A Câmara dos Deputados e o Senado Federal retomam os trabalhos legislativos nesta semana sob a ameaça de obstrução das votações. Congressistas da oposição anunciaram, na semana passada, a intenção de obstruir as votações nas duas casas legislativas federais.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) disse que a obstrução vai ocorrer depois da apresentação do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o senador, o Senado precisa se posicionar institucionalmente, para oferecer uma resposta à sociedade. Ele afirmou que deputados e representantes da sociedade vão assinar o pedido, mas os senadores não assinarão porque serão os julgadores em uma possível comissão de impeachment.
São mínimas as chances do pedido prosperar. A direita tem 31 senadores que apoiam o afastamento do ministro, número aquém dos 54 necessários — metade mais um, do total de 81 senadores —, necessários para aprovar a medida, mas que seria suficiente para abrir o processo conforme o projeto de lei que será votado.
No Senado, não há qualquer sinal de que o presidente, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) vá aceitar o novo pedido de impeachment contra Moraes – nunca acolheu nenhum dos anteriores e sempre disse ser contrário. Além de ser próximo do ministro, diz que iniciativas do tipo consomem energia que deveria estar focada, em sua visão, em matérias de interesse econômico ou social.
Governo e oposição medem forças
Em meio à intensificação das campanhas nas eleições municipais, deputados e senadores retornarão a Brasília nesta semana para uma agenda intensa no Congresso, num clima que irá medir as forças da oposição e do governo. Nesta segunda-feira (9), no Senado, a direita apresentará um novo e mais robusto pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, aproveitando o embalo das manifestações contra ele, no sábado (7). Na terça-feira (10), deputados tentarão aprovar, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, projeto que anistia os condenados do 8 de Janeiro, e que também pode anular a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A presidente do colegiado, Caroline de Toni (PL-SC), tentará ainda votar, na quarta-feira (11), quatro proposições que reduzem o poder do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas é a proposta de emenda à Constituição já aprovada no Senado (PEC nº 8/2021) que praticamente acaba com as decisões monocráticas dos ministros. Outra PEC pautada (28/2024) permitiria ao Congresso sustar decisões do STF que invadam competência normativa do Legislativo.
Por fim, há mais dois projetos de lei para aumentar o rol de crimes de responsabilidade que podem levar ministros do STF ao impeachment, incluindo usurpação de competências dos parlamentares, divulgar opinião sobre processos pendentes de julgamento, praticar corrupção e violar imunidade dos deputados e senadores em suas palavras e posicionamentos.
Um dos projetos diz que, se o presidente do Senado não aceitar o pedido de impeachment, caberá recurso para que o plenário da Casa possa analisar a denúncia. Se um terço dos senadores considerar que há admissibilidade nas acusações, o processo será aberto. Hoje, o principal obstáculo para o impeachment de Moraes e outros ministros é a recusa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em aceitar o pedido.
Todas essas propostas estão na CCJ da Câmara, porém, ainda teriam de passar pelo plenário da Casa, onde eventual aprovação torna-se ainda mais incerta. A própria votação delas precisaria ser pautada pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), e não há qualquer garantia disso, especialmente num momento em que ele concentra esforços para conquistar apoio do Centrão fim fazer seu sucessor na cadeira, que assume no início do ano que vem.
Prioridade do Governo é a votação de matérias econômicas
A Câmara dos Deputados entra em semana decisiva antes das eleições municipais de outubro. Em meio ao imbróglio que envolve a sucessão à presidência da Casa em 2025, deputados também devem tratar de temas considerados relevantes que foram postergados. A prioridade do governo é a votação de matérias da agenda econômica.
A semana será a última de esforço concentrado até novembro e contempla os prazos finais para a formulação da proposta com as novas regras de emendas (9/9) e para a aprovação do PL da desoneração (11/9). Além disso, os destaques do 2º PLP (Projeto de Lei Complementar) da tributária ainda estão pendentes e, caso não sejam apreciados, devem ficar só para novembro.
