Após semanas de discussões nos bastidores, o “jabuti” (trecho sem relação com o projeto inicial) que derruba a isenção de imposto de importação em compras de mercadorias estrangeiras no valor de até US$ 50,00 (cerca de R$ 250 reais) foi aprovado após acordo de líderes e o governo. A medida pegou carona num projeto de lei (PL n° 914/2024), do governo, que cria um programa de benefícios fiscais para montadoras de automóveis e autopeças que investirem em tecnologias de baixa emissão de carbono, como os veículos híbridos e elétricos. Em contrapartida, elas são obrigadas a investir em pesquisas e inovação.
Durante a sessão deliberativa na noite de uma terça-feira (28) agitada com sessão conjunta do Congresso Nacional que durou o dia todo, pouco se falou nos méritos do projeto automotivo, e sim na taxação “de blusinhas”, que seria uma predileção, devido o preço, de consumidores das classes C,D e E, que reúnem as camadas mais pobres dos brasileiros.
Há quase dois meses, a taxação das “blusinhas”, é tema obrigatório na pauta do governo, que tenta estancar a queda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo as pesquisas de opinião.
Taxar esse segmento, alertou a primeira-dama Rosângela da Silva — a Janja —, em nada contribuiria para a estratégia que tira o sono do presidente no terceiro mandato.
O projeto original acabava com a isenção para essas compras feitas em sites internacionais, principalmente da China. O argumento para a taxação dessas compras era de que a isenção prejudicava a indústria nacional.
Acordo feito pelo relator, deputado Átila Lira (PP-PI), com a maioria dos partidos, estabeleceu a alíquota de 20% de imposto de importação. A partir desse valor, a cobrança é de 60%. Os estados cobram ainda 17% de ICMS, o que gerou críticas da oposição.
“Em vez de acabar com a isenção cobrando 60% de imposto de importação, foi feito um acordo, do qual eu não faço parte, do qual eu não concordo, para cobrar 20% de imposto de importação mais os 17% de ICMS. O governo Lula não mexe com aquele rico que tem condição de sair do país e tem isenção de mil dólares para fazer compra fora, mas taxa a compra do mais pobre com 20% de imposto de importação e ainda a cobrança a cobrança por parte dos estados de 17% de ICMS”, disse o deputado paulista Kim Kataguiri (União-SP), em manifestação de protesto.
Mas, para o relator, deputado Átila Lira (PP-PI), a alíquota de 20% foi justa para o consumidor, para a indústria nacional e para não desestimular as plataformas internacionais. Com o fim da isenção prevista no projeto original, a alíquota seria de 60%.
Aumento da desigualdade
Mas, não é o que pensa o colosso mundial do comércio eletrônico AliExpress, que se disse “surpreendido” com a decisão da Câmara dos Deputados de taxar em 20% as compras feitas em sites internacionais. Segundo a varejista chinesa, o imposto afetará principalmente os mais pobres, além de desestimular investimentos estrangeiros no país.
Com a aprovação do projeto, agora o texto vai ao Senado. A expectativa é de que seja apreciado ainda nesta quarta-feira (29), para não perder o prazo, porque o PL está vinculado a uma medida provisória que caduca (perde o prazo), nesta sexta-feira (31).
Em nota (leia a íntegra abaixo), a gigante chinesa afirma que a medida “impactará de forma muito negativa a população brasileira, principalmente aqueles de classes mais baixas, que deixarão de ter acesso a uma ampla variedade de produtos internacionais, que em sua maioria não são encontrados no país, a preços acessíveis”.
A empresa destaca que o PL “não altera a isenção para viagens internacionais”. Brasileiros podem viajar para o exterior e fazer compras de até R$ 5.000 a cada 30 dias sem pagar imposto sobre os itens na volta ao país. Segundo o AliExpress, isso aumenta “ainda mais a desigualdade social”.
A nota afirma que a medida contraria a opinião da população e cita uma pesquisa do Plano CDE, que mostra que os brasileiros defendem a cobrança de alíquota de até 20%, “e não de 44%, como se planeja com essa decisão”. E que a população também não concorda com a alíquota de 92% cobrada sobre produtos acima de US$ 50.
O AliExpress conclui o comunicado dizendo confiar “que o governo brasileiro irá levar em consideração a seriedade do assunto e ouvir a opinião da população antes de tomar qualquer decisão definitiva”.
Leia a íntegra da nota do AliExpress, antes da aprovação do PL:
“O AliExpress informa que foi surpreendido com a decisão da Câmara dos Deputados de elevar os impostos para compras internacionais. Se convertido em Lei, o fim do De Minimis impactará de forma muito negativa a população brasileira, principalmente aqueles de classes mais baixas, que deixarão de ter acesso a uma ampla variedade de produtos internacionais, que em sua maioria não são encontrados no país, a preços acessíveis. A decisão desestimula o investimento internacional no país, deixando o Brasil como um dos países com a maior alíquota para compras de itens internacionais do mundo.
“Além disso, a medida contraria a opinião dos brasileiros que, segundo pesquisa do Plano CDE, acredita que a alíquota justa a ser aplicada deveria ser de até 20%, e não de 44%, como se planeja com essa decisão para as compras abaixo de 50 dólares. Ainda, 90% da população é contra a alíquota atual de 92%, que pretende se manter para os itens acima de 50 dólares.
“A mudança, por outro lado, não altera a isenção para viagens internacionais, que permite que quem viaje para fora do país compre uma variedade de produtos isentos de qualquer imposto no valor total de R$ 5 mil a cada 30 dias, aumentando ainda mais a desigualdade social.
“O AliExpress tem como missão democratizar o acesso de itens do mundo inteiro, conectando diretamente os consumidores a fabricantes do mundo todo, reduzindo intermediários da cadeia de suprimento e aumentando a eficiência e a produtividade para oferecer aos seus clientes produtos de qualidade a preços justos.
“Confiamos que o governo brasileiro irá levar em consideração a seriedade do assunto e ouvir a opinião da população antes de tomar qualquer decisão definitiva.”
Fraudes e descontrole
Até 2023, havia muitas fraudes em compras de até US$ 50,00 que vinham do exterior e o fisco não dava conta de processar tantos pacotes — incluídos os comprados por revendedores que se aproveitavam das facilidades da tecnologia em compras disponibilizada por esses gigantescos sites estrangeiros, notadamente da China Continental.
Varejistas sobretudo da China, como Shein e Shopee, criaram uma situação em que a transação parecia uma venda de pessoa a pessoa e, assim, era isenta de impostos quando o valor não excedia os US$ 50,00.Para começar a resolver essa situação, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou em 1º de agosto de 2023 o programa Remessa Conforme: as varejistas estrangeiras passaram a ter de aderir a normas mais rígidas para continuar a vender para o Brasil e terem um tratamento mais expresso na alfândega.Com isso, essas empresas estrangeiras passaram a cobrar dos compradores o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é um imposto estadual. No entanto, não há ainda uma taxação federal.Trabalhadores da indústria nacional passaram a pressionar os congressistas para propor uma cobrança federal referente a essas pequenas importações. Assim, foi incluído um “jabuti” em 4 de maio no PL (projeto de lei) sobre o Mover (Programa de Mobilidade Verde e Inovação), que incentiva a descarbonização e a produção de veículos sustentáveis.
Aumento de imposto
Na prática, com a taxação, o que se constata é o real aumento de imposto que o governo jurou que não faria. Com a nova proposta aprovada, a compra de um produto de US$ 50 resulta em R$ 373 após o pagamento de todas as taxas. Confira o cálculo:- US$ 1 dólar é cotado a R$ 5,16 nesta quarta-feira (28), então o custo de compra ao pagador de impostos seria de R$ 258;- é cobrado o imposto federal sobre a importação com alíquota de 20% e eleva o preço em R$ 51,60, resultando em um total até aqui de R$ 309,60;- por fim, é cobrado o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre as importações de 17%. É necessário dividir o valor total por 0,83 (1-17%); resulta na cobrança de R$ 63,4. Logo, o preço final a ser cobrado é de R$ 373,00.O cálculo feito não contabiliza frete e seguro, que podem ser cobrados a depender do produto e vão incidir sobre a base de cálculo do ICMS.Inicialmente, com a proposta da alíquota de 25% do imposto federal sobre a importação, o valor total cobrado era de R$ 388,50.*
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.