Comissão especial aprova novas regras para eleições

As modificações poderão valer para pleito do ano que vem
Para valer para as próximas eleições, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado até outubro deste ano

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Brasília – A comissão especial da Câmara dos Deputados criada para analisar o projeto de emenda Constitucional nº 125/2011, que tramita na Casa há 10 anos, aprovou no final da noite de segunda-feira (9) mudanças político-eleitorais na Constituição. O texto vai ao Plenário para se submeter a dois turnos de votação antes de seguir para a análise do Senado. Cabe aos plenários da Câmara e do Senado votar qual dos dois modelos valerá para o ano que vem. Se nenhum dos dois for aprovado, segue o sistema atual, num modelo proporcional, mas com veto às coligações partidárias. As duas mudanças são alvo de críticas e consideradas um retrocesso por especialistas.

Na prática, o que os membros da comissão especial aprovaram foi uma reforma eleitoral com grande impacto nas regras eleitorais vigentes.

No texto original da PEC 125/2011 de autoria do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), tratava apenas do adiamento das eleições em datas próximas a feriados, mas, no quarto substitutivo ao texto, a relatora, deputada Renata Abreu (Pode-SP), incluiu vários temas a fim de “aumentar o leque de propostas” levadas para a apreciação do Plenário.

O texto-base da relatora foi aprovado por 22 votos a 11 na comissão. Para a eleição de 2022, por exemplo, está prevista a adoção do sistema eleitoral majoritário na escolha dos cargos de deputados federais e estaduais. É o chamado “distritão puro”, no qual são eleitos os mais votados, sem levar em conta os votos dados aos partidos, como acontece no atual sistema proporcional. Seria uma transição para o “distritão misto”, a ser adotado nas eleições seguintes para Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais. Porém, os deputados aprovaram um destaque do PC do B para retirar esse item do texto. Para a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), a escolha do sistema eleitoral definitivo a partir de 2024 ainda depende de mais debates futuros.

“Nós achamos que essa é uma situação em que ainda há muita dúvida entre parlamentares e até no próprio eleitor. Então, nós pedimos a supressão desse item do relatório”.

Voto preferencial

Outra novidade no texto de Renata Abreu é o chamado “voto preferencial” nas eleições para presidente da República, governadores e prefeitos, a partir de 2024. A ideia de Renata Abreu, já adotada na Irlanda e no estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, é dar ao eleitor a possibilidade de indicar até cinco candidatos em ordem de preferência. Na apuração, serão contadas as opções dos eleitores até que algum candidato reúna a maioria absoluta dos votos para chefe do Executivo.

“Você não é obrigado a listar a sua ordem de preferência. Você pode colocar a sua ordem de preferência. A eleição se torna muito mais barata. Trouxemos o que tem de maior inovação na política no mundo, mas tomamos o cuidado de não aplicar nas próximas eleições exatamente para não acharem que é um casuísmo”.

A adoção do voto preferencial acabaria com o sistema de segundo turno, para presidente, governador e prefeito. Essa regra só valeria para 2024.

“Na contagem de votos são aferidas as opções dos eleitores até que algum candidato reúna a maioria absoluta dos votos. Assim, facilita-se a eleição dos que reúnem maior apoio e menor rejeição”, justificou a relatora, Renata Abreu (Podemos-SP), em seu parecer.

O texto segue para o plenário da Câmara ainda esta semana e, caso seja aprovado, precisa passar pelo Senado, onde há resistência tanto ao distritão quanto à volta das coligações proporcionais, segundo o presidente daquela Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já declarou à imprensa.

Volta das coligações

O substitutivo aprovado ressuscita as coligações que foram proibidas nas últimas eleições municipais (2020), a relatora justificou a inclusão alegando prestigiar a autonomia partidária e autorizar que os partidos decidam a forma de se coligarem tanto nas eleições majoritárias quanto nas proporcionais.

Muitos temas foram debatidos no que se está chamando de “reforma eleitoral”, com destaque à adoção do Distritão, ao voto preferencial e coligações. Os três te dominaram os debates. Vários deputados afirmam que essas medidas fragilizam os partidos políticos, enfraquecem a representatividade da sociedade no Parlamento e favorecem a eleição de celebridades. O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) alertou que haverá futuros recursos ao Supremo Tribunal Federal contra a proposta. O deputado Ivan Valente (Psol-SP) acrescentou outras críticas ao texto.

“O relatório é mais esdrúxulo ainda. Tem um tal de voto preferencial, que, na minha opinião, é a terceira e a quarta vias para a presidência. Isso é uma vergonha e um escárnio. O que está acontecendo aqui são parlamentares e partidos que estão pensando na sua reeleição e não na ideia de uma democracia e de uma disputa de ideias e projetos de nação”, reclamou o psolista.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) se queixou do acordo que viabilizou a votação na comissão especial.

“O Brasil fez um plebiscito para descartar o Parlamentarismo e agora, com meia hora de o relatório pronto, querem alterar o sistema de voto para a eleição presidencial e para deputados federais. Participei dos acordos para não obstrução, mas querem colocar tudo que o grupo do distritão queria — ou seja, distritão e volta das coligações — e o lado que eu represento não coloca nada nesse acordo. Que acordo é esse?” protestou o petista gaúcho.

Já a deputada Bia Kicis (PSL-DF) saiu em defesa do texto, e do distritão em particular.

“Realmente há, na Casa, essa grande predominância do distritão, porque entendemos que devemos alterar o sistema para que o próprio eleitor possa entender melhor o sistema eleitoral e para que prepondere a vontade do eleitor”, ponderou a parlamentar governista.

Cláusula de barreira

O substitutivo de Renata Abreu também tem novidade na cláusula de desempenho, que trata dos limites mínimos de votos e parlamentares eleitos para que um partido político tenha acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita. Além do percentual mínimo de votos válidos (1,5% a 3%, conforme regra de transição prevista na EC 97/2017) e do número mínimo de deputados federais eleitos (11 a 15) em pelo menos um terço das unidades da federação, também passa a ser considerado o mínimo de cinco senadores eleitos, incluindo aqueles que já estiverem em exercício na primeira metade do mandato no dia da eleição.

O texto mantém a estratégia de reforço da fidelidade partidária, mas, além das justas causas para a troca de legenda já previstas em lei, acrescenta a possibilidade de migração desde que haja a concordância do partido.

Novos artigos

São muitas as novidades contidas no texto aprovado. Há a adoção, por exemplo, de incentivos à maior participação da população na política. Um dos artigos prevê que os votos dados em mulheres e negros para a Câmara dos Deputados vão contar em dobro para a distribuição dos Fundos Partidário e Eleitoral.

O texto aprovado reduz de um milhão para 100 mil o número mínimo de assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular na Câmara dos Deputados. É uma redução drástica.

Foi introduzido também a possibilidade de consultas populares sobre questões locais durante as eleições municipais ou gerais. Para essa espécie de “plebiscito municipal”, o tema da consulta deve ser aprovado pela Câmara de Vereadores e encaminhado à Justiça Eleitoral até 90 dias antes da data da eleição.

Outra mudança prevista incluída no texto é a data de posse dos chefes do Executivo, que atualmente ocorre em primeiro de janeiro. A relatora propõe posse em 5 de janeiro para presidente da República e 6 de janeiro para governadores. Essa regra passaria a valer nas posses de 2027 em diante.

A aprovação definitiva da reforma político-eleitoral requer maioria absoluta da composição da Casa. A maioria absoluta é definida como o primeiro número inteiro superior à metade. No caso do Senado, são 81 senadores, a metade é 40,5; portanto, o primeiro número superior é 41. Na Câmara esse número é de 257 votos de deputados, nos dois turnos de votação nos Plenários da Câmara e do Senado. As medidas previstas para as eleições de 2022 precisam ser aprovadas até outubro, um ano antes do pleito.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.