Oposição quer criação de Grupo de Trabalho para analisar projeto das Fake News

PL foi aprovado pelo Senado em 2020 e está parado na Câmara dos Deputados desde abril de 2022
Bancada do PL fechou questão contra a aprovação do texto do substitutivo do PL das Fake News

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Brasília – A semana legislativa terá início nesta segunda-feira (6) com uma ampla articulação de partidos da oposição que pretendem pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a criar um Grupo de Trabalho (GT) para a discussão do Projeto de Lei nº 2.630/2020, mais conhecido como PL das Fake News. A matéria foi aprovada pelos senadores em 2020, mas está parada na Câmara dos Deputados desde abril de 2022.

A proposta busca regular a atividade de plataformas de mídias sociais e combater a disseminação de notícias falsas no ambiente digital. A aprovação do PL é defendida pela base governista, mas tornou- se alvo da oposição, que pretende dificultar sua aprovação na Casa. Como argumento, deputados defendem que a medida pode colocar em risco a “liberdade de expressão” no país.

As críticas ao projeto foram endossadas por parlamentares de partidos de oposição ao governo. Em reunião do Partido Liberal (PL), a questão sobre o polêmico projeto foi fechada. A bancada com 99 deputados federais jogará todo o seu peso para modificar o texto vindo do Senado e o relatório apresentado pelo deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), relator da matéria na Câmara.

Após o encontro do PL, o grupo reafirmou ser “contrário à regulação das mídias” e defendeu a “liberdade de expressão ampla e restrita nas redes sociais”.

“Nós já vivemos um cenário de censura no Brasil, onde os números falam por si só. Aumentar ainda mais a penalidade para quem expor suas opiniões não é o correto,” defende o deputado Zé Vitor (PL-MG), líder da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital.  A opinião é compartilhada pelo deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), coordenador na Câmara dos Deputados da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.

Consenso

Em 2022, o texto relatado pelo deputado Orlando Silva acabou tendo a urgência rejeitada no plenário da Casa. Agora, o consenso em um texto, explicam parlamentares, será ainda mais complicado. Além do relatório de Silva ter forte oposição na Câmara, há o agravante de que parte do governo Lula quer um texto ainda mais rigoroso para as redes sociais após as invasões do dia 8 de janeiro.

Integrantes da Frente Parlamentar Digital, por exemplo, explicam nos bastidores que a criação de uma comissão é uma boa ideia e que facilitaria a confecção de um projeto de lei com maior aceitação pelos deputados. Arthur Lira, entretanto, ainda estaria reticente com a ideia. O presidente da Câmara gostaria de resolver a questão o mais rapidamente possível e teria a preferência por votar um relatório diretamente no plenário da Casa.

Deputado Orlando Silva (PC do B-SP) foi o relator da matéria na Câmara dos Deputados na legislatura passada

O que diz o relator?

Desde que o PL das Fake News veio do Senado ainda em 2020, a matéria é alvo de críticas de partidos de oposição ao governo Lula. No governo Bolsonaro, o requerimento de urgência de tramitação foi rejeitado pela então base de apoio do governo.

A proposta busca aperfeiçoar a legislação brasileira referente à liberdade, à responsabilidade e à transparência na internet. As regras vão se aplicar a provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas que ofereçam serviços ao público brasileiro, inclusive empresas sediadas no exterior, cujo número de usuários registrados no país seja superior a 10 milhões.

O GT da Câmara dos Deputados que analisou a matéria concluiu a votação do relatório em dezembro do ano passado. Uma das modificações da segunda versão do texto apresentado, em relação ao aprovado pelo GT, é a equiparação das mídias sociais aos meios de comunicação social para fins do cumprimento do artigo 22 da Lei de Inelegibilidade.

O artigo diz que qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá pedir abertura de investigação na Justiça Eleitoral para apurar uso indevido de meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido.

“A equiparação das plataformas digitais a meios de comunicação serve apenas e somente para que a eficácia da Justiça eleitoral se dê plenamente quando houver abuso na atividade nesses espaços,” disse Silva em atendimento a expresso pedido do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior eleitoral (TSE).

O deputado relator destacou que, para elaborar o texto, fez reuniões com líderes e bancadas dos partidos na Câmara, com o Poder Executivo e com o Poder Judiciário, incluindo o TSE e Alexandre Moraes, relator do inquérito que investiga fake news. Além disso, segundo ele, foram ouvidos representantes das empresas e da sociedade civil.

De qualquer forma, a matéria voltará ao Senado porque deve ser radicalmente modificada pelos deputados. Os senadores aprovaram o projeto numa velocidade incomum para um projeto com tal complexidade. Silva afirmou também ter discutido o texto com líderes no Senado, com o autor do projeto, senador Alessandro Vieira (PSDB-RS), e com o relator da proposta naquela Casa, senador Angelo Coronel (PSD-BA). 

Ele considera que as mudanças foram bem recebidas e sua expectativa é de que inclusive a bancada governista vote favoravelmente à proposta, ressalvando os destaques das bancadas para votação de determinados pontos em separado. Orlando Silva espera que a votação seja retomada.

