MPF pede anulação da audiência pública da Mina N3; Vale nega falta de divulgação do evento e diz que cumpriu cada protocolo

A audiência foi realizada ontem (8), de forma virtual. O MPF, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) citam pandemia e alegam falta de divulgação do evento, o que é negado pela Vale

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O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou Ação Civil Pública na Justiça Federal pedindo a nulidade da Audiência Pública sobre a Mina N3, da Vale, localizada no Complexo de Carajás, em Parauapebas. A audiência foi realizada no início da noite de ontem (8) em desacordo com o que havia recomendado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), na semana passada, o MPF, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).

Os órgãos argumentaram que a audiência, realizada por meio virtual, não foi “divulgada para os atingidos, principalmente moradores de áreas rurais e aldeias indígenas, que sequer têm acesso a internet”. A recomendação foi feita na semana passada, mas o Ibama, segundo o MPF, se recusou a cumprir a recomendação.

Citada na ação, a Vale nega falta de divulgação da audiência. A empresa ainda destaca que, no caso dos indígenas, eles também participaram da audiência, mesmo o projeto estando a 45km da comunidade.

Mas, no entendimento do MPF, os Xikrin e outras comunidades precisam ser consultados de forma ampla. Por isso, o órgão ajuizou ação civil pública pedindo a suspensão ou a nulidade da audiência pública.

A ação pede ainda que o Ibama seja proibido de promover novas audiências públicas até que haja possibilidade de participação efetiva, segura e presencial das comunidades afetadas pela Mina N3. Segundo o MPF, a participação do povo indígena Xikrin do Cateté e da comunidade de Catadores de Jaborandi, especialmente afetados pela nova mina, foi prejudicada porque essas comunidades não têm fácil acesso à internet de qualidade, tampouco familiaridade com os instrumentos tecnológicos necessários para acompanhar o evento.

“Ainda que a Vale S/A tenha estabelecido pontos para transmitir a audiência virtual, essas comunidades pertencem ao grupo de risco da Covid-19, razão pela qual sua presença física em tais locais é desaconselhada”, diz o MPF. A ação informou à Justiça que o agendamento do evento pelo Ibama não cumpriu as formalidades legais exigidas, por não garantir a participação das comunidades afetadas e cria dificuldades para que as instituições de controle cumpram seu papel constitucional.

O MPF diz ainda que foi informado do evento com apenas cinco dias úteis de antecedência, o MPPA com apenas três dias úteis de antecedência (em convite onde o horário da audiência estava incorreto) e o MPT nunca recebeu convite, “o que viola frontalmente a resolução número 9/1987, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que disciplina a realização de audiências públicas em processos de licenciamento ambiental”.

O MPF destaca que, de acordo com a resolução, o órgão licenciador – no caso, o Ibama – é obrigado a realizar audiências públicas quando solicitado pelos órgãos de controle e de comunicá-los oficialmente em correspondência registrada sobre a realização. “Foi o que fizeram o MPF, MPT e MPPA, requisitando audiência pública sobre o projeto no primeiro semestre de 2020 e destacando que o evento deveria ser planejado a partir das limitações impostas pela pandemia do novo coronavírus. No dia 10 de julho, o Ibama respondeu aceitando a realização da audiência e informando que não havia definição quanto ao modelo e à data de realização da audiência pública, justamente em razão da pandemia”, argumenta o MPF.

Ainda segundo o órgão federal, “o Ibama também falhou em informar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da Flona de Carajás, local de funcionamento da nova mina da Vale”. “Ao questionar o órgão sobre estudos técnicos que tivesse produzido para a audiência pública, o MPF recebeu como resposta que só tinha sido informado do evento no dia 15 de setembro, através de ofício da empresa. “Desta forma, ainda não recebemos comunicação formal do órgão licenciador Ibama, bem como não foi encaminhada solicitação formal de manifestação para emissão da autorização de licenciamento ambiental para o empreendimento”, dizia a resposta do ICMBio, informa o MPF.

O Ministério Público Federal diz que, “apesar de não existirem ainda estudos detalhados, a área que a Vale pretende explorar é de floresta preservada com características ecológicas únicas, lar de espécies endêmicas, ou seja, não encontráveis em nenhum outro ecossistema no mundo”. “Tais características evidenciam o completo descabimento da realização da audiência pública virtual sem a observância das regras de comunicação aos órgãos ministeriais”, enfatiza a ação judicial.

Ainda na ação, o MPF destaca que, quem também mostrou preocupação com o novo empreendimento da Vale foi a Assembleia Legislativa do Pará que, em documento enviado ao órgão em junho de 2020, considerou a realização de audiência pública em meio a uma pandemia como decisão sem razoabilidade e pediu ao órgão que recomendasse a suspensão de todo o licenciamento da Mina N3.

O MPF aponta na ação a ausência de divulgação da audiência pela empresa. “O dever de informar de maneira efetiva as comunidades afetadas e interessadas sobre a realização de uma audiência pública dentro de um licenciamento ambiental é do empreendedor interessado. Além de não comunicar as comunidades nem fazer divulgação na imprensa, a Vale colocou alguns outdoors em Parauapebas onde não constavam nem a data, nem o local do evento”, pontua o órgão.

Segundo o Ministério Público Federal, as comunidades diretamente afetadas não foram sequer informadas. “É o caso dos coletores de Jaborandi da Área de Proteção Ambiental do rio Gelado, que os estudos de impacto ambiental atestam que perderão o sustento por causa da derrubada da floresta onde coletam o principal produto para sua sobrevivência. As deficiências na divulgação da audiência pública constam inclusive em parecer técnico do próprio Ibama que pediu que várias instituições e comunidades fossem devidamente informadas. A Vale não cumpriu o pedido e mesmo assim o órgão licenciador deixou prosseguir o evento”, aponta o MPF, que afirma ser lamentável que audiência pública seja tratada como mera etapa formal do processo de licenciamento, quando não um empecilho para a sua rápida conclusão.

“Lamentavelmente, a cultura político-institucional brasileira tende a tratar a audiência pública como mera etapa formal do processo de licenciamento, quando não um empecilho para a sua rápida conclusão. O que não se percebe é que, ao contrário, participação das comunidades afetadas qualifica a atuação dos órgãos públicos e, em verdade, é efetivo instrumento de gestão de políticas públicas, já que a participação das comunidades afetadas permite aos órgãos públicos identificar impactos inicialmente não antevistos ou subdimensionados pelos órgãos ambientais”, afirma na ação o MPF.

Vale garante que audiência seguiu os protocolos recomendados

Sobre as colocações do Ministério Público Federal, a Vale informa que a audiência seguiu as orientações vigentes Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e Ibama. Segundo a empresa, foi feita a divulgação e ainda reuniões prévias sobre a audiência.

De acordo com a mineradora, a audiência foi bastante participativa, com mais de 500 pessoas interagindo por meio virtual ou em pontos presenciais, que foram disponibilizados. Os pontos foram disponibilizados nas comunidades da zona rural de Parauapebas (Vila Paulo Fonteles, Sanção e na Apa do Gelado) e em três outros pontos no centro da cidade.

Também foi montado um ponto em Ourilândia do Norte, para participação dos caciques e indígenas Xikrin. A mineradora ressalta que na abertura da reunião, que começou às 18h20, representantes do Ibama apresentaram os procedimentos da audiência, seguido pelas apresentações sobre o Projeto N3 e do estudo ambiental, feitos por representantes da empresa e da Consultoria Amplo Engenharia.

Foram registradas todas as manifestações orais e escritas, sendo respondidas todas perguntas inscritas pelos participantes. A empresa destaca que, mesmo após a audiência, as pessoas podem acessar mais informações e o vídeo com as apresentações realizadas, que estão disponíveis no site http://bit.ly/ValeAudienciaPublicaMinaN3.

Também podem enviar em até 20 dias suas dúvidas pelos canais 08007291435, email:audienciapublicaminan3@arcadis.com e whatsapp 11 981952518. Ainda em respostas às colocações do MPF, a Vale afirma que, antes da audiência pública, a empresa realizou reuniões prévias com representantes do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, além da sociedade civil organizada, apresentando o projeto e informando sobre a realização da audiência.

As reuniões foram realizadas com a Prefeitura de Parauapebas, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, ICMBIO, Conselho Consultivo da FLONA Carajás, com a participação de representantes dos Coletores de Jaborandi. Fora isso, a mineradora diz ainda que participaram das reuniões prévias a Associação Comercial e Industrial de Parauapebas (Acip), Ministério Público Federal, sindicatos, associações comunitárias, Câmara de Vereadores, entre outros.

A divulgação foi realizada também por meio de rádio, carro de som, anúncio, outdoors, faixas, Whatsapp e na imprensa.

Com isso, empresa garante que cumpriu passo a passo todos os protocolos exigidos para a realização da audiência pública. A mineradora pontua que o Projeto da Mina de N3 deverá contribuir para manter empregos, arrecadação, produção em Carajás e ações voltadas para a conservação do meio ambiente e desenvolvimento social.

A realização da Audiência Pública é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama. A Vale acrescenta que, devido a pandemia, o Conselho Nacional do Meio Ambiente estabeleceu a audiência pública virtual, com objetivo de colaborar para que a sociedade compreenda melhor o projeto e tire suas dúvidas.

No caso específico dos índios, a Vale esclarece que a distância do projeto N3 é de aproximadamente 45 km até a borda da Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté. Essa distância, explica a empresa, é bem superior ao que determina a Portaria Interministerial 60/2015, que estabelece a necessidade da realização de estudos do componente indígena somente para os empreendimentos localizados na Amazônia Legal, que estejam até 10 km da borda da terra indígena.

O Ibama, citado na ação, ainda não se manifestou sobre as colocações do MPF e ação ingressada na Justiça Federal.

(Tina Santos)