Projeto que libera cassinos e jogo do bicho entra na pauta da principal Comissão do Senado

De acordo com o texto, o Pará será autorizado a instalar até dois cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer
Cassinos: indústria de jogos de azar faturou mais de US$ 60 bilhões em 2022, estabelecendo um novo recorde no Estados Unidos

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Foi incluído na pauta da principal comissão temática do Senado, a de Constituição e Justiça (CCJ), o projeto de lei que amplia o leque de jogos de azar autorizados no Brasil (PL n° 2.234/2022). De autoria do ex-deputado Renato Vianna (MDB-SC), o texto autoriza, entre outras modalidades, o funcionamento de cassinos e bingos, legaliza o jogo do bicho e permite apostas em corridas de cavalos. O relator, senador Irajá (PSD-TO), é favorável à matéria. A proposta é o primeiro item da pauta.

A sessão está marcada para quarta-feira (15), às 10h. O PL autoriza a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, sob o limite de um cassino em cada estado e no Distrito Federal, com exceção de São Paulo, que poderia ter até três, e de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará, nos quais o limite previsto para cada estado é de dois cassinos.

De acordo com a proposta, também poderão funcionar casas de jogos em embarcações marítimas e fluviais, que seguirão regras específicas. O cassino deverá comprovar capital social mínimo integralizado de, pelo menos, R$ 100 milhões e poderá ser credenciado por 30 anos.

A proposição também estabelece regras para o jogo de bingo em modalidades de cartela e eletrônica, e permite o credenciamento de uma pessoa jurídica a cada 700 mil habitantes para a exploração do jogo do bicho em cada estado. Nesse caso, as autorizações terão validade de 25 anos, renováveis por igual período. As corridas de cavalos poderão ser exploradas por entidades turfísticas (ligadas ao turfe) credenciadas no Ministério da Agricultura, que também poderão explorar, ao mesmo tempo, jogos de bingo e videobingo.

Em seu relatório, o senador Irajá afastou como “conceito jurídico indeterminado” o da ofensa à moral e aos bons costumes, usado como argumento contra os jogos de azar, e destacou que o projeto trata de passar ao controle do Estado uma prática que hoje constitui contravenção.

Citando estatísticas sobre o mercado de apostas legais ou ilegais, ele conclui que “os jogos de azar já constituem uma atividade econômica relevante”. O relator rejeitou as emendas oferecidas pelos senadores e ofereceu emenda de redação substituindo as menções ao “Ministério da Economia” por “Ministério da Fazenda”.

Bastidores

O texto não é consenso, mas após a liberação de apostas online pelo Congresso, em dezembro de 2023, há expectativa de aprovação do que marcaria o retorno dos cassinos físicos no país. Após votação na CCJ, o próximo passo é o plenário do Senado.

Contrário ao texto, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) afirma que a proposta irá aumentar o endividamento das famílias brasileiras.

“É para magnatas, para grandes conglomerados. Estou muito preocupado com isso acontecer diante dessa tragédia que os gaúchos estão sofrendo. É uma coisa estarrecedora. O Senado vai priorizar algo que vai endividar o brasileiro, não vai gerar renda, é uma canibalização do comércio,” disse.

O texto autoriza a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, como hotéis de alto padrão com pelo menos cem quartos, restaurantes, bares e locais para reuniões e eventos culturais. Se aprovado, permite a instalação de cassinos em todos estados e no Distrito Federal.

O projeto conta com apoio do governo, diante do potencial de arrecadação. De acordo com o senador Irajá, o mercado de jogos de azar movimentou um valor entre R$ 8,6 bilhões e R$ 18,9 bilhões em 2014. Com base na correção de inflação calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período, movimentaria de R$ 14,34 bilhões a R$ 31,5 bilhões em 2023.

“Mesmo na contravenção, os jogos de azar já constituem uma atividade econômica relevante e, como tal, devem estar sujeitos à regulamentação pelo Estado. Por isso, a proposição merece prosperar,” afirma o relator.

