Inflação de dois dígitos e mordomias intocadas

Brasileiro não sai às ruas para reclamar do escárnio e mordomia dos poderosos
À esquerda da foto, o prédio do TCU e do STF, ao centro, o Palácio do Congresso Nacional, à direita, o Palácio do Planalto, e a frente, os Ministérios. Oásis real das mordomias no Brasil

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Brasília – Há 10 meses o brasileiro comum é obrigado a conviver com índices de inflação no patamar de dois dígitos. Numa conjunção de fatores que criou e alimenta a “tempestade perfeita”: pandemia e guerra; o trabalhador — não importa a qualificação —, observa sem forças, ver o seu salário derreter, as vagas de empregos sumirem; a indústria encolher e entrar em processo de sucateamento; milhares de empresas quebrar, e até o meio do ano, 700 mil brasileiros morrerão de Covid-19. Mas nada disso é capaz de alterar as mordomias do legislativo, judiciário e executivo do país. Nenhuma contribuição desses senhores foi dada à Nação dos descamisados. As poucas que apareceram são manifestações individuais. Há um senador que não usa as mordomias à sua disposição. É a exceção da regra.

O brasileiro está condenado — e não protesta contra isso —, pagar a maior farra com dinheiro público que se tem notícia no Mundo. Nenhum outro país trata tão bem a elite dos Três Poderes como o Brasil. Todo o aparato de mordomias colocadas à sua disposição foi pensada e é usufruída por eles mesmo, e muitos, na maior cara de pau, reclamam que ganham pouco e trabalham muito.

As dificuldades e perdas imobilizaram os brasileiros. A política de protesto continua nas mãos de organizações profissionais, como exemplo do protesto da quarta-feira (9), quando artistas milionários, ONGs estrangeiras, movimentos e organizações sociais ligadas à esquerda, realizaram o Ato Pela Terra contra pacote de projetos com impacto ambiental.

A regra é dominar a opinião pública, tão maltratada há anos.

Um dos esportes preferidos dessa turma aboletada nas mais altas cortes do país, fala sobre tudo, embora a maioria não entende nada, e a própria sentença que leem nas sessões das Cortes superiores são redigidas por assessores; e o cinismo chega ao cúmulo de criticarem que o Brasil é injusto, não distribui e é a nação que mais concentra renda na mão de poucos — eles inclusos na aritmética da mordomia desvairada.

O mesmo acontece no primeiro e segundo escalão do Poder Executivo, mas é no Poder Legislativo que o assombro é maior. O sumidouro de dinheiro protagonizado por senadores e deputados é campeão mundial há décadas. Não ficam atrás, as centenas de deputados estaduais, e conselheiros vitalícios de tribunais de Contas que pouco trabalham e quase nada poupam do suado recurso público gerado pelos impostos dos escravizados trabalhadores do país.

— Sim, no Brasil, o povo é escravizado pelo Estado em todos os aspectos e enganado diariamente.

Veja qual é o tamanho da conta que você paga e não protesta
Nessa semana, há dois anos, a Organização Mundial de Saúde anunciou a pandemia da Covid-19. No período, nenhum deputado estadual ou federal, senador, ministro ou conselheiro de tribunal de contas, abriu mão de um centavo de seu salário ou teve o desprazer de ver cortado da lista de compras no supermercado, um item sequer do que é considerado supérfluo; a começar pela quantidade absurda de cargos no topo dos Três Poderes, num Estado perdulário e que só sabe aumentar os gastos públicos.

Cada um dos 513 deputados federais custa R$ 11,3 milhões por ano, considerando o orçamento executado pela Câmara dos Deputados em 2021. Alguns desses deputados acham pouco e vendem as emendas anos a fio. Só vira escândalo quando são descobertos, como nessa semana, na qual três deputados do Maranhão estão sob a mira dos agentes federais.

Pode parecer muito os gastos do pelotão de 513 deputados, mas a despesa é ainda muito maior no Senado Federal — nos R$ 54 milhões pagos a 81 senadores. No Supremo Tribunal Federal (STF), cada ministro — são 11 — custam R$ 60 milhões por ano aos contribuintes. Os valores incluem salários e aposentadorias de servidores, benefícios sociais, medidas de segurança, viagens, atividades legislativas e jurisdicionais e as mordomias de sempre: vinhos top, caviar, lagosta e uma “champanhota” porque ninguém é de ferro.

