Dobradinha PT-PSOL aprova projeto que suspende o programa Abrace o Marajó

Políticos dos dois partidos alegam que as populações diretamente interessadas no programa não foram previamente consultadas nem participaram de sua elaboração
Com a suspensão do programa “Abrace o Marajó”, a região perderá cerca de R$ 1 bilhão em investimentos de políticas públicas

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Brasília – Uma dobradinha para acabar com o programa federal “Abrace o Marajó”, coordenado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, está em curso na Câmara dos Deputados, num movimento liderado por deputados do PT e do PSOL. Num cochilo do governo, os deputados oposicionistas aprovaram o Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº 157/2022), em sessão deliberativa na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia (Cindra), que susta o Decreto Presidencial nº 10.260, em 03 de março de 2020, que instituiu o Programa Abrace o Marajó e seu Comitê Gestor. A matéria ainda precisa ser votada na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

Deputado Airton Faleiro (PT-PA) foi o autor do projeto que suspende o programa “Abrace o Marajó”

Segundo os autores do PDL, os deputados: Airton Faleiro (PT-PA), Célio Moura (PT-TO), José Ricardo (PT-AM), João Daniel (PT-SE), Leonardo Monteiro (PT-MG), Nilto Tatto (PT-SP), Patrus Ananias (PT-MG), que foi relatado pela deputada Vivi Reis (PSOL-PA), a proposição foi apresentada porque as populações diretamente interessadas no programa não foram previamente consultadas, não participaram de sua elaboração e que o programa está a serviço de interesses outros que não os das populações locais e não atenderam aos objetivos do programa.

A ex-ministra Damares Alves, coordenava os demais ministérios no programa “Abrace o Marajó”, com R$ 1 bilhão em investimentos sociais e de infraestrutura

O programa está inserido na estratégia de ação do Governo Brasileiro para a Amazônia. Foi criado por meio do Decreto Presidencial nº 10.260, em 03 de março de 2020, que instituiu o Programa Abrace o Marajó e seu Comitê Gestor, como “estratégia de desenvolvimento socioeconômico dos Municípios que compõem o Arquipélago do Marajó, localizado no Estado do Pará”. Com ações multissetoriais e coordenado pela então ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, contava com recursos de quase R$ 1 bilhão para a execução das ações.

No relatório aprovado na Cindra, de apenas três laudas (confira aqui), a deputada Vivi Reis afirma que: “Para que haja participação cidadã̃ e popular no Programa Abrace o Marajó́, é preciso que o Governo Federal revise o Decreto 10.260, através de um processo sólido, claro, representativo e participativo, com garantia de poder às populações da região, em sua pluralidade e diversidade de território, cultura, crença, valores e ideias, tendo nos direitos humanos o arcabouço base. Sem a revisão do decreto e subsequente revisão do Plano de Ação, não haverá́ participação porque sua ausência é um vício de origem que contaminou tudo o que se desdobrou a partir de então.”

O arquipélago abriga cerca de 500 mil pessoas e inclui o município com pior o IDH do Brasil: Melgaço (PA). Além desse, outros sete dos 16 municípios que compõe a região estão na lista dos 50 piores índices: Chaves, Bagre, Portel, Anajás, Afuá, Curralinho e Breves.

Deputada Vivi Reis (PSOL-PA) foi a relatora do projeto que suspende o programa “Abrace o Marajó”

“Em vez de focar em pautas centrais para a população marajoara, o Plano de Ação do programa traz mais de 100 linhas de atuação, sendo a maior parte delas sem orçamento ou cronograma de trabalho definidos, excluindo, ainda, importantes entidades que vem atuando há anos nos municípios marajoaras”, afirma a deputada

Vivi Reis afirma que “as ações do programa ‘Abrace o Marajó’, não podem ficar resumidas em distribuição de cestas básicas para menos de 1/3 da população que realmente necessita, e desconectada das necessidades da população e dos efeitos da pandemia no Marajó”.

Afuá, um dos municípios do Arquipélago do Marajó, está entre os municípios brasileiros com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), das Américas 

Uma rápida consulta ao sistema de informações da Câmara dos Deputados, é facilmente constatado que os dois deputados da bancada paraense Airton Faleiro (PT), assim como, sua colega, Vivi Reis (PSOL), não destinaram um centavo sequer aos municípios que compõem o Arquipélago do Marajó, dos milhões de reais a que têm direito de suas emendas parlamentares. Veja aqui as emendas de Faleiro e aqui a relação das emendas da deputada Vivi Reis. Mesmo assim, são os patronos para que o programa de R$ 1 bilhão do governo federal, seja extinto, jogando o povo do Marajó na penúria e abandono orçamentário que marcam a sua história, notadamente nos 14 anos de governos consecutivos do PT a frente do Governo Federal (2003-2016).

