Juíza de Parauapebas resolve polêmica de roubo em cartório de Marabá

Funcionária que ganhava salário de R$ 1.500,00 é condenada a 5 anos de prisão e perderá 5 imóveis que estavam em seu nome

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Uma ação criminal de 2014 envolvendo o Cartório de 1º Ofício de Marabá “Antônio Santis” acaba de ser resolvida pela juíza Priscila Mamede Mousinho (foto), da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Parauapebas, mas auxiliando a 2ª Vara Criminal da Comarca de Marabá por meio do Grupo de Trabalho e Monitoramento das Metas 04 e 06 do Conselho Nacional de Justiça.

A denúncia foi feita pelo Ministério Público Estadual contra Marilda Santis Batista, alegando que a mulher teria desviado dinheiro, em razão do cargo de confiança que exercia.

A tabeliã Neuza Maria Santis Seminotti começou a desconfiar que no balanço feito entre a saída dos selos oficiais com os valores recebidos havia uma diferença. Relatou, ainda, que a pessoa responsável por esse atendimento era Marilda Batista. Com isso, apresentou documentos que comprovavam que ela não estava agindo corretamente, pois entregava recibos de quitação aos clientes, sem, contudo, repassar os valores para o caixa do cartório, que, na verdade, eram feitos diretamente na conta bancária da acusada. Conforme apurado, a tabeliã declarou que a denunciada recebia salário no valor de R$ 1.500,00, todavia, adquiriu vários bens em pouco espaço de tempo, denotando enriquecimento.

Marilda Batista alegou, em sua defesa, que não desviou dinheiro em proveito próprio, e sim cumpriu determinações da própria tabeliã do Cartório. Informou que a pedido de Katty Amarylis Santis Farias, com a anuência das irmãs Kelvy Anery Santis Farias Vasconcelos e Kenny Andressa Santis Farias Rodrigues, ela teria que receber os pagamentos feitos ao cartório, realizados através de cheques, a fim de que estes fossem depositados na conta bancária e após a sua compensação, os respectivos valores fossem repassados àquelas. Assim, alega que vários pagamentos cartoriais eram depositados diretamente na conta pessoal da tabeliã substituta Katty Amarylis, que isso era uma prática comum no Cartório.

A acusada também afirmou que os imóveis apontados como seus não encontram respaldo no conjunto probatório, pois não foram verificadas as datas em que foram adquiridos, bem como desconsidera que ela, Marilda, trabalhava, de forma remunerada, há 14 anos.

O Ministério Público pediu a quebra do sigilo bancário e fiscal de Marilda Santis, o que foi autorizado pela Justiça, provando que a movimentação financeira dela seria incompatível com sua renda, bem como pelos bens adquiridos em seu nome. Além disso, foi realizada auditoria no cartório, em que se apurou que, somente na senha da acusada, foram encontradas 3.861 exclusões de tickets de serviços executados, 46 exclusões de cartões de sinal público, 9.775 alterações de imagens de assinatura de cartões de reconhecimento de firmas e 352 exclusões de impressão digital de clientes do cartório.

Por conta disso, o MP requereu a aplicação da emendatio libeli, a fim de que fosse reconhecida, além da conduta de peculato prevista no art. 312 do Código Penal, o tipo penal de lavagem de capitais, disposto no art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/98, em concurso material.

Neuza Santis, como assistente de acusação, entendeu que restou comprovada a materialidade do delito, pois sua funcionária recebia os valores das empresas que pagavam mensalmente a repartição e, por ter conhecimento de todas as senhas necessárias para operação no sistema do cartório, emitia os recibos, visando à apropriação dos recursos, dava baixa no sistema e excluía a operação. Reconheceu, também, que a evolução patrimonial da acusada foi incompatível com a renda que auferia. Durante a instrução, também se comprovou que a acusada cometia o delito de lavagem de capitais, pois se utilizava dos recursos provenientes dos pagamentos feitos pelos clientes, os quais eram depositados em três contas bancárias de sua titularidade, a fim de adquirir imóveis em seu nome e em nome de terceiros estranhos à relação.

Por sua vez, a defesa, ao apresentar alegações finais, alegou que a tabeliã Neusa e suas filhas Kelvy e Katty eram conhecedoras do modus operandi de atendimento aos clientes e o recebimento dos valores da prestação de serviços nas contas bancárias de titularidade. Aduz, ainda, que com um cartório com renda mensal de aproximadamente R$ 200.000,00, o desfalque milionário deveria ter sido sentido logo no início, contudo, “o que ocorria era um procedimento aprovado pela tabeliã Neusa”.

Ela imputou às filhas da tabeliã o mesmo procedimento adotado por si, quando trabalhava no Cartório, ou seja, o recebimento de pagamentos dos clientes pela prestação de serviços cartorários, que não eram registrados no livro caixa, sendo depositados em contas particulares daquelas, e não na conta bancária do cartório.

Em sua decisão, a magistrada que, ao contrário do que sustentava a acusada Marilda, a materialidade e a autoria dos delitos restaram demonstradas através do farto conjunto probatório apurado nos autos, senão vejamos.

A empresa Siderúrgica Ibérica S/A relacionou os pagamentos pelos serviços prestados pelo Cartório, no período de 09/02/2011 a 16/04/2013, todos na conta bancária de titularidade da acusada, no Banco Bradesco, a pedido da própria Marilda, confirmados pelos comprovantes de transferência e recibos. “Os extratos bancários de fls. 871/923 dos autos 0016775-54.2014.814.0028 demonstram intensa movimentação financeira de depósitos de cheques e transferências de recursos, que não são negadas pela acusada, pois arguiu em sua defesa que era de conhecimento da vítima Neusa e de suas filhas Kelvy e Katty.

Contudo, o grande cerne da questão, na avaliação da juíza Priscila Mamede, não é o recebimento do pagamento dos serviços prestados pelo Cartório nas contas particulares da acusada, pois somente esse fato, a priori, não configuraria o delito que lhe é imputado, caso a acusada comprovasse o repasse de tais valores ao Cartório. “Ocorre que, em momento algum, a acusada demonstra, de forma cabal, o lançamento de tais valores no caixa do Cartório. Pelo contrário, a acusada se limita a juntar várias telas printadas de seu aplicativo de mensagens, em que conversa com as filhas da tabeliã sobre os valores que porventura tenha recebido em certos dias, todavia, não comprova o repasse de tais valores àquela que realmente detém a titularidade do cartório, que é a vítima Neusa Santis”.

No que diz respeito ao outro delito apontado pelo MP, para a magistrada é preciso apurar as aquisições de imóveis feitas pela acusada ou por pessoa interposta. Na declaração de imposto de renda do ano de 2014 juntada aos autos da quebra de sigilo bancário e fiscal, constam dois imóveis: 1) um imóvel situado na Folha 16, Quadra 29, Lote 31, bairro Nova Marabá, avaliado em R$ 79.000,00; 2) imóvel situado na Rua 05 de abril n. 505, bairro Velha Marabá, no valor de R$ 160.000,00.

Mas em sua declaração Marilda Santis informou ter recebido no ano inteiro o valor bruto de R$ 35.600,00, bem como ter despendido somente com recursos de educação a quantia de R$ 10.538,76. Em todas as declarações feitas por ela à Receita Federal, a juíza observou a evolução patrimonial declarada da acusada:

42.a) No ano de 2010, Marilda declarou duas casas residenciais no bairro Velha Marabá, no valor total de R$ 42.000,00 (fl. 955);

43.b) no ano de 2011, não declara nenhum imóvel;

44.c) No ano de 2012, ela declarou uma casa na Folha 23, bairro Nova Marabá, bem como uma casa na Rua Benjamin Constant s/n, bairro Velha Marabá. Não atribuiu valor a nenhum dos imóveis;

45.d) No ano de 2013, Marilda declarou, em tese, os mesmos imóveis que em 2012, contudo, atribui à casa da Folha 23 o valor de R$ 50.000,00, bem como o mesmo valor à casa da Rua Benjamin Constant.