O que mais pesa no orçamento das três casas é a despesa com pessoal. No STF, com orçamento de R$ 668 milhões, esse gasto representa 74% do total. Com orçamento de R$ 4,4 bilhões, o Senado gasta R$ 84% com servidores. Na Câmara, que consome R$ 5,8 bilhões por ano, a despesa com pessoal bate em 84,5%. Mas tem uma notícia boa: o orçamento das três casas caiu nos últimos 10 anos, em valores atualizados pela inflação. Em 2013, a Câmara gastou R$ 7,4 bilhões; o Senado, R$ 5,6 bilhões; e o Supremo, R$ 787 milhões. Mas, se diminui o gasto por um lado, as excelências logo criam uma maneira de aumentar por outro.

Vejam o caso do STF que é uma parte pequena da Justiça, apesar de ser a mais visível e polêmica. O ramo da Justiça mais dispendioso é a Justiça dos Estados, com R$ 57,7 bilhões, sendo R$ 12 bilhões apenas para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que conta com 65 mil servidores. Em seguida vem o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que custa R$ 6,4 bilhões por ano.

Os desembargadores dos pequenos tribunais de Justiça receberam rendas acumuladas de até R$ 5 milhões nos últimos quatro anos, incluindo os penduricalhos. As sete maiores rendas ocorreram no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO). Os pagamentos retroativos somaram R$ 3 bilhões em todos os tribunais. As indenizações de férias, mais R$ 2,2 bilhões. Todos os penduricalhos totalizaram R$ 8,3 bilhões. Perguntem aos rondonienses se a justiça naquele estado é célere?

Na Justiça da União, a maior despesa total é a da Justiça do Trabalho — jabuticaba que só existe no Brasil, assim como, o Tribunal Superior Eleitoral —, que custa a bagatela de R$ 19,9 bilhões por ano. São 24 tribunais regionais mais os juízes do trabalho. São Paulo conta com dois tribunais, um na capital (TRT-2) e outro em Campinas (TRT-15). Juntos, consomem R$ 4,6 bilhões por ano.

A Justiça Federal custa R$ 12 bilhões, sendo R$ 2,5 bilhões com os tribunais regionais. A Justiça Eleitoral (olha a jabuticaba aqui), mais R$ 6,3 bilhões; os Tribunais Superiores, R$ 3,9 bilhões. A Justiça Militar da União tem orçamento de R$ 571 milhões; a Justiça Militar dos Estados, torra mais R$ 163 milhões. Ao todo, são R$ 100 bilhões ou 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou ainda 11% dos gastos totais da União, estados e municípios. Os dados são relativos a 2020 e estão registrados na publicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “Justiça em Números”.

Com tanto dinheiro disponível, o STF vive um mundo paralelo, e gasta como um bilionário do Vale do Silício (região do estado da Califórnia, onde nasceram as empresas de tecnologia nos Estados unidos) com milhões de reais investidos em segurança armada, carros blindados, sala vip no aeroporto e jantares nababescos, com direito a bacalhau, lagosta, camarão, vinhos e espumantes com pelo menos quatro premiações internacionais, servidos em taças de cristal. As mordomias se estendem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e até mesmo a pequenos tribunais dos sertões do país

Ex-presidentes vivem como nababos
Desde a criação da República, os ex-presidentes não podem se queixar das mordomias que existiam e eram destinadas aos imperadores na antiga forma de governo no Brasil.

Os ex-presidentes que ainda estão vivos gastam como se não houvesse amanhã, e quem paga a conta somos todos nós. Desse pelotão, quem gastou mais com servidores?Curiosamente a equipe de apoio de Lula, que quer ser presidente de novo. Sua equipe custou aos brasileiros R$ 637 mil em 2021. Foi quem menos gastou. Mas a liderança desse ranking foi mantida pelo PT. Dilma torrou R$ 905 mil com assessores e seguranças. O ex-presidente Michel Temer gastou R$ 800 mil; Fernando Collor, R$ 764, embora seja senador com mandato; Fernando Henrique Cardoso, R$ 761 e José Sarney, torrou R$ 742 mil.

