Em ano “terrivelmente bom”, arrecadação de Parauapebas ultrapassa R$ 1,7 bilhão

Folha chegou a menor percentual da história e prefeito se empolgou tanto que saiu distribuindo gratificações a vários cargos. No fundo, porém, contas locais não suportam uma gripe chinesa.

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O prefeito Darci Lermen pode reclamar de tudo, menos de uma coisa: dinheiro na Prefeitura de Parauapebas. E é muito dinheiro mesmo. Pela prestação de contas do governo municipal entregue no último dia 31 ao Tesouro Nacional — com um dia de atraso em relação ao prazo legal, que encerrou na quinta-feira (30) —, a administração faturou no decorrer de 2019 incríveis R$ 1.702.493.791,85. É algo tão extraordinário para um município com pouco mais de 200 mil habitantes que, por vezes, chega a ser inacreditável. É, além disso, um montante superior em mais de R$ 450 milhões à previsão orçamentária do ano passado, de R$ 1,243 bilhão.

As informações foram levantadas com exclusividade pelo Blog do Zé Dudu, que se debruçou sobre os relatórios de execução do orçamento e de gestão fiscal para fornecer ao leitor a dimensão do que isso significa. Para começar, entenda: se o governo de Parauapebas fosse colocado na fila das 5.568 prefeituras brasileiras para medir a riqueza financeira, o Executivo chefiado por Darci estaria entre os lugares de sombra e água fresca, na 45ª colocação.

Em termos didáticos, é suficiente saber que a prefeitura que mais fatura com royalties de mineração no país “sambou na cara” de municípios extremamente competentes e desenvolvidos social e economicamente do Centro-Sul, como Juiz de Fora-MG (R$ 1,641 bilhão), Maringá-PR (R$ 1,603 bilhão), Bauru-SP (R$ 1,259 bilhão) e Anápolis-GO (R$ 1,153 bilhão). Cinco capitais de estado, a exemplo de Porto Velho-RO, Boa Vista-RR, Palmas-TO, Rio Branco-AC e Macapá-AP, também não conseguiram acompanhar o ritmo de arrecadação da capital do minério de ferro.

Toda essa euforia vivida pelas contas do rico município foi causada pelo excesso no faturamento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) em 2019, quando R$ 679,4 milhões entraram nos cofres em decorrência do pagamento de royalties pela mineradora multinacional Vale. A segunda principal fonte de receitas foi o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), responsável pelo ingresso de R$ 426,35 milhões. O agigantamento do ICMS também é fruto, direta e indiretamente, da atividade mineradora local.

Folha que não faz cócegas

Surfando na onda da arrecadação estratosférica, a Prefeitura de Parauapebas viu a folha de pagamento de R$ 547.350.781,25 ficar pequena e tímida diante da robusta receita líquida de R$ 1.594.677.021,60. Se tivesse vida própria, a despesa com pessoal de Parauapebas seria muito maior que a arrecadação inteira de Castanhal, município com praticamente a mesma quantidade de habitantes que Parauapebas. Diga-se de passagem só seis lugares do Pará conseguiram arrecadar mais que a despesa com os servidores parauapebenses: Belém, o próprio Parauapebas, Marabá, Ananindeua, Santarém e Canaã dos Carajás.

Em razão da elevada receita apurada no ano passado, a capital do minério agora esbanja o menor índice de comprometimento de receita líquida com folha de pagamento: 34,32%. Essa taxa nunca esteve tão baixa e tão distante dos limites preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que variam de 48,6% para alerta, 51,3% para prudencial e 54% para máximo. É como dizer que a folha de pagamento não fez nem cócegas no ano passado.

Embalado no otimismo desse espírito financeiro superlativo, o prefeito Darci Lermen até autorizou recentemente uma série de gratificações a servidores de determinados cargos da administração. Mas a medida carece de atenção, haja vista a fonte pagadora da maior parte das despesas ser perene. Os royalties de mineração que ano passado robusteceram os cofres podem, a qualquer momento, começar a minguar por uma série de fatores indesejados.

Finanças dependentes de fora

Em 2019, de cada R$ 1 que ingressou nos cofres públicos, 86 centavos foram referentes a transferências de outros entes, como governos estadual e federal. É um cenário preocupante, já que de R$ 1,7 bilhão arrecadados apenas R$ 238 milhões são gerados localmente, um valor bem inferior à capacidade de geração de receitas próprias pela Prefeitura de Marabá, cuja folha de pagamento é inferior.

É verdade que com o dinheiro dos royalties não se pode pagar despesa com pessoal, mas enquanto eles são utilizados para cobrir outras despesas possíveis, fontes como o ICMS e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) acabam sacrificadas com o funcionalismo.

A questão, porém, é que o cenário econômico sobre o qual Parauapebas se sustenta é muito volátil e vulnerável, inclusive a gripes, literalmente. O mercado financeiro, por exemplo, já teme que o preço da tonelada do minério de ferro, hoje cotado na casa dos 90 dólares, caia abaixo dos 70 dólares, em razão tanto do aumento da oferta quanto do coronavírus, que se espalha na China e no mundo como rastilho de pólvora. A China é a maior produtora global de aço e a maior importadora do minério de ferro produzido em Parauapebas.

Fora do campo das especulações dos analistas de commodities, a realidade é que em 2019 Parauapebas chegou ao ápice financeiro, de maneira que certamente sua arrecadação não vai se repetir em 2020 em curso normal — a menos que alguma bolada extraordinária apareça. Este ano, aliás, momento de acirramento dos ânimos por conta das eleições de outubro, a Prefeitura de Parauapebas precisa fazer e mostrar muito e mais, pela quantidade de dinheiro que arrecada mensalmente, o que varia de R$ 90 milhões a R$ 190 milhões, e pelas demandas públicas, que se alastram em velocidade superior e não raramente causam o empobrecimento social, mesmo em lugares sabidamente ricos.