Para a magistrada, Marilda omitiu na declaração do ano-calendário de 2014 o destino dos imóveis declarados nos anos de 2012 e 2013, apresentando novos imóveis, com valores muito acima dos que possuía. “O patrimônio da acusada não se restringe aos imóveis relacionados em sua declaração de imposto de renda, alcançando ainda os seguintes bens móveis:

1.a) Rua Santa Catarina, Quadra 158, Lote 15, bairro Jardim Belo Horizonte;

2.b) Terreno localizado na Quadra 126, Super Quadra 35, Lote 05, bairro Jardim Belo Horizonte; c) Terreno localizado na Quadra 126, Super Quadra 35, Lote 05, bairro Jardim Belo Horizonte.

“Por outro lado, assiste razão à acusada quando afirma que o imóvel localizado na Rua 27 de março número 348 tem data de aquisição anterior aos fatos que lhe são imputados. Ressalte-se que o terreno urbano localizado na Rua Piauí, Lote 17, Quadra 215, Loteamento Jardim Belo Horizonte, pertence a Aurélio Anastácio de Oliveira, cuja relação com a acusada não foi levantada nestes autos. A colação de provas acima explicitada já é suficiente também para a comprovação da autoria da acusada, até porque esta não nega, em momento algum, que não recebia os valores em sua conta, todavia, tenta elidir sua responsabilidade ao afirmar que era praxe do cartório receber os valores em contas pessoais e os repassava às filhas da vítima. Quanto à aquisição dos imóveis, não há o que se refutar. A renda da acusada não era suficiente para proporcionar as despesas com educação e aquisição de imóveis na forma com que foi exposta, nem mesmo se a renda dela fosse somada com a renda de seu esposo, Sr. Luiz Augusto Alves da Silva. No mais, a aquisição de imóveis em nome de Emivaldo Alves da Silva não encontra respaldo nas alegações da acusada, uma vez que as informações da renda dele não são compatíveis com a aquisição dos imóveis acima arrolados, bem como a acusada não comprova que o seu cunhado teria todo um patrimônio que justificasse a aquisição de tais imóveis”.

A juíza Priscila Mamedo também destacou que Marilda não comprovou o porquê de ter feito a exclusão dos tickets dos serviços que realizou, somente se limitando a afirmar que as senhas das filhas da vítima também permitiam a exclusão dos tickets. “Por derradeiro, a defesa se mostra totalmente silente sobre o contrato de prestação de serviços advocatícios firmados pela acusada, cujo valor (R$ 100.000,00) é flagrantemente incompatível com a renda apresentada pela acusada em suas declarações de imposto de renda, demonstrando assim que existem recursos utilizados pela acusada que têm claramente origem ilícita”.

Por fim, a juíza fixou a pena-base de Marilda Santis Batista em cinco anos e nove meses de reclusão e 120 dias-multa. O regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto.

Com relação aos bens imóveis que foram bloqueados por decisão judicial, em face do apurado, a magistrada determinou o perdimento dos seguintes bens em fase do lesado:

1) Casa na Folha 23, bairro Nova Marabá, conforme declaração de imposto de renda da ré;

2) Casa na Rua Benjamin Constant s/n, bairro Velha Marabá, conforme declaração de imposto de renda da ré;

3) Rua Santa Catarina, Quadra 158, Lote 15, bairro Jardim Belo Horizonte;

4) Terreno localizado na Quadra 126, Super Quadra 35, Lote 05, bairro Jardim Belo Horizonte;

5) Terreno localizado na Quadra 126, Super Quadra 35, Lote 05, bairro Jardim Belo Horizonte.

Atualmente, Neuza Santis não detém mais a concessão do Cartório de 1º Ofício em Marabá.

Ulisses Pompeu – de Marabá