PEC dos Precatórios abre margem para aumento de gastos do fundo eleitoral

Partidos discutem blindagem para verba extra não seja usada para despesas sem transparência
A PEC dos Precatórios está como principal item da pauta de quarta-feira (3/11)

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Brasília – Partidos de oposição ao governo denunciaram na semana passada que a aprovação da PEC dos Precatórios, retirada da Ordem do Dia do Plenário por falta de quórum, esconde outros interesses além da capitalização do Auxílio Brasil, novo programa de transferência de renda do governo. Segundo oposicionistas, a medida criará verbas que poderão ter como destinos o fundo eleitoral (que pode passar de R$ 2 bilhões para R$ 5 bi), o “orçamento secreto”, e outras iniciativas de pouca transparência.

As negociações prosseguem para a aprovação da matéria, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), planeja colocar a PEC em votação na próxima quarta-feira (3/11). O projeto é visto pelo governo como vital para garantir recursos ao Auxílio Brasil de R$ 400,00. No final desse mês, um contingente de 17 a 23 milhões de pessoas receberão a última parcele do pagamento do Auxílio Emergencial.

“Essa PEC está sendo usada para abrir espaço no Orçamento, com dois objetivos: de um lado, atender o desejo do Bolsonaro de ser reeleito, com fundos para um programa popular que pode ajudar em sua campanha para a reeleição. De outro, atender interesses do Centrão, que pode incrementar valores das emendas de relator e as do fundo eleitoral”, disse o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG). O partido do parlamentar, que costuma acompanhar o governo nas pautas econômicas, se posicionou contrário à emenda constitucional.

Em posicionamento divulgado na quarta-feira (27), a liderança da minoria da Câmara, que reúne partidos de esquerda que fazem oposição a Bolsonaro, chamou a iniciativa de “PEC da chantagem”, “PEC do calote” e “PEC dos artifícios criados pelo governo”.

“A proposta promove uma maquiagem nas contas públicas para criar um espaço de mais de R$ 100 bilhões no orçamento, sendo que apenas R$ 30 bilhões adicionais seriam suficientes para o pagamento dos auxílios sociais ao povo brasileiro. O restante dos recursos encontra-se num limbo, sem qualquer vinculação de destinação, a serem usados pelo governo no orçamento secreto”, aponta o texto.

A hipótese é rechaçada pelo deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), da base governista. “Esses argumentos são falhos. Uma coisa não tem nada a ver com outra. Precisamos da PEC para garantir recursos para o Auxílio Brasil. Se quiséssemos ampliar as verbas do fundo eleitoral, poderíamos fazer isso de outra forma”, destacou.

Governo descarta Plano B

O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que o governo só tem o Plano A, ou seja, a aprovação da PEC dos Precatórios que estabelece um teto anual para o pagamento, por parte da União, de dívidas referentes a disputas judiciais nas quais o governo federal é derrotado e onde não há mais possibilidade de recurso.

O governo alega que o montante necessário para o custeio dos precatórios passou por crescimento exponencial nos últimos anos e, por isso, é necessária uma revisão das regras. Os números apontados pelo Executivo falam de despesas na ordem de R$ 16 bilhões em 2016, R$ 45 bilhões em 2020 e de R$ 90 bilhões em 2021.

“É óbvio que esse crescimento exponencial não dialoga com o teto de gastos, que sobe com base na inflação. Essas decisões judiciais tomam o espaço de todas as políticas públicas que o governo precisa implementar para atender ao povo brasileiro, especialmente na saúde, educação, infraestrutura e na área social”, declarou, em discurso na quinta-feira (28), o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

A definição da nova sistemática para o pagamento dos precatórios prevista na PEC contempla também uma revisão no parâmetro do teto de gastos. O teto, aprovado pelo Congresso durante a gestão do ex-presidente Michel Temer, determina que todos os gastos públicos do governo federal só podem subir para serem adequados à inflação medida no período entre julho de um ano e junho do ano seguinte. O intervalo foi pensado porque é no mês de agosto que o projeto de orçamento é enviado pelo governo ao Legislativo. Já pela nova proposta incluída na PEC valem os índices de inflação entre janeiro e dezembro. Com isso, o Orçamento será formado sem as regras da inflação consolidadas. Para críticos da proposta, isso permitiria ao governo sobredimensionar os índices inflacionários para poder ampliar sua margem de recursos.