Jogo de azar nos Estados Unidos

O jogo de azar é permitido em apenas seis estados nos Estados Unidos (EUA). A título de comparação, a receita de jogos de azar nos país superou os US$ 60 bilhões (R$ 309,34 bilhões, na cotação desta segunda-feira, 13) pela primeira vez no ano de 2022, segundo um relatório da American Gaming Association (AGA), a associação americana das empresas de jogos. O recorde anterior, de US$ 53 bilhões (R$ 273,25 bilhões), havia sido registrado em 2021.

Jogos de mesa, como roleta, dados e cartas, e caça-níqueis tiveram um aumento modesto na receita, enquanto as apostas esportivas tiveram um forte crescimento. A associação estima que 84 milhões de americanos visitaram os cassinos em 2022.

Os caça-níqueis foram de longe a maior fonte de receita, arrecadando mais da metade do total: US$ 34,2 bilhões (R$ 176,32 bilhões), um aumento de 5,1% em relação a 2021. Os jogos de mesa ficaram em segundo lugar, com receita de US$ 10 bilhões (R$ 51,56 bilhões) – um aumento de 13,9% em relação a 2021.

No entanto, as apostas esportivas estão se aproximando rapidamente das jogadas tradicionais de cassino. Elas movimentaram US$ 7,5 bilhões (R$ 38,67 bilhões) em receita durante 2022, um aumento impressionante de 72,7% em relação ao ano anterior, depois que os jogadores apostaram US$ 93,2 bilhões (R$ 480,51 bilhões) em eventos esportivos ao longo do ano.

A crescente indústria de iGaming, versões para celular de jogos de cassino tradicionais, gerou cerca de US$ 5 bilhões (R$ 25,78 bilhões) em receita, um aumento de 35,2% em relação ao ano anterior, apesar de ser legalizado apenas em seis estados dos EUA.

Segundo a AGA, uma das causas do aumento de receita foi que muitos apostadores americanos deixaram de fazer apostas ilegais. No entanto, a associação avaliou recentemente que a contravenção movimente mais de US$ 500 bilhões (R$ 2.577,85 trilhões) por ano.

O resultado são US$ 44 bilhões (R$ 226,85 bilhões) em receita perdida para cassinos e US$ 13,3 bilhões (R$ 68,57 bilhões) em impostos não-arrecadados. “Para manter o crescimento em 2023, a AGA continua focada no combate ao mercado ilegal,” disse o presidente e CEO da AGA, Bill Miller, em comunicado.

Antes da divulgação do relatório, circulou a notícia que cerca de US$ 16 bilhões (R$ 82,49 bilhões) foram apostados no Super Bowl 57 – um recorde para um único evento. Foram cerca de 100 milhões de apostas feitas apenas em um fim de semana, segundo uma análise da Rede de TV CNBC.

Os EUA têm expandido amplamente as opções legais de jogos de azar nos últimos anos, com muitos líderes políticos estaduais argumentando que a proibição serviu apenas para canalizar a receita tributária para operações ilegais.

A mudança mais relevante dos últimos anos ocorreu em maio de 2018, quando a Suprema Corte, em uma decisão de 6 a 3, derrubou uma lei de 1992 que restringia amplamente as apostas esportivas em Las Vegas. A decisão desencadeou uma onda de esforços de legalização, permitindo apostas esportivas legalizadas em 33 estados e no Distrito de Columbia, a tempo do Super Bowl no ano de 2022.

Os movimentos levantaram preocupações de que a rápida disseminação de jogos legalizados possa levar a problemas de dependência, especialmente entre pessoas financeiramente vulneráveis, enquanto as apostas esportivas legalizadas aumentam o risco de manipulação de resultados.

“O que milhões agora enfrentam são anúncios enganosos intermináveis veiculados durante as transmissões de televisão mais assistidas na América do Norte, convidando-os a arriscar seu dinheiro em plataformas financiadas por capitalistas de risco e não pelo crime organizado,” disse Matthew Walther, editor do jornal literário católico The Lamp, em um artigo da Atlantic no ano passado.

A principal resistência para aprovação do projeto no Congresso Nacional vem justamente da Bancada Cristã.

Por Val-André Mutran – de Brasília