Desarticulado politicamente, governo é forçado a negociar com o Centrão

Calendário da reforma previdenciária está prejudicado e Paulo Guedes avaliza prováveis mudanças no texto original para destravar tramitação da PEC 6/2019

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Embora tramite em regime especial, conforme o artigo 202 c/c 191, I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a PEC 6/2019, que modifica o sistema de Previdência Social, que estabelece regras de transição e disposições transitórias, principal projeto do governo, está estacionada na primeira fase de tramitação há exatos 39 dias na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Após a terceira derrota do governo na comissão para destravar a matéria, líderes da base e o ministro da Economia, Paulo Guedes, costuraram acordo de negociação com o Centrão –– grupo formado por PP, PR, PRB, DEM e Solidariedade –– fiador do governo, e ficou decidido que haverá mudanças no texto original enviado ao Congresso pelo Palácio do Planalto.

O entendimento foi confirmado ao Blog do Zé Dudu pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, Major Victor Hugo (PSL-GO) e declarações do ministro da economia, Paulo Guedes, na noite de quarta-feira (18).

Mais cedo, à tarde, foi convocada uma reunião com o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, para tratar de alterações no texto, sem as quais, já se sabe que ele não será aprovado. Entre os convidados, destaca-se a presença do líder do PP, Arthur Lira (AL). O deputado foi chamado justamente para levar as exigências do Centrão.

A Reportagem apurou que o grupo (Centrão) quer alterar o texto em cinco pontos: o fim da multa do FGTS paga a quem já é aposentado no caso de demissão; o abono salarial; a questão do Foro Nacional do Distrito Federal para a propositura de ações contra a União; a possibilidade de se alterar a idade máxima dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de projeto de lei complementar; além da desconstitucionalização da Previdência.

Logo após a reunião da CCJC ontem, o relator da proposta, deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), negou que mudar seu parecer representasse derrota ao governo. “Não enxergo, absolutamente, nenhuma derrota para o governo. Ao contrário, estamos observando um governo que está disposto ao diálogo com o parlamento”, disse e completou: “Continuamos a entender que a proposta apresentada pelo governo é absolutamente constitucional, mas vamos discutir com os líderes.”

Ministro avaliza negociação

Sem entrar em detalhes para não alertar a oposição, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que o governo está preparado para ceder em pontos da reforma da Previdência. “Não posso falar onde a gente cede. Isso é uma estratégia de negociação. Estamos preparados para ceder em algumas coisas e não em outras”.

A Reforma da Previdência apresentada pelo governo de Michel Temer (MDB) precisou de apenas sete dias para ser aprovada na CCJC. Nessa legislatura, porém, as sessões da comissão vêm sendo marcadas por muita confusão e discussão envolvendo parlamentares da base governista e da oposição.

Em entrevista a um canal fechado de TV, perguntado sobre as projeções do mercado, que apontam uma economia entre R$ 500 bilhões e R$ 600 bilhões com a reforma da Previdência, o ministro afirmou que as estimativas estão equivocadas. Ele reiterou que a previsão do governo é de um montante da ordem de R$ 1 trilhão.

“O mercado está errado. Não vão ser R$ 500 bilhões ou R$ 600 bilhões. Esse negócio de conta cada um faz a sua”, afirmou.

Questionado sobre as críticas que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) recebeu por intervir para que a Petrobras adiasse a aplicação de um reajuste no preço do diesel, na semana passada, Guedes disse que o presidente estava apenas buscando informações sobre o aumento, mas admitiu que o presidente não agiu “da melhor forma” no episódio.

“É natural que ele, como presidente, se precipite. Aconteceu da melhor forma? É claro que não”, afirmou Guedes, que voltou a criticar a prática de reajustes diários no combustível, que já foi adotada pela Petrobras.

“O que a gente tem de procurar é não ser 8 nem 80. Nem reajuste diário, porque não é sensato para a economia que se move, nem controle de preço”, disse. Questionado se esperava ter mais autonomia Guedes disse que não tem, até o momento, do que reclamar. “Eu não posso me queixar. Eu não fui atingido na minha autonomia.”

Durante a entrevista, Paulo Guedes afirmou que o objetivo do governo é, até o fim do mandato de Bolsonaro, reduzir a carga tributária de 36% do Produto Interno Bruto (PIB) para 30%. Segundo ele, o ideal seria reduzir a 20% nas próximas gestões.

Última oportunidade

Em seminário da Comissão de Trabalho sobre a reforma da Previdência (PEC 6/19), o secretário especial da Previdência e do Trabalho, Rogério Marinho, enfrentou uma plateia de representantes de trabalhadores contrários às mudanças. Ele disse que vários representantes eram de corporações do serviço público, privilegiadas pelo sistema atual.

“As corporações têm percorrido os gabinetes dos deputados e senadores pedindo a eles que combatam a PEC como um todo, mas não os seus privilégios. Eles falam a respeito do BPC, do rural… e esquecem que o impacto que é dado ao servidor público – não porque ele é um criminoso, longe de mim; são profissionais decentes, que têm grande qualidade – mas no País que estamos, nós não podemos ter a situação em que se encontra o sistema previdenciário. Então sobre eles o peso do projeto incide 14 vezes mais que sobre o regime geral”, discursou.

De acordo com projeções do sistema financeiro e declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), “se a reforma previdenciária não for feita este ano, o País vai quebrar.”

O secretário Rogério Marinho começou o debate dizendo que o sistema de repartição atual, onde os trabalhadores contribuem para o sistema como um todo e não para uma conta individual, é um sistema “injusto e insustentável”.

Para o ex-ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto, o sistema de repartição é socialmente responsável. Ele acusou o governo de não trabalhar uma solução pelo lado das receitas:

“O Brasil vive há 4 anos uma recessão econômica. Nos últimos 4 anos, 6,4 milhões de contribuintes do regime geral deixaram de contribuir por conta do desemprego, da crise econômica. Portanto, um debate sério, responsável sobre o modelo previdenciário enfrenta a questão central que é a questão da arrecadação previdenciária. E o governo em nenhum momento fala da arrecadação previdenciária, que é um elemento fundamental.”

Ouça abaixo o áudio do secretário especial da Previdência e do Trabalho, Rogério Marinho

O secretário Rogério Marinho finalizou sua fala dizendo que a reforma da Previdência atual seria a “última oportunidade” para fazer mudanças sem mexer nos direitos adquiridos.

Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília