Dia nacional do garimpeiro

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Não há nada pra comemorar

Dia 21 de julho de 2010, amigos reunidos em uma chácara, em Serra Pelada, carinhosamente apelidada de Morumbi, panelas nos fogões a lenha na sombra de uma mangueira no quintal, avisam que o almoço que saciará a fome dos pouco mais de trinta camaradas ali reunidos não tarda a ficar pronto.

É o dia nacional do garimpeiro. Era pra ser uma festa para comemorar data tão importante para todos ali, não fosse o barulho de um trator de esteiras que, a cerca de 300 metros dali, avisava que os garimpeiros de Serra Pelada não têm nada o que comemorar.

A máquina faz parte dos equipamentos da empresa canadense Colossos, que está ali fazendo a terraplanagem da área onde será instalado o novo quartel da polícia militar, que, para dar a segurança que a referida empresa precisa para tocar seu projeto não aceito pela comunidade, exigiu instalações mais confortáveis para seus soldados.

O quartel será feito exatamente em frente a chácara onde moram os dirigentes do MTM (Movimento dos Garimpeiros e Trabalhadores na Mineração), último grupo de resistência contra os desmandos da atual direção da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), que vendeu o patrimônio da família garimpeira a preço de banana podre para o capital estrangeiro; contra os desmandos do Estado Brasileiro que apóia estes dirigentes corruptos e finge não ver a verdade sobre a questão Serra Pelada; além de lutar incansavelmente para garantir que os garimpeiros tenham seus direitos garantidos.

O barulho daquela máquina indicava claramente que naquele dia a família garimpeira não tinha o que comemorar. E não o fará por vários motivos.

1. Os garimpeiros e moradores de Serra Pelada foram esquecidos pelas autoridades seja política, judicial e pela própria sociedade brasileira, que vive de olhos fechados para os problemas enfrentados pela família garimpeira deste país que vem sofrendo um massacre silencioso ao longo destes 30 anos, desde o surgimento daquele que fora conhecido como o maior garimpo a céu aberto do planeta. Prova disso, é o fato de aquela comunidade ter o maior índice de hanseníase do país e conviver diariamente com violência sexual cometida contra crianças e adolescentes; ter seus moradores, na sua maioria idosos, vítimas de violência por parte de policiais militares que deveriam estar ali para protegê-los; ter também índices altos de portadores de doenças sexualmente transmissíveis (DST’s); falta de educação para os filhos destas famílias (a escola estadual daquela comunidade está com as aulas paralizadas há tempos por falta de professores); nunca houve, qualquer que fosse, um investimento em habitação (as famílias vivem em choupanas caindo aos pedaços); não há nenhum tipo de investimento em saneamento básico (as ruas são empoeiradas, o esgoto é a céu abeto, a energia elétrica é precária e a água, sem nenhum tipo de tratamento, agrava ainda mais esta situação).

2. O contrato assinado entre a Coomigasp e a Colossos reza que, de tudo que for explorado em Serra Pelada, apenas 25% (vinte e cinco por cento) será dos cerca de 45 mil garimpeiros associados. O restante, 75% (setenta e cinco por cento), será da Empresa. Segundo cálculos feitos por grupos ligados à direção das cooperativas, cada garimpeiro receberá pouco mais de R$ 1.000,00 (mil reais) por ano. Este acordo será um marco para o país. Será este o primeiro acordo comercial onde o dono de todo o bem a ser explorado será acionista minoritário. Mais do que isso, terá direito apenas a um quarto de tudo aquilo que é seu, já que Serra Pelada é oficialmente patrimônio do garimpeiro.

3. Estes garimpeiros têm um recurso, que está sob poder do Governo Federal, na Caixa Econômica, que beira os R$ 400.000,00, (quatrocentos milhões) e, até os dias atuais, nunca teve sequer uma indicação de que um dia receberá tal importância. Este dinheiro é apenas a sobra de todo o ouro que foi retirado em Serra Pelada, durante seu áureo período de exploração. A justificativa que é repetida pelo governo, ao longo destes anos, é que não devolve o recurso aos seus donos por direito porque a direção da cooperativa não cumpre as regras que a lei determina e vive irregular perante a União que, por seu turno, só poderá fazer o repasse quando houver uma direção séria, sem denúncias ou processos judiciais e, fundamentalmente, com as contas em dias junto ao Estado. De verdade, este montante nunca foi entregue aos garimpeiros por que, com este recurso, a cooperativa teria plenas condições de mecanizar e tocar a exploração do garimpo, garantindo que o patrimônio da família garimpeira seja dividido apenas entre seus cooperados e assim seria mais difícil para as grandes empresas e governos saquearem o que ainda restou de Serra Pelada.

4. Dentre os principais problemas dos Garimpeiros de Serra Pelada, a não demarcação da Reserva Garimpeira é de longe a que mais dificulta a luta em defesa da causa. Durante todos estes anos, o acordo que garante a tal demarcação vem sendo discutido, feito e refeito pelo governo e até agora nada foi cumprido. Quando o debate a respeito começa a avançar, vem o grande capital, Vale do Rio Doce e companhia, e trava tudo. Isso porque a Vale diz que é dona da área em questão e, com o consentimento ou omissão do governo, mudou a posição do marco SL1 (Serra Leste 1) que determina onde começa e termina a área de Serra Pelada, que é de propriedade dos garimpeiros associados, segundo o Dec. 74509/74.

O DNPM (Departamento Nacional de Pesquisa e Mineração) já chegou a admitir o fato de a empresa ter mudado a posição do referido marco, prova disso é que o órgão já chegou a tentar recolocá-lo no lugar de origem, mais até agora isso ainda não foi feito devido a resistência da Vale com seus interesses. Mais recentemente, acampados a margem da Ferrovia Carajás, próximo ao assentamento Palmares, em Parauapebas, os garimpeiros de Serra Pelada conseguiram uma audiência com o Governo Federal onde foi feito o compromisso de revisão de todas as questões envolvendo a demarcação e, mais uma vez, não se cumpriu o acordado. Enquanto as coisas continuam sem nenhum sinal de mudança, os pouco mais de trinta dirigentes da comunidade garimpeira reunidos no Morumbi planejam nova ação para, mais uma vez, tentar salvar seu patrimônio de direito que fora adquirido a custa de muito suor. A tarde vai se acabando para dar lugar a noite de céu estrelado em Serra Pelada e a família garimpeira mais uma vez vai dormir sem ter o que comemorar.

Popó Costa

Serra Pelada, 21 de julho de 2010

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