Considerando todas as despesas, Lula mantém a liderança, com R$ 1,16 milhão. Dilma ficou na segunda colocação, com R$ 1,1 milhão. Collor, que também conta com as mordomias do Senado, ainda gastou R$ 1 milhão por conta da Presidência da República. Só os assessores do seu gabinete no Senado custaram R$ 5,5 milhões aos cofres públicos em 2021. Com uma viagem para o exterior em novembro, ao custo de R$ 54 mil, a despesa de Temer chegou a R$ 910 mil. Sarney gastou um total de R$ 824 mil; FHC, R$ 762 mil.

Os ex-presidentes ainda gastaram R$ 74 mil com combustível e manutenção de automóveis e alguns trocados com telefonia e telecomunicações — mais R$ 10 mil. Mas é bom lembrar que cada ex-presidente conta com dois carros oficiais de luxo, com valor de R$ 108 mil a unidade. Foram comprados por R$ 1,3 milhão no final de 2019 e pagos em 2020.

As mordomias oferecidas aos ex-presidentes não param por ai, estão previstas na Lei nº 7.474/1986 e ninguém apresenta um projeto para revogá-la; aparecerem alguns para diminuir a sangria, mas, até agora, a tramitação no Congresso é a passo de tartaruga .

Diz a Lei nº 7.474/1986 que o presidente da República, terminado o seu mandato, tem direito a utilizar os serviços de quatro servidores, para segurança e apoio pessoal, bem como a dois veículos oficiais com motoristas, custeadas as despesas com dotações próprias da Presidência da República. Uma alteração na lei, em 2020, diz que os ex-presidentes poderão contar, ainda, com o assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS). Dois “aspones” de livre nomeação escolhido pelo ex-presidente.

Tramitam no Congresso, há muitos anos, vários projetos de lei que reduzem ou extinguem completamente esses privilégios. Um deles, apresentado em 27 de março de 2018, tem como autores o então deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e o deputado Delegado Francischini (PSL-PR). Após eleito, o agora presidente nunca mais tocou no assunto. O projeto dorme nas gavetas da Câmara desde 2019.

O peso das aposentadorias
As aposentadorias pesam nos orçamentos da Câmara e do Senado. Na Câmara, as aposentadorias e pensões custaram R$ 1,9 bilhão em 2021. A maior parte é de servidores efetivos aposentados — R$ 1,43 bilhão. Os pensionistas de servidores receberam mais R$ 346 milhões. Mas também foram pagos R$ 81 milhões a deputados aposentados e R$ 49 milhões a pensionistas de deputados. O antigo Instituto de Previdência dos Congressistas foi extinto em 1999 porque era deficitário. Mas a conta das pensões é paga pela Câmara, com dinheiro da União, ou seja, do pagador de impostos.

Mas tem mais. A Câmara paga R$ 2,4 bilhões por ano para servidores ativos, sendo R$ 1,3 bilhão para efetivos e R$ 1,1 bilhão para comissionados. Nessa última categoria estão 10,2 mil secretários parlamentares — os assessores que trabalham nos gabinetes dos deputados em Brasília e nos escritórios de apoio nos estados. Há ainda assessores das lideranças dos partidos, cargos da diretoria, comissões — são os cargos de natureza especial (CNEs), que chegam a R$ 20 mil.

O programa Siga Brasil, que informa a execução orçamentária dos órgãos públicos da União, mostra o peso das aposentadorias no orçamento do Senado. O valor total pago em 2021 foi de R$ 4,4 bilhões. O Orçamento fiscal ficou em R$ 2,1 bilhões, enquanto o orçamento da seguridade chegou a R$ 2,3 bilhões.

Nada mais justo que em ano de eleição, o eleitor se interesse na discussão com os candidatos que querem o seu voto. Quem sabe estabelecer um pacto para que esse estado de coisa pelo menos tenha uma redução, porque “O mais Brasil e menos Brasília”, de Bolsonaro, é apenas um golpe publicitário, e como dizia a nossa avó: “Depois não reclame do leite derramado.”

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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