O relator da PEC dos precatórios, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), disse acreditar que as mudanças previstas na proposta criem uma janela orçamentária de R$ 84 bilhões. Técnicos em contas públicas e orçamento veem uma margem superior, de R$ 95 bilhões.

A divergência sobre o montante exato e o destino desses recursos é um dos fatores que mais tem motivado contestações. A nota da liderança da minoria recorda o caso do “orçamento secreto”, circunstância trazida a público no início do ano após reportagens do jornal O Estado de S. Paulo e ainda não plenamente esclarecida pelo governo federal.

A manobra consiste em uma rubrica no Orçamento da União, denominada “emenda de relator”, que tem como beneficiários os deputados federais e senadores, que em tese devem destinar os recursos para obras e outras ações em suas regiões de origem.

A reportagem do blog conversou com alguns deputados e a Coluna Direto de Brasília da semana passada citou o exemplo de destinação desse tipo de rubrica, muito suspeita, de uma emenda milionária para a Prefeitura de São Félix do Xingu.

O processo, porém, é marcado pela falta de transparência. Não há critérios claros sobre quais são os parlamentares que são efetivamente contemplados com as verbas, e nem como os recursos são utilizados. As reportagens do Estadão identificaram casos de deputados de Amazonas e Roraima que destinaram recursos para a compra de tratores por uma cidade do interior de Goiás. Em alguns casos, os produtos foram adquiridos por preços diferentes dos praticados no mercado, o que despertou a atenção da Controladoria-Geral da União que está investigando as supostas irregulaidades.

Outra controvérsia que envolve a PEC dos precatórios diz respeito a valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), antecessor do atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Críticos da iniciativa alegam que o estabelecimento de um teto para pagamento dos precatórios travará pagamentos a estados e municípios que deveriam ter sido compensados por terem recebido, no passado, valores referentes ao Fundef inferiores ao combinado. E o processo terá como penalizados professores das redes públicas dessas localidades.

“A constatação desse quadro mudou a dinâmica do processo. Membros da oposição que chegaram a ser favoráveis à PEC alteraram sua opinião”, ressaltou o deputado Mitraud.

Em entrevista coletiva na quinta, o presidente da Câmara, Arthur Lira, contestou a ideia. “Não há prejuízo para professores e estados que vão fazer a compensação. São versões que são criadas, que temos a obrigação de desmistificar”, disse.

Receio de derrota

Outra guerra silenciosa é travada paralelamente à aprovação da emenda constitucional dos precatórios. O agendamento da votação da PEC para o dia 3 é uma mostra do embate político que a iniciativa motiva. Isso porque as expectativas anteriores eram de votação na semana passada, mas o processo não ocorreu pelo receio de derrota.

A busca por mais votos envolveu não apenas lideranças do Congresso, mas também representantes do governo, como os ministros João Roma (Cidadania), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Ciro Nogueira (Casa Civil). Os três são parlamentares licenciados; Roma e Arruda são deputados, e Nogueira é senador.

Além do teor do texto, outro elemento foi citado como dificultador da aprovação da iniciativa: a decisão de Lira de retomar na íntegra, a partir da semana atual, as votações presenciais na Câmara. Aliados do presidente da Casa acreditam que a medida contribuiu para a redução do quórum, o que diminuiu a margem de votos necessários para a aprovação. Por ser uma PEC, a proposta precisa de no mínimo 308 votos dos deputados, em dois turnos de votação, e depois ser aprovada no Senado, em rito semelhante.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou que poderia colocar a proposta em votação diretamente no plenário da casa, sem submetê-la a comissões, como é o rito habitual. O presidente Jair Bolsonaro declarou que a pauta compete a Pacheco, mas ressaltou que o governo tem pressa para a aprovação da iniciativa.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.