O Blog do Zé Dudu separou e resumiu os principais pontos em discussão do PL das Fake News.

Imunidade parlamentar

Uma das modificações em relação ao texto do Senado foi a inclusão de dispositivo prevendo que a imunidade parlamentar em relação a opiniões será estendida às redes sociais. O relator ressalta que essa imunidade não impedirá a ação da Justiça.

“O caso do deputado Daniel Silveira (União-RJ) é o melhor emblema para demonstrar que a imunidade parlamentar material não serve para proteger nem abrigar crime nem criminoso. É o exemplo cabal disso: um parlamentar, ao tentar se abrigar na imunidade parlamentar, viu a força da Justiça,” afirmou. “O Poder Judiciário vai decidir sobre os casos como já fez com o ex-deputado Daniel Silveira, condenando-o a mais de dez anos de prisão em função de crimes tipificados na legislação que versam sobre a defesa do Estado Democrático de Direito”.

Contas oficiais

A proposta considera de interesse público, submetendo-se às regras e aos princípios da administração pública, as contas de redes sociais indicadas como institucionais pelos órgãos públicos e por agentes políticos. Essas contas não podem, por exemplo, bloquear usuários.

No novo texto, o relator deixa claro que, caso possua mais de uma conta em uma plataforma, o agente político ou servidor público indicará aquela que representa oficialmente seu mandato ou cargo ao respectivo órgão corregedor, sendo as demais eximidas das obrigações.

Representação no Brasil: comunicação – internet – Telegram

A proposta obriga os provedores a serem representados por pessoas jurídicas no Brasil, o que afeta especialmente o aplicativo Telegram. O novo texto esclarece que a representação deverá ter plenos poderes para responder perante as esferas administrativa e judicial, para fornecer às autoridades competentes informações, para cumprir as determinações judiciais e responder a eventuais penalizações.

“Saiu de uma mera representação formal para uma representação que seja capaz de cumprir determinações judiciais. Não basta designar Bruno Góes como representante do Telegram no Brasil. É necessário constituir pessoa jurídica para que essa representação dê capacidade e competência para defender as necessidades e demandas do Brasil,” explicou Silva.

Conteúdos jornalísticos

O GT também incluiu no texto do Senado um dispositivo para que os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores sejam remunerados. A ideia é valorizar a informação produzida pelo jornalismo profissional como forma de combater a desinformação.

No novo substitutivo, o relator buscou esclarecer quem poderá ser beneficiado pela remuneração dos conteúdos jornalísticos – ou seja, empresa constituída há pelo menos um ano da publicação da lei, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil.

Conforme Orlando Silva, a ideia é valorizar quem tem sede e editor responsável no Brasil. Ele ressalta que há preocupação da mídia independente de que a remuneração seja concentrada em grandes meios de comunicação. O deputado promete buscar até o dia da apreciação da proposta no Plenário uma redação mais justa e exata.

Relatórios de transparência

Segundo o texto aprovado no GT, os provedores de mídias sociais e serviços de mensageria vão ter que elaborar e publicar relatórios de transparência semestrais com as principais ações tomadas no período. O relator explicou que modificou alguns itens que os relatórios de transparência deverão conter, já que “havia o temor de que determinadas informações publicadas poderiam facilitar a vida de agentes maliciosos”.

Ele remeteu ao Comitê Gestor de Internet (CGI.br) a possibilidade de requerer, por ato fundamentado, determinadas informações, que não seriam mais públicas.

Autorregulação

O novo substitutivo diz que os provedores poderão criar instituição de autorregulação voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet. No texto antigo, a criação da instituição era obrigatória.

Sanções

Silva explicou ainda que procurou calibrar as sanções e estabelecer limite para o valor por infração. O texto aprovado pelo GT prevê multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil pelo descumprimento da lei. O novo substitutivo estabelece que, ausente o faturamento, a multa será de R$ 10 até R$ 1 mil por usuário cadastrado no provedor sancionado e será limitada, no total, a R$ 50 milhões por infração.

Vigência

No novo texto, o relator fixa prazos diferenciados para o cumprimento dos diferentes dispositivos da lei. Ele estabelece prazo de um ano para a entrada em vigor de alguns dispositivos do texto, como a produção dos relatórios de transparência. Para outros pontos, o prazo de vigência será de 90 dias a partir da publicação da lei, caso aprovada.

Para outros ainda, a vigência será imediata, como as regras para a representação das empresas no Brasil e a equiparação das mídias sociais aos meios de comunicação social para fins da aplicação da Lei de Inelegibilidade. Segundo o deputado, isso significa que essas regras poderão valer já para essas eleições, caso a proposta seja votada e publicada antes das eleições.

“Tenho convicção de que essa lei pode ajudar a ter eleições mais seguras e confiáveis, a combater a desinformação nos serviços de mensagem e a criar restrições para agentes públicos manejarem seus cargos e utilizarem estruturas públicas para servir à desinformação,” avaliou. A oposição ao governo não concorda.

Por Val-André Mutran – de Brasília