O número representa 12% do total de emendas e 15% das obrigatórias.

Generalizada, a reclamação levou a duras cobranças dos líderes da base ao líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), durante reunião na casa de Lira para definir a pauta de votações, na terça-feira (22/8). Um deles destacou, sob anonimato, que “está difícil” pedir à bancada que apoie os projetos do governo. A cobrança ficou maior com a marcha dos prefeitos a Brasília, semana passada, quando 1,8 mil compareceram e demonstraram insatisfação.

Governistas atribuem a demora à falta de pessoal para analisar as demandas e liberar os pagamentos, principalmente em ministérios novos, como o das Cidades. As equipes do antigo Ministério do Desenvolvimento Regional foram divididas entre esta pasta e a da Integração Nacional, o que diminuiu o número de técnicos em cada área para fazer o serviço burocrático. A desculpa é rebatida com a seguinte frase: “E o que nós deputados e os prefeitos têm a haver com a incompetência desse governo, que após oito meses não tem pessoal para trabalhar?”, detonou a fonte.

O que diz o governo?

Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais disse que segue o ritmo fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 e que R$ 9,7 bilhões já foram quitados este ano considerando os restos a pagar. Além disso, defendeu que o próprio Congresso ainda não indicou para onde vai parte do dinheiro, no caso das emendas de comissão. “Para se ter ideia, dentro da dotação de R$ 6,4 bilhões da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, foram indicados apenas R$ 2,7 bilhões”, diz. Também ressalvou que verbas de bancada e de comissão são associadas a projetos estruturantes e grandes obras, “o que torna a execução mais lenta na comparação com as emendas individuais”.

A demora faz com que congressistas queiram impor ao governo um calendário mais rígido para execução das emendas. Isso está sendo debatido pelo relator do projeto de LDO de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE).

Apesar das reclamações, também houve problemas com o pagamento das emendas em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. Conforme o Siga Brasil, o Executivo executou R$ 12,9 bilhões naquele ano, de um total de R$ 13,7 bilhões autorizados no Orçamento, mas só pagou R$ 5,7 bilhões (o restante ficou como “restos a pagar” para 2024). Desde então, o volume total de emendas no Orçamento da União triplicou.

O adiamento da mudança nos ministérios, somado ao incômodo com as emendas, ocorre em péssima hora para o Executivo: esta semana será decisiva para uma série de projetos do governo.

Na sexta-feira (18/8), Lula se reuniu no Palácio do Planalto com os ministros Alexandre Padillha (Relações Institucionais) e Márcio França (Portos e Aeroportos) para acertar os últimos detalhes da entrega da pasta comandada pelo PSB ao deputado Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE). A está “praticamente certa”.

Nos bastidores, as costuras apontam para a permanência de França no governo, mas realocado em alguma outra pasta. Uma das possibilidades discutidas é de que ele comande o Ministério da Ciência e Tecnologia, cargo já ocupado pelo PSB em gestões petistas anteriores. No entanto, isso poderia criar o constrangimento de desalojar uma mulher, a atual ministra Luciana Santos (PC do B).

Já o PP insiste em tomar de Wellington Dias (PT-PI) o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pelo Bolsa Família. Interlocutores afirmam que essa ideia não agrada a Lula. O presidente tampouco simpatiza com a possível decisão de dividir o MDS, retirando dele o Bolsa Família antes de entregá-lo ao Centrão.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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