O impasse é que a nova configuração da disputa para a sucessão de Arthur Lira (PP-AL) provcou um racha no Centrão. Assim, com a relação estremecida entre o presidente da Câmara e o líder do maior bloco da Casa, Elmar Nascimento (União Brasil-BA) — amigo próximo de Lira que era tido como o favorito para sucedê-lo há uma semana —, os líderes podem não chegar a um consenso sobre a pauta da semana e travar votações.
Caso deixem as rusgas de lado, a prioridade deve ser a elaboração de um projeto que contenha as regras de transparência e rastreabilidade das emendas dos congressistas. O Supremo Tribunal Federal estendeu o prazo até esta segunda-feira, (9).
Também precisa ser apreciado nesta semana o PL nº 1.847/ 2024, que teve origen no Senado e trata do acordo para a reoneração gradual dos 17 setores da economia e dos municípios de até 156,2 mil habitantes. O prazo estipulado pelo Supremo vai até quarta-feira (11).
Em meio às negociações e à crise no governo por causa da demissão de Sílvio Almeida do Ministério de Direitos Humanos, a oposição tenta avançar pautas conservadoras e que limitam os Poderes do Judiciário.
A insistência dos governistas para pautar a agenda econômica, casa com o interesse do governo em aproveitar essa semana para aprovar outras propostas defendidas pela equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A base de apoio ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — que no Desfile da Independência, fez questão de explicitar seu apoio a Moraes e Pacheco — tentará aprovar, na Câmara, o projeto de lei que cria o comitê-gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), segunda parte da reforma tributária. Também tentará votar a proposta que renegocia dívidas dos estados com a União, outra prioridade do Executivo neste ano.
Arthur Lira (PP-AL) reservou sessões de segunda a quarta para um “esforço concentrado” de votações. Embora a pauta não tenha ainda sido oficializada, o plano é que os líderes dos partidos mobilizem suas bancadas para votar propostas prioritárias, para que só depois os deputados voltem às suas bases para retomar a participação nas campanhas de aliados que concorrem a prefeito e vereador. Será a última semana de trabalho efetivo na Casa antes da eleição municipal, marcada para o dia 6 de outubro.
Daí a pressa do governo em aprovar matérias de interesse da equipe econômica antes que o resultado do pleito mexa no jogo político nacional, ante a possibilidade de partidos de centro e da direita saírem fortalecidos com a eleição de filiados nas capitais e em grandes cidades.
Internamente, o Executivo ainda tem outras preocupações ao longo da semana. Lula deverá escolher um novo ministro dos Direitos Humanos, após a demissão, na última sexta-feira (6), do professor Silvio Almeida, alvo de denúncias de assédio sexual, inclusive dentro do governo.
Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, será novamente submetida a desgaste em razão dos incêndios que se alastraram pelo país. Na terça-feira (10), ela participa de audiência pública na Câmara para prestar contas de sua gestão.
STF tem agenda que interessa aos outros poderes
No campo do Judiciário, o STF, cuja atuação é o principal ponto de choque entre governo e oposição, estará, por sua vez, concentrado em pautas que interessam de perto ao Executivo e à cúpula do Legislativo. Nesta segunda-feira (9), termina o prazo para que os dois poderes apresentem novas regras que deem mais transparência na distribuição das emendas parlamentares, verbas que senadores e deputados têm direito de direcionar dentro do Orçamento da União — neste ano, cerca de R$ 50 bilhões, um quinto de tudo o que o governo pode gastar de forma livre.
Em agosto, o ministro Flávio Dino travou a liberação das emendas por falta de informações, em boa parte delas, sobre quais parlamentares indicavam, quanto e para que serviços e programas. Foi feito acordo para que os repasses fossem retomados, desde que com as informações de origem, destino e finalidade dos recursos — com prioridade para “obras estruturantes”, de abrangência regional ou inacabadas, como queria o governo.
Ainda nesta segunda-feira, o ministro Gilmar Mendes vai mediar audiência de conciliação entre representantes de proprietários rurais e de indígenas a fim de tentar um acordo sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O Congresso aprovou em lei o critério que havia sido extinto pela Corte, que só permite a demarcação de terras que estavam ocupadas ou eram disputadas pelas tribos em 1988. O agro e a direita são a favor do marco temporal, enquanto governo e indígenas são contra.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.