A ilustração está em destaque no site criado pelo Observatório do Marajó, uma ONG que atua na região, demonizando qualquer iniciativa do governo federal 

Cartas marcadas
O Observatório do Marajó criou um site (veja aqui) onde denuncia o programa “Abrace o Marajó”. A ilustração em destaque no site da ONG que atua na região, demoniza qualquer iniciativa do governo federal. Na ilustração, a hostilidade ao governo é clara, com a utilização da palavra genocida diversas vezes, em grave acusação ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e vários de seus ministros.

Os dois deputados federais, autor e relatora do PDL, são candidatos à reeleição com o apoio da ONG. Os dois deputados paraenses subscreveram e apoiam um documento elaborado por 60 entidades populares que denunciam que o “Abrace o Marajó”, nada mais do que um esquema de cartas marcadas entre o governo federal, fazendeiros e empresários.

O documento das entidades cobra do governo que “a participação popular deve ser um processo estruturado, com compromissos claros, desdobramentos imediatos, poder compartilhado. Um processo anterior à execução daquilo sobre a qual se delibera, livre de influências de interesses privados, com informação de qualidade garantida às participantes do processo. O Programa Abrace o Marajó não cumpriu com estes preceitos. Ao contrário, foi instituído unilateralmente por decreto presidencial que concentrou os poderes aos órgãos públicos e garantiu voz e influência apenas a fazendeiros e empresários, representados pela Fiepa, Faepa e Biotec”, denunciam.

O documento destaca que: “Mais de um ano depois do lançamento do programa, depois de carta da Prelazia do Marajó, Nota Técnica da Defensoria Pública da União, Nota Pública de mais de 60 organizações da sociedade civil, Manifesto de comunidades e organizações locais, uma audiência pública na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados, uma audiência pública com autoridades do sistema de justiça, incluindo DPU e MPF, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos convida ‘os representantes da sociedade civil marajoara a participarem de um encontro com o objetivo de continuar e ampliar o diálogo sobre o Programa Abrace o Marajó’”.

“A participação é constantemente esvaziada por esse Ministério no desenvolvimento do programa. Não houve participação popular na construção do programa. Nas audiências públicas realizadas até o momento, variadas organizações e associações de diferentes municípios do Marajó reafirmaram que o programa foi construído sem participação popular e compartilharam suas preocupações decorrentes desse fato. Realizar encontros para ‘ampliar o diálogo’ não é participação popular e cidadã e não responde às denúncias, críticas e problemáticas apontadas pela sociedade civil marajoara”, protestam as entidades.

Os deputados também recorrem à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre a consulta aos a indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais e que vigora no Brasil desde 2004, e à Constituição Federal.

“A cada vez houver previsão de ações legislativas ou administrativas que afetem seus territórios tradicionais ou seus modos de vida por força da convenção 169 é necessário que haja Consulta prévia”, argumentam.

“A Constituição prevê, em diversos dispositivos, a participação dos cidadãos na formulação, na implementação e no controle social das políticas públicas. O cerne é a fiscalização das ações do poder público, mas isso possibilita também a participação efetiva da comunidade nas decisões”, complementam.

Recomendações imediatas das entidades
Enquanto isso não ocorre, diz a ONG, é importante o Governo Federal ter clareza que conversas, debates ou mesmo audiências públicas não garantem qualquer dimensão ou caráter participativo ao programa. A sociedade civil está atenta e não se confundirá, não se deslumbrará e não aceitará menos do que a revisão do decreto.

O Observatório do Marajós diz que: “Sem prejuízo de se fazer necessária a revisão do decreto, isto é, sem em nada garantir aspecto participativo ao programa, recomendamos que todas as reuniões realizadas por qualquer representante do MMFDH que trate do Programa Abrace o Marajó, sem exceção, independente do grupo ou instituição com que se reúna, seja transmitida ao vivo no canal do YouTube do Ministério ou em canal específico do Programa.

“Em vez de focar em pautas centrais para a população marajoara, o Plano de Ação do programa traz mais de 100 linhas de atuação, sendo a maior parte delas sem orçamento ou cronograma de trabalho definidos, excluindo, ainda, importantes entidades que vem atuando há anos nos municípios marajoaras”, afirma a deputada Vivi